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Ilusão à venda

Na hora de comprar, quem escolhe o produto é um cérebro mais emocional que racional. Saiba quais ferramentas a publicidade usa para fisgar você

Por Bruno Romani
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 11 Maio 2012, 22h00

1. MEDO
Se você não comprar, seu mundo vai acabar. Usar medo e punição para vender é uma arma poderosa, que se enraíza em nossos instintos de sobrevivência e controle do ambiente. Ninguém quer passar por dificuldades por causa de uma decisão errada na hora de gastar. Tocar o terror lembra você disso. E a razão está em um mecanismo do seu cérebro – os chamados “marcadores somáticos”, descritos pela primeira vez pelo neurocientista português António Damásio. Esses marcadores são atalhos que nos ajudam a fazer escolhas com base naquilo que já vivemos ou sabemos, tornando automáticas nossas ações do dia a dia. Por exemplo, não colocamos a mão no fogo porque o cérebro aprendeu que isso provoca dor. O marcador para “fogo” é associado ao marcador “dor”, e isso nos livra de ter que raciocinar toda vez que chegamos próximo a uma fogueira. A estratégia do medo usa esse mecanismo, segundo Martin Lindstrom, autor de A Lógica do Consumo.

“Chega de lágrimas”
Há mais de 50 anos, a Johnson & Johnson usa esse bordão nas campanhas do seu xampu infantil. Já o antisséptico Merthiolate repete o slogan “não arde”, em oposição à sua antiga fórmula dolorosa.

“Pirataria é crime”
A indústria audiovisual brasileira não se atualizou na velocidade dos downloads piratas. Qual a estratégia então? Campanhas voltadas para o medo da punição e para a chantagem emocional: dar o troco para o dvd pirata em balas de fuzil ou mostrar o pai de família ouvindo do filho que copiar a lição do coleguinha não tem problema.

Vai que…”
O bordão da recente campanha da Bradesco Seguros parte para o medo do futuro. Aqui, o importante não é se diferenciar da concorrência, mas lembrar das incertezas da vida – e dizer que está ali pronta para ajudar.

 

 

 

2. RELIGIÃO
Faça suas orações, pois você está prestes a gastar. Para conquistar consumidores fiéis, algumas campanhas publicitárias atribuem a marcas elementos característicos de uma religião: pertencimento a um grupo, missão definida, histórias e fábulas envolventes, inimigo definido, líder carismático, pregação, mistério, símbolos e rituais. A ideia é simples: o que importa na hora de comprar não são as características do produto, mas a fé na marca e a esperança de ter uma experiência transcendental ao entrar para seu rebanho de consumidores. E a coisa funciona mesmo. Uma pesquisa realizada por cientistas das Universidades de Montreal, Canadá, e Warwick, Inglaterra, com 2 mil pessoas mostrou que marcas fortes desencadeiam na cabeça dos consumidores a mesma atividade cerebral que a reza engatilha em freiras carmelitas.

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Pertencimento ao grupo
“Eu sou brahmeiro” já foi slogan da Brahma, e deixa claro: quem bebe essa cerveja tem comportamento e valores próprios, que o diferenciam de outras pessoas. É algo importante para o brahmeiro, mas que pouco diz, por exemplo, sobre a bebida.

 

O messias e o templo
Possivelmente a Apple seja a marca que mais se assemelha a uma religião. Vazamentos de informação industrial alimentam uma aura de mistério em torno da próxima iCoisa. Isso só se resolve quando a empresa de Steve Jobs surge inesperadamente para a grande revelação. Em seguida, consumidores partem em peregrinação às lojas-templo da marca.

Missionarismo
A campanha “Existem razões para acreditar”, da Coca-Cola, divide o mundo entre uma maioria de pessoas boas (com as quais ela se identifica) e uma minoria má, responsável por guerras, poluição e corrupção. Aqui, o foco não é mostrar o produto, mas estar do lado do bem e inspirar otimismo. Para isso, não faltam coral infantil, cenas de aniversário e imagem do sol estourado no céu azul.

 

 

 

3. PRESSÃO DO GRUPO
Você pode não gostar de um produto, mas basta notar que as pessoas à sua volta acham o contrário para você pensar duas vezes. Somos muito influenciáveis, e mostrar que várias pessoas já aprovam algo é uma maneira de vender sem necessariamente falar do que está à venda, segundo David H. Schaefer, professor de administração e marketing no Sacramento College. Uma das explicações é que certas áreas do nosso cérebro ativadas quando nos sentimos bonitos ou temos dor também são ativadas ao observarmos alguém na mesma situação.

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“Beleza real”
A campanha da Dove que mostrava mulheres fora do padrão de beleza de celebridades era um recado da Unilever: você pode usar também, como todas essas pessoas do mundo real.

