O efeito Dunning-Kruger: quanto menos uma pessoa sabe, mais ela acha que sabe
Todos nós tendemos a superestimar nossas habilidades – mas aqueles com menos conhecimentos são os que se consideram melhores que especialistas. Entenda a psicologia por trás do fenômeno.
Um leigo em epidemiologia que sabe a fórmula certeira para acabar com a pandemia de covid-19. Ou um youtuber que, sem nunca ter estudado astronomia na vida, prova que a Terra é plana com uma câmera e uma régua.
Você já com certeza já algum desses personagens em alguma caixa de comentários pela internet, ou quem sabe em um grupo de Whatsapp, (ou mesmo, oh não, presencialmente). Na era da internet e em plena pandemia, nunca ficou tão evidente como pessoas completamente ignorantes em algum assunto geralmente são as mais entusiasmadas adversáriass de especialistas que passaram anos estudando.
Pode parecer contraditório que justamente as pessoas com pouco conhecimento sobre um assunto se sintam mais confiantes em defender um ponto de vista específico – afinal, o natural é pensar que só que só quem é entendido de uma coisa, após ponderar sobre ela, se sentiria à vontade para manifestar uma opinião.
Mas uma vasta literatura empírica mostra que, na prática, o que ocorre é que, quanto menos uma pessoa sabe, mais ela acredita saber. A estranha observação ganhou um nome oficial em 1999: efeito Dunning-Kruger. Homenagem a dois professores de psicologia americanos, David Dunning e Justin Kruger, que investigaram o fenômeno.
A dupla conduziu um teste com voluntários que envolvia responder perguntas de lógica e gramática. Antes de revelarem os resultados, os pesquisadores pediram às pessoas para avaliarem suas próprias performances. E aí é que as coisas ficaram interessantes.
Os que ficaram melhor classificados subestimaram seus resultados, acreditando estar apenas acima da média ou mesmo na média. Já os que erraram mais perguntas eram os que mais se superestimavam. De fato, quase todos no grupo dos 25% que mais erraram classificaram a si mesmos entre os 33% melhores.
Foi por meio desse estudo, publicado na revista Journal of Personality and Social Psychology, que Dunning e Kruger consagraram a teoria de que todo ser humano se acha melhor do que realmente é (e que, quanto menos uma pessoa sabe, mais ela vai achar que sabe). Não foi uma constatação exatamente nova, mas a dupla foi pioneira em propor uma explicação para ela.
Podemos resumir essa explicação da seguinte forma: para estarmos cientes da nossa própria ignorância sobre um tema, temos que ter um mínimo de conhecimento sobre ele. Só assim é possível identificar nossas dúvidas e as lacunas em nossa compreensão.
Quando não sabemos praticamente nada sobre algo, por outro lado, fica fácil cair na ilusão de que conhecemos muito sobre aquilo porque não nos deparamos com a complexidade real do assunto; só com versões simplificadas dele.
Imagine um aluno que tem resultados medianos ou mesmo abaixo da média nas aulas de matemática, por exemplo. Ele dificilmente vai se considerar um gênio com os números. Afinal, ele teve aulas, fez provas para testar seus conhecimentos e comparou seus resultados com os de outros alunos. Tudo isso foi necessário para ele saber com certeza que não se destaca na área. Em resumo, ele sabe que nada sabe.
Agora, imagine um sujeito acostumado a resolver enigmas de lógica em revistas de palavra cruzada. Mas ele nunca teve contato com conceitos cabeludos para um leigo, como integrais, trigonometria etc. Por isso, ele simplesmente não sabe que é ignorante no assunto. A falta de conhecimento faz com que ele não perceba quando comete erros – paradoxalmente, sua ignorância esconde a própria ignorância.
O fato de pessoas com menos conhecimento tenderem a ser mais confiantes na área não é uma questão de caráter ou de ego, e sim uma tendência cognitiva natural entre humanos. Os pesquisadores afirmam que todo mundo sofre do efeito Dunning-Kruger em algum grau; afinal, ninguém consegue ser especialista em tudo.
Como dito anteriormente, há uma longa lista de experimentos que demonstram o efeito Dunning-Kruger na prática. Um estudo americano, por exemplo, verificou que 80% dos motoristas acreditam ter um talento acima da média na direção – uma conta que obviamente não fecha.
Resultados similares foram obtidos com estudantes universitários, engenheiros, jogadores de xadrez, praticantes de tiro esportivo, jogadores de golfe, investidores da bolsa e vários outros. Na verdade, os próprios autores continuam fazendo estudos do tipo (ambos estão vivos) para colher mais evidências a favor de sua teoria, sempre com os mesmos resultados.
“Uma bateria de estudos conduzidos por mim e por outros confirmaram que pessoas que não sabem muito sobre um determinado conjunto de habilidades cognitivas, técnicas ou sociais tendem a superestimar grosseiramente suas proezas e desempenho, seja quanto a gramática, inteligência emocional, raciocínio lógico, cuidado e segurança com armas de fogo, debates ou conhecimento financeiro”, escreveu Dunning em um artigo pubicado na Pacific Standard.
Esse viés, segundo os pesquisadores, surge porque a mente de uma pessoa ignorante não é como uma folha em branco, mas sim uma maçaroca das ideias e conhecimentos adquiridos ao longo da vida.
Nosso cérebro é uma máquina fantástica capaz de reconhecer padrões, fazer suposições, criar histórias e associar informações, e isso faz com que nunca estejamos 100% despreparados para lidar com problemas ou refletir sobre assuntos. Por isso, mesmo que não tenhamos estudado formalmente um assunto, não significa que não conseguimos pensar racionalmente sobre ele.
É aí que surge esse bug mental: nos sentimos capaz de versar sobre coisas mesmo não tendo conhecimento, simplesmente porque temos uma mente capaz de fazê-lo. Em um estudo, pesquisadores perguntaram para crianças por que tigres existem. Enquanto algumas responderam que não sabiam, várias disseram que eles existem para serem observados em zoológicos. Um raciocínio que, considerando o conhecimento de mundo limitado dos pequenos, faz sentido.
Como já dissemos, o efeito sai pela culatra quando os especialistas de verdade entram em cena. Um astrônomo, por exemplo, está tão acostumado a saber coisas sobre astronomia que ele não se dá conta do quanto outros estão pouco familiarizados com aquelas informações (daí a dificuldade de tantos cientistas em explicar as coisas de maneira didática).
Em outras palavras, os mais entendidos do assunto não acham nada demais entender do assunto porque, para eles, parece simples. Para piorar, conforme nos aprofundamos em algo complexo, vamos tomando uma consciência cada vez mais aguda de nossas limitações.
Outro aspecto do efeito Dunning-Kruger é que, em geral, ele não é algo irreversível. Em pesquisas onde pessoas com piores resultados receberam feedbacks e tiveram suas performances comparadas com representantes do topo do ranking, elas em geral corrigiam seus vieses e passavam a reconhecer a própria ignorância no assunto. Ou seja, é necessário obter conhecimento sobre o que é a competência de verdade para que se possa esclarecer a própria incompetência.
A ideia de que todos nós podemos nos superestimar é assustadora, e você pode estar pensando agora: “Será que na verdade eu sou burro(a) em tudo o que me acho bom?” Mas calma, Dunning e Kruger têm um conselho para todos: ouvir sempre feedbacks e reconhecer erros é essencial. Superestimar o próprio conhecimento, como mostramos, é normal para todos – a verdadeira ignorância é insistir no erro.