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O Gosto Brasil

Macarrão mais mole, suspensão mais dura, xampu com mais espuma. Gringos mudam seus produtos para agradar você, consumidor brasileiro

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h53 - Publicado em 7 abr 2014, 22h00

Tarso Araujo

Toda empresa sonha com economia de escala: quanto mais unidades iguais, menor o custo de cada uma. Mas essa estratégia tem limites: num mercado global, cada nicho tem suas manhas e manias. O brasileiro, por exemplo, é cheio delas. E as multinacionais fazem tudo para nos agradar – somos o oitavo mercado consumidor do mundo, e seguimos crescendo.

“Às vezes, a empresa percebe que seu produto precisa se adaptar para vingar”, diz Jaércio Barbosa, professor da Fundação Instituto de Administração (FIA). Em muitos casos a mudança é consequência de legislação – nossa lei determina que motores não estranhem álcool na gasolina, por exemplo. Mas os fabricantes não hesitam em fazer ajustes para que uma marca de sucesso lá fora seja bem recebida por aqui.

“Toda empresa global tem de ter um entendimento local, saber o que o consumidor gosta em cada lugar”, diz Gabriela Onofre, diretora de marketing da Procter & Gamble Brasil, uma das maiores do mundo no setor de higiene e limpeza. Sua principal concorrente concorda. “O consumidor é o nosso juiz. A gente quer saber o que ele pensa”, diz Gabriela Jacob, gerente de marketing da Unilever.

Para chegar lá, as empresas fazem todo tipo de teste. São estudos de mercado, de comportamento, de comunicação. Algumas empresas até mandam seus funcionários morar um tempo na casa de consumidores para entender como eles pensam.
E assim surgiram carros total flex, desodorantes para o dia inteiro e latte com pão de queijo. Tudo como o brasileiro gosta.

Alimentos
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O paladar nacional não costuma ser muito aberto a mudanças, como descobriram marcas gringas que tiveram de se adaptar ao nosso cardápio

Talheres, arroz e feijão, por favor

Uma marca que tropeçou no primeiro contato com o brasileiro foi a KFC (Kentucky Fried Chicken), aquela dos baldes cheios de frango frito. Nos EUA, o pessoal come só o frango, no máximo com outro balde de refrigerante. E se lambuza todo, metendo a mão nas coxas sem cerimônia. “Eles foram mal nas primeiras tentativas no Brasil. Desde 2012, estão com uma nova proposta. Agora servem o frango com talheres, arroz e feijão”, diz Jaércio Barbosa, consultor e professor da FIA.

Aqui tem café no bule

Desde que chegou ao Brasil, em 2006, a rede de cafés Starbucks vem decifrando nossos hábitos. De manhã, preferimos café filtrado (expresso, só depois do almoço) e salgados em vez de doces – o icônico muffin de blueberry cedeu espaço aos de tomate seco e de parmesão. “São receitas que só existem aqui”, diz Renato Grego, gerente de marketing da rede. E só no Brasil o Starbucks tem pão de queijo – item mais vendido da linha de salgados.

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Macarrão mais molinho

Para fisgar brasileiros, pela primeira vez em 150 anos a italiana Barilla fez uma massa diferente da que exporta para o mundo inteiro. Em vez do grano duro, entrou o grano tenro daqui, mais macio, e ovos na receita. “Fizemos testes cegos, de degustação, de conceito, até termos um produto feito para o gosto do brasileiro”, diz Maurizio Scarpa, diretor da Barilla para Brasil e América Latina. Além disso, o macarrão vem no celofane em vez de na caixa e os nomes são gravatinha e parafuso – nada de farfale e fusilli. Capisce?

Pizza mais fina e os sabores de sempre

Em 1989, a Pizza Hut chegou com as mesmas receitas dos EUA. “Foi um fracasso retumbante”, diz Jaércio Barbosa. Pegaram mal a massa parecida com a de pão e sabores como carne moída com pimentão. O preço maior que o da vasta concorrência também não ajudava. Em 2011, a marca fez novos investimentos e entendeu que precisava abraçar a cultura local. Aí veio uma massa mais fina, sabores com catupiry e até um chamado de “brasileirinha”. Mais direto, impossível.

Cuidados pessoais

Marcas gringas buscam soluções para nosso hábito de danificar cabelo, fazer espuma e ter lixo no banheiro

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MANUTENÇÃO CAPILAR

“Como a brasileira danifica muito o cabelo, tem uma rotina de tratamento muito mais complexa que em outros países”, diz o francês Blaise Didillon, diretor de inovação da L¿Oreal. Como 60% alisam o cabelo e 70% usam tintura, a manutenção de fios é paixão nacional. Aqui, a L`Oreal investe em linhas com mais queratina e agentes hidratantes, a Unilever põe agentes condicionantes no xampu TréSemme e a Procter & Gamble tira esses agentes do Pantene para não matar o condicionador. Outra resposta é criar produtos: se lá fora elas ficam no xampu e condicionador, aqui usam creme para pentear, de tratamento, reparador de pontas. Os números provam: o Brasil é o quarto maior mercado global de xampu, mas o primeiro de condicionadores, tintura e de creme para alisar.