“Todo mundo adora”
Mais direto que esse bordão de uma campanha recente da montadora Volkswagen, impossível. Ao apelar para a popularidade, ela espera que você se renda também, sem partir para argumentos mais racionais.

“A marca no 1 em recomendação dos dentistas”
O slogan da Oral-B é um clássico das marcas de escovas e pastas de dente. Se os dentistas recomendam, por que nós iríamos discordar? Assim fica fácil a Maria ir com as outras. Mas quem são esses dentistas? Quantos deles recomendam? Isso não fica em primeiro plano.

 

 

 

 

4. HUMOR
A publicidade brasileira é craque em fazer anúncios com humor ou coisas absurdas. A intenção é criar uma boa lembrança de seus produtos. Você se lembra da piada, dá uma risada e a associa, ainda que inconscientemente, à marca. Não que você sairá comprando porque achou uma sacada engraçada. Mas a decisão de compra é influenciada por fatores irracionais como essa lembrança. Martin Lindstrom explica em A Lógica do Consumo que todo dia novos marcadores são acrescentados ao nosso cérebro e as empresas estão na disputa para entrar nesse arquivo de atalhos mentais. A estratégia, então, é criar uma situação memorável que será associada ao “marcador” do produto. O único cuidado é para não cair em campanhas em que a piada é memorável, mas a marca, não.

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Adocica, meu amor…
Você não precisa nem gostar de cerveja para se lembrar do personagem de blazer de ombreira e sunga de crochê em um churrasco. Claro, falar da cerveja Skol não é o foco – a marca já está associada a algo memorável.

Cachorro-peixe
A história do moço que tem um animal imaginário híbrido de cachorro e peixe é memorável pelo absurdo. Mas o carro Space Fox, que estava sendo anunciado, aparece em ação somente nos últimos 6 segundos.

Tio da Sukita
Um homem de meia-idade tenta, sem sucesso, bancar o galã com sua vizinha mais nova de prédio. O comercial virou febre no final dos anos 1990, e o personagem do “tio” continua sendo lembrado.

 

 

 

 

5. DESVIO DA ATENÇÃO
Quem anuncia quer atenção, certo? Nem sempre. Uma técnica importante para quem quer vender é desviar a atenção do produto. Isso acontece porque alguns deles têm algo de desagradável ou inconveniente. Em As Mentiras na Propaganda e na Publicidade, Guy Durandin, professor de psicologia social da Universidade Paris 5, diz que, no final dos anos 1970, as companhias aéreas descobriram, por meio de estudos psicológicos, que seus passageiros tinham sentimentos angustiantes de separação e perigo. Elas passaram, então, a focar em outros aspectos não relacionados ao voo, como o conforto da classe executiva e a ausência de escalas. Isso pode acontecer com qualquer produto. A ideia é diluir coisas que possam estimular sentimentos negativos.

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Estilo de vida
Nos anos 1980 e 1990, as campanhas do cigarro Free incluíam frases que beiravam a filosofia de boteco e imagens de um estilo de vida bacana – pintores e músicos em seus estúdios, jovens na praia… Nisso, o lado negativo do cigarro ficava em segundo plano.

Alfredo…
A imagem de um cachorrinho comunica muito mais fofura do que qualquer descrição de papel higiênico. Mas pétalas de rosa, coelhinhos, elefantinhos e o Reynaldo Gianecchini vestido de mordomo também desviam o consumidor da, digamos, finalidade do produto.

 

 

6. REFLEXO
Se você comprar, vai se sentir como as pessoas da propaganda. O mecanismo usado pelos anúncios com celebridades é o dos neurônios-espelho – aqueles que fazem refletir na gente aquilo que outros experimentam. Aqui, pouco importa o que o produto tem a oferecer em termos práticos, mas sim a capacidade do anúncio de reproduzir sentimentos. Para a publicidade, portanto, a importância de quem aparece é grande. Os garotos-propaganda têm que ser modelos não só de beleza, mas de sucesso, talento e ficha-limpa. Ídolos por definição.

 

 


O craque
Kaká é usado como garoto-propaganda da Gillette para homens se espelharem no meia do Real Madrid. Diante disso, pouco importa saber em que a marca é melhor que a concorrência.

 

O virtuose
Em anúncios de instrumentos musicais, quase todas as marcas usam a imagem e o testemunho de músicos consagrados – os chamados endorsers, como o falecido Jimi Hendrix, no caso das guitarras Fender. A ideia não é apenas que esses ídolos aprovam a marca, mas que você também poderá se sentir um virtuose da música se comprar seus instrumentos.

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A musa
Anúncios de produtos para cabelo, como este da linha Clear, mostram modelos com fios que nenhum ser humano normal é capaz de manter.

 

 

 

Saiba mais
A Lógica do Consumo
Martin Lindstrom, Nova Fronteira, 2009

Essentials of Contemporary Advertising
David Schaefer e William Arens, McGraw-Hill, 2010

 

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