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Entrevista com John Maddox: A ciência acabou com o romantismo

"Quando minha mulher morreu, ao dar à luz nosso segundo filho, tive de procurar outro emprego, porque meu salário como professor universitário não era suficiente."

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 28 jul 2009, 22h00

Foi uma fatalidade, portanto, que levou o então obscuro professor de Física Teórica da Universidade de Manchester, na Inglaterra, John Maddox, a trocar a cátedra pelo jornalismo científico. Isso aconteceu no final dos anos 50; em 1966 assumiu a direção de Mature, uma das revistas científicas de maior prestígio desde sua fundação, há respeitáveis 150 anos, e se tornou o mais lido e temido personagem de um mundo onde sempre deseja encontrar pureza, senso crítico, modéstia e ceticismo. Nesta entrevista, ele comenta estas – e outras – questões, bem atuais.

Muito se discute, atualmente, o papel da ciência no mundo moderno. Qual a sua opinião?

Maddox – É compreensível que as pessoas questionem a ciência, até suspeitem dela, pois muitas descobertas, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, acabaram se revelando incômodas e até mesmo perigosas para a sociedade. Por exemplo, as armas nucleares. Em outros campos, o desenvolvimento científico tornou o mundo um lugar pouco romântico para se viver. A maioria dos mistérios que cercavam nossos avós – doenças, morte, astrologia – desapareceram. Enfim, a ciência acabou com a visão romântica de um homem que luta contra a natureza com suas próprias mãos.

Que áreas da ciência merecem uma atenção especial neste momento?

Maddox – Para o público, para os leitores de revistas como a nossa, tudo é importante e tudo é interessante. Mas eu acredito que os vertiginosos descobrimentos da Genética terão influência transcendental. Primeiro, na nossa maneira de conceber a própria essência do ser humano; segundo, no desenvolvimento da Medicina e da indústria farmacêutica. Muitas enfermidades que hoje nos afligem gravemente serão melhor compreendidas e serão tratadas de forma mais efetiva dentro de quinze ou vinte anos. Não é exagero imaginar que no ano 2020, em vez de procurar um fígado são para fazer um transplante, poderemos tomar uma célula da pessoa que necessita desse órgão e criar, a partir dela, um fígado novo. A substituição de órgãos se fará pela Biologia molecular e não pela cirurgia clássica. Mas há outras áreas muito interessantes. Acho que as revistas científicas deverão prestar maior atenção aos estudos sobre a origem do homem. Não se tratará apenas de saber se somos parentes mais próximos do gorila ou do chimpanzé, mas de conhecer exata-mente quando e como surgiu o ser humano, de obter as provas que permitam afirmar que os neandertais foram os autênticos ancestrais do homem moderno. Outro campo muito estimulante será a Astronomia. Estou certo de que teremos surpreendentes revelações sobre a origem física do Universo. Na minha opinião, a história do Big Bang, embora muito interessante, é um equívoco.

O desenvolvimento científico faz aumentar também as exigências éticas?

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Maddox – Claro. Fui membro do Comitê contra a Manipulação Genética, fundado em 1976. Já não tememos o que temíamos naquela época, pois hoje conhecemos bem o mundo da biotecnologia e sabemos que não precisamos nos preocupar por um par de genes modificados inseridos em um tomate. Mas o perigo do uso indevido da informação genética, da discriminação ou de sua aplicação para fins não científicos permanece.

Apesar do desenvolvimento vertiginoso da pesquisa científica, o senhor não acha que ainda acreditamos muito em superstições, discos voadores, horóscopos, curandeiros?

Maddox – Caminhamos muito desde os tempos da alquimia, de modo que essas coisas não são hoje tão populares quanto eram no século XIV. Mas ainda existe muita gente acreditando que o sobrenatural pode explicar melhor as coisas do mundo do que a ciência. Penso que isso tende a desaparecer, não tem muito futuro, pois é fruto da desinformação.

Qual o papel dos meios de comunicação de massa nessa batalha?

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Maddox – É um papel muito importante, porque eles são o único meio pelo qual as pessoas comuns, os não-cientistas, podem aproximar-se do mundo científico e entender o que acontece ali. Sobretudo os meios de comunicação impressos que, na minha opinião, são os mais apropriados para a divulgação científica. Uma coisa apenas me preocupa: é muito fácil anunciar em grandes manchetes um descobrimento espetacular, mas é necessário explicar que, na ciência, o descobrimento espetacular de hoje pode ser anulado dentro de dez anos. Por isso jornais e revistas deveriam abandonar a idéia de que esses descobrimentos são independentes entre si. É preciso fazer o público entender que os avanços de hoje são a base para novos avanços no futuro, quem sabe melhores e maiores.