DEDORANTE DE ALTA PERFORMANCE

Andar mal cheiroso é imperdoável na nossa cultura. “A relação com o odor é importante em qualquer país, mas no Brasil é muito mais crítico. Foi muito interessante perceber isso”, diz Didillon, da L¿Oreal. Por isso, os desodorantes são feitos para ter um efeito maior e mais duradouro. E, como o sovaco brasileiro vive à mostra, veio outra adaptação cada vez mais frequente: desodorantes com agentes clareadores.

BANHEIRA DE ESPUMA

Na hora de relançar a versão líquida do sabão Lux, o fabricante tinha duas queixas: ele era difícil de enxaguar e não fazia espuma direito. A fórmula, então, foi modificada para resolver as duas coisas que as consumidoras achavam ruim. O curioso é que, tecnicamente, um produto que faz mais espuma não necessariamente limpa melhor. “Mas a espuma é uma referência para a brasileira. Ela dá a sensação de que o sabão está limpando como deveria”, diz a gerente de marketing Gabriela Jacob. “Então fizemos um produto que fizesse espuma na quantidade, na velocidade e no tamanho certo para ela”.

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CONTRA A TOSQUICE, LÂMINAS

Revistas masculinas sempre lembram: ao se barbear, aplique água morna, creme, loção. Frescura, dizem os brasileiros. “Aqui se usa muito sabonete, que seca e irrita a pele”, diz Gabriela Onofre, diretora de marketing da P&G. A solução veio no próprio barbeador: um Gillette Mach3 com lâminas mais próximas (para diminuir o número de passagens), fita com hidratante e um indicador de que ela está velha. Deu certo: a participação no mercado cresceu 50% em dois anos – apesar de o Mach3 ser dos barbeadores mais caros.

SIM, TEMOS LIXO NO BANHEIRO
É campeão: 99% dos lares brasileiros têm cesto para papel higiênico usado. E dá-lhe fósforo, odorizador… De olho nisso, a Kimberly&Clark lançou um papel que controla o fedor das fezes. Foi sucesso aqui e agora vai para a Colômbia, vice no uso de lixo de banheiro. Lá, além do controle de odor, o papel tem fragrância. Aqui não: dizem os testes que brasileiro quer banheiro sem cheiro ruim, mas não quer saber de papel perfumado.

Carro

Somos o quarto mercado de automóveis do mundo. E as montadoras estão interessadas em mexer em todo tipo de detalhe para deixar seus modelos prontos para nossos motoristas – e nossas estradas esburacadas.

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CARRO É PARA CORRER

Comparado com europeus e asiáticos, somos pés de chumbo. Por isso, as montadoras costumam deixar a relação entre as marchas mais curta, para que o carro acelere mais. “Os chineses ainda estão se acostumando a dirigir, andam bem devagar”, diz Eduardo Pincigher, diretor da chinesa Jac Motors, que fez essa mudança no modelo J3.

ESTOFADO ESCURO

“Interior de carro chinês é bege, sem exceção”, diz Eduardo Pincigher, da Jac Motors. “Aqui, há a cultura de que carro claro fica encardido. Então, mudamos nossos estofados para cores escuras.”

ÁLCOOL OBRIGATÓRIO

Carros flex não são mais uma vantagem competitiva entre os carros brasileiros. “O consumidor já exige isso. Carro popular que não é flex é um problema”, diz Tiago Castro, gerente de marketing da Nissan Brasil. Como isso só acontece no Brasil, nos últimos anos todas as montadoras adaptaram o motor de seus carros para oferecer essa tecnologia.

LATARIA SÓBRIA

Nem precisa de teste para saber que brasileiro gosta de carro branco, preto ou prata. “No Japão gostam muito mais de cores chamativas”, diz Tiago Castro, da Nissan Brasil. “Até temos carros coloridos aqui, mas não tem demanda”. A explicação está na liquidez do carro usado: se ele tem uma cor muito chamativa, é mais difícil vendê-lo.

AR-CONDICIONADO FORTE

Calor, né? “Aqui, rodar a 40 graus não é incomum”, diz Marcio Alfonso, diretor de engenharia da Ford. “A gente só encontra temperatura similar no Oriente Médio. E ainda temos umidade alta.” Na hora de um novo projeto, os engenheiros usam nosso clima como referência. Se a refrigeração funcionar aqui, serve para qualquer lugar.

BE LADEIRA

Quando a Nissan conversou com os brasileiros para lançar a nova geração do Sentra, descobriu que precisaria fazer um modelo 2.0, único no mundo. “Na Europa, ele não vai ser usado com cinco pessoas mais bagagem numa ladeira. Aqui, fazem isso todo fim de semana para subir e descer a serra”, diz Castro. “Brasileiro valoriza carro com mais potência.”

CONFORTO NA BURAQUEIRA
Para andar no Brasil, o carro precisa de suspensão vitaminada. Todas as montadoras mudam peças e regulagens para que aguentem nossas péssimas estradas. “O carro aqui sofre muito mais do que um que roda numa rodovia alemã”, diz Marcio Alfonso, da Ford. “A gente acaba desenvolvendo uma suspensão própria para o Brasil. Ela precisa ficar mais robusta para garantir conforto.”

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