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Eu tomei a pílula da inteligência

Decidi fazer uma experiência arriscada – passar uma semana tomando modafinil, um remédio que supostamente aumenta a cognição. Veja no que deu.

Por Bruno Garattoni
23 jun 2017, 13h13

23 – Quarta-feira

Onze da manhã. Faz duas horas que tomei o comprimido. A droga está começando a bater. Não dá nenhum barato nem alteração de humor. Mas algo estranho acontece na minha cabeça. Ela fica silenciosa… e percebo que, pela primeira vez na vida, não estou pensando em absolutamente nada. Zero. Parece que o meu cérebro apagou. Chega a dar medo. Alguns instantes depois, tento pensar em alguma coisa – e consigo. Ufa… A diferença é que, quando começo algum raciocínio, ele preenche completamente a minha consciência – não existe sensação, inspiração, lembrança nem coisa capaz de me distrair. É um estado de superconcentração. Bem impressionante. Tão impressionante que perco o dia todo refletindo a respeito, e acabo não produzindo quase nada. Vou para casa, jogo videogame (um passatempo nada intelectual), deito à 1 da manhã. Não tenho nenhum sono, mas durmo sem a menor dificuldade. Estranho.

24 – Quinta-feira

Tive uma noite meio agitada: acordei 3 vezes. Mas levanto bemdisposto e cheio de energia pra fazer qualquer coisa – inclusive enrolar no trabalho. (Ainda não inventaram uma droga capaz de curar a vagabundagem.) Quando finalmente começo a trabalhar, sinto diferença. Meu trabalho não ficou mais fácil. Mas ficou menos cansativo – muito menos. Será que é um efeito psicológico, causado não pela droga, mas pela expectativa que tenho dela? Talvez. Mas é fato que o modafinil está agindo no meu corpo. Tanto que eu, que sempre fico sonolento depois do almoço, só dou meu primeiro bocejo à noite. Também ganhei uma espinha bem feia, daquelas que não tinha desde a adolescencência. É um efeito colateral típico.

25 – Sexta-feira

Acordo com um pouco de sono. E cadê aquele foco dos outros dias? Será que a droga está perdendo o efeito? Assim que termino de pensar isso, ela bate com tudo – e meu cérebro entra no modo superconcentrado. O problema é que ele superconcentra na primeira informação que aparece: um email dos meus amigos, que estão combinando de sair para tomar umas cervejas hoje à noite. Quero ir, mas é melhor não (não existem estudos sobre os efeitos da mistura modafinilálcool). Fico frustrado e resolvo tomar um cafezinho. Pra quê… meia hora depois, fico extremamente irritado (sem nenhum motivo). E a parte superior esquerda da minha cabeça começa a formigar! Cruzcredo.

26 – Sábado

Uma droga que aumenta a inteligência não serve só pra trabalhar, certo? Teoricamente, ela serve para qualquer coisa que envolva inteligência – inclusive as divertidas. Decido pegar para ler um livro meio cabeçudo, que há tempos estou querendo começar. A leitura flui depressa, mais do que seria normal. Mas isso não elimina o fato de que o livro é chato. Logo desisto.

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27 – Domingo

Domingo é dia de descanso. Resolvo não tomar a droga e aproveitar pra cair em prazeres mundanos. Saio, como, bebo e converso a valer, e vou dormir bem tarde.

28 – Segunda-feira

Acho que exagerei na minha folga. Acordo cansado, lesado, com a cabeça patinando… Bem segunda-feira. E bem que a tal pílula da inteligência podia me ajudar agora. E ajuda. Duas horas depois de tomar o comprimido, estou 100%. Na verdade, mais que isso. Parece que faço o trabalho de 4 dias em apenas 1. Não estou mais inteligente. Mas estou mais funcional.

29 – Terça-feira

Hoje é dia de fazer meu segundo teste de QI. Não contei para vocês, mas antes de começar esta experiência meu QI foi avaliado, numa prova com dezenas de testes, por uma neurologista. E hoje, sob o efeito do modafinil, vou refazer a avaliação. É uma sequência de tarefas mentais bem exigentes, que leva duas horas. Em alguns testes, que avaliam e forçam a atenção de maneira mecânica (encontrar certas figuras numa lista, por exemplo), sinto que estou arrebentando. Outros testes, como os de memória e raciocínio verbal, ficam mais difíceis.

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30 – Quarta-feira

Hoje é o último dia da experiência. Mas decido jogar fora o último comprimido e parar por aqui. Sim, o modafinil me deixou mais focado. E me ajudou a pensar mais. Mas o estado de superconcentração não é natural – eu senti, o tempo todo, minha mente sendo modificada à força pela droga. É bem ruim. Recebo um email da neurologista, com o resultado dos testes e duas surpresas. Primeira: sob o efeito do modafinil, meu QI abaixou 8 pontos. Segunda: tecnicamente, sou superdotado – sem tomar o remédio, meu QI é 150 (a média da população é 100). Acho que é o suficiente, né? Aê!

——–

Trecho da reportagem A Pílula da Inteligência, publicada originalmente pela SUPER em novembro de 2009

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