O senhor já reclamou da ânsia dos cientistas em publicar suas descobertas nos meios de comunicação comuns, e não nas publicações especializadas.

Maddox – Sim, isso causa problemas a todos. A razão, provavelmente, está na dificuldade que o cientista encontra para publicar seu trabalho nas revistas especializadas. Nós mandamos cada artigo recebido a especialistas (árbitros) que criticam o conteúdo e avaliam sua importância. Antes de publicar qualquer trabalho, temos de ter certeza de que é correto; minha revista recebe 250 por semana, dos quais, com sorte, 25 serão divulgados. Diários como o New York Times, por exemplo, não fazem uma seleção tão rigorosa. Alguns cientistas apresentam histórias atraentes, como a possibilidade da fusão nuclear fria, que aparecem nas primeiras páginas no mundo inteiro, embora sejam falsas. Em todo caso, acho que temos um pouco de culpa nisso, por não tornarmos nosso produto mais acessível aos jornalistas não especializados.

Como são selecionados os 25 artigos que saem em Nature?
Maddox – É uma tarefa árdua, mas não estamos dispostos a baixar o rigor da seleção para torná-la mais fácil. Você se surpreenderia com a quantidade de pequenos erros que nosso sistema de filtros segura. Alguns requisitos devem ser sempre observados. Primeiro, o elemento surpresa: a investigação deve ser original, surpreendente, cheia de novidades. Segundo, deve representar um avanço importante no seu campo e, sobretudo, em outras áreas da ciência. Terceiro, que seja compreensível para toda a comunidade científica. Quarto, que tenha aplicações práticas. Quinto, talvez o mais característico de Nature, que seja elegante.

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Revistas como Nature devem atingir as pessoas que tomam decisões nos governos, os políticos. Isso é possível?

Maddox – A única maneira de convencer um político a investir dinheiro público em ciência é fazendo-o olhar para o passado. Observando-se as últimas duas ou três décadas, vemos que muitas novas indústrias surgiram de descobrimentos científicos. Por exemplo, a indústria dos semicondutores desenvolveu-se a partir dos descobrimentos em Física do estado sólido nos anos 50. É preciso explicar aos políticos: vejam, vocês não teriam hoje uma indústria florescente em Informática se não houvesse descobertas científicas. Tampouco teriam centrais nucleares, controvertidas que sejam, ou biotecnologia, se não houvesse cientistas dedicados à Biologia molecular há trinta anos. Da mesma maneira, o parque industrial de muitos países vai se desenvolver a partir de descobrimentos na Medicina ou na aeronáutica que estão sendo feitos agora.

E a delicada questão das fraudes em trabalhos publicados em revistas como a sua?

Maddox – É uma conseqüência da competição e. sobretudo, da impunidade. Creio que o castigo a esses falsificadores deveria ser grande, porque também é grande a tentação a que estão submetidos. Há muita gente ansiosa por publicar trabalhos em Nature que recorre a truques e mentiras para enganar-nos. Mas há outro problema, talvez mais complicado: os erros mais ou menos involuntários. Hoje em dia, as revistas científicas desejam, além de bons resultados, informações exclusivas, em primeira mão. A corrida para ser o primeiro a publicar uma descoberta pode levar a pressas desnecessárias. As revistas não revisam os trabalhos apresentados com o rigor necessário e os próprios cientistas se enganam, ao não submeter suas descobertas a um tranqüilo exame de seus companheiros e da crítica especializada.

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O que a Europa pode fazer para atenuar o grave problema da falta de trabalho para os cientistas da extinta União Soviética?

Maddox – É um problema dramático. A Rússia é um país que conheço bem, pois tenho muitos amigos lá que visito pelo menos duas vezes ao ano. A maioria deles procura trabalho no Ocidente. Há poucos meses soube-se que a Academia de Ciências da Rússia estava sem um tostão. Desde maio não paga os salários de seus empregados. Um de seus laboratórios em Moscou pediu aos cientistas que não fossem trabalhar em agosto e setembro, porque seu esforço não seria recompensado financeiramente. É preciso fazer algo a respeito. A única saída possível é investir na Rússia. Os governos da Europa ocidental devem encarar esse problema mais seriamente. Muitos talentos vão se perder para a ciência. Além disso, se a Rússia abandonar suas expectativas na investigação científica, vai se tornar uma parte improdutiva do mundo e um vizinho muito menos amigável.

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