Mistério do Oriente
Matemáticos passaram tempos discutindo como se poderia cortar o símbolo do Yin e do Yang pela metade.
Luiz Barco
Outro dia fui com meus netos a uma festa de aniversário. Os menores logo mergulharam numa piscina de bolinhas. Os maiorzinhos enfrentavam uma bateria de obstáculos que culminavam com um belo escorregador de onde, aparentemente exaustos, recomeçavam outra vez, outra mais e mais outra. Os adultos, já cansados só de observá-los, se perguntavam: “De onde vem tanta energia?”
Ocorre que não é só energia. É também uma maneira aguda de perceber o mundo que escapa à chamada gente grande e – o que é pior – tem escapado também aos currículos escolares. Estes, tal como a sociedade, continuam tratando as crianças como adultos pequeninos.
Bom, de volta à festa, devo lembrar que, num canto, um monte de quebra-cabeças repousava, esquecido. Só um menino, de uns 9 anos, se aproximou da pilha. Pegou um jogo constituído por um conjunto de peças que, juntas, formavam um círculo. Como este:
Qualquer criança de 5 ou 6 anos seria capaz de completar a forma. Mas o brinquedo pedia outras tarefas. Uma era a indicação de uma reta que secionasse o círculo em duas partes nas quais as áreas ocupadas pelas cores fossem iguais. O garoto não titubeou. “É aqui”, disse, apontando a linha destacada no desenho abaixo.
Com toda a sua simplicidade, ele acabara de solucionar um problema tradicional: a determinação da reta que faz a bisseção, simultaneamente, do Yin e do Yang. Se você não está familiarizado com essas palavras, calma, já vou explicar. O harmonioso círculo é um dos mais antigos símbolos religiosos do mundo. A parte negra representa o Yin e a branca, o Yang. A maioria das pessoas parece concordar que seria muito difícil expressar de modo mais claro as grandes antinomias da natureza: na Filosofia, o bem e o mal; quanto ao sexo, o feminino e o masculino; na Economia, a deflação e a inflação; no cálculo, a integração e a diferenciação.
No livro Nuevos Pasatiempos Matemáticos (Alianza Editorial, Madrid, 1972), Martin Gardner conta alguns fatos curiosos acerca desse curioso símbolo, chamado, na China, de tái-chi-tú e, no Japão, tomoye. Um desses fatos refere-se ao engenheiro da Northern Pacific Railway que, ao ver tal emblema na bandeira coreana, na Feira Mundial de Chicago, em 1893, tanto fez que convenceu seus pares de que estava ali o logotipo ideal para a empresa, uma vez que representava tão bem a antinomia água e fogo – base dos motores das máquinas a vapor, que eram os seus produtos.
Agora observe as soluções apresentadas por Gardner para o problema da bisseção – segundo ele, elas são da lavra de leitores da revista americana Scientific American e do matemático Henry Dudeney – e verifique que o menino enxergou intuitivamente que a peça A tem a mesma área que a junção das peças B e C.
Claro que ele não fez as contas. Talvez nem saiba que a área do círculo é igual a p x R2. É, as crianças têm olhos e sentimentos que certas escolas matam e muitas famílias enterram, com a cumplicidade de uma sociedade de adultos que riem. A gente só fica sem saber bem de quê, afinal, eles acham graça.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo