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O campeonato mundial de cubo mágico

Para a maioria das pessoas, ele é só um brinquedinho complicado. Mas também é um esporte, com sua própria Copa do Mundo – e nós estivemos lá.

Por Ingrid Luisa (edição Bruno Garattoni)
Atualizado em 8 dez 2021, 07h46 - Publicado em 22 nov 2018, 17h26

Matéria originalmente publicada em novembro de 2018

Feliks Zemdegs está tenso. O australiano de 22 anos, recordista mundial de cubo mágico (que ele resolve em inacreditáveis 4,22 segundos), sobe ao palco olhando para baixo. Seu oponente, o canadense Bill Wang, não parece mais tranquilo – mesmo tendo acabado de vencer a disputa na categoria one-handed, em que só é permitido usar uma das mãos. Feliks e Bill vão se enfrentar na grande final do campeonato mundial de cubo mágico, que reúne competidores de 17 países, inclusive o Brasil. Este ano ele acontece em Boston, nos EUA, promovido pela Red Bull [a SUPER viajou ao evento a convite da empresa]. Mas sua origem é completamente diferente: o primeiro campeonato de montagem de cubos foi realizado em Budapeste, capital da Hungria ainda comunista, em 1982.

O vencedor foi o vietnamita Minh Thai, que resolveu um cubo em 22,9 s (hoje, os melhores atletas conseguiriam montar cinco nesse mesmo tempo). Para conhecer esse universo, resolvi não só assistir a um campeonato, mas também participar de um. Descobri as técnicas e os truques que os profissionais usam para zerar os cubos em segundos – e constatei que sou capaz de resolvê-los bem mais rápido do que imaginava. A final do mundial está prestes a começar – e vou assisti-la ao lado de ninguém menos que o inventor do cubo mágico.

“Eu não costumo medir o meu tempo. Não dou importância à velocidade, o importante é resolver o problema”, diz o professor de arquitetura Erno Rubik, um senhor baixinho e simpático. Foi ele que, em 1974, inventou o cubo mágico. Rubik queria ensinar seus alunos, na Universidade de Budapeste, noções de tridimensionalidade. Não imaginava que sua criação se tornaria um fenômeno global, com mais de 350 milhões de unidades vendidas – hoje a empresa de Rubik, que licencia os direitos do brinquedo e também produz uma versão “oficial”, fatura US$ 250 milhões por ano.   

Com a fama do cubo clássico, conhecido como 3×3 (por ter três “camadas”, ou seja, três fileiras de bloquinhos), outros modelos maiores foram surgindo: 4×4, 5×5, 6×6, etc. (o recorde é 33×33). Hoje, existem versões até com outras formas geométricas: o pyraminx tem formato piramidal, e o megaminx tem 12 lados. “É natural que surjam versões maiores. Quando eu inventei o cubo, criei um princípio, e essas extensões são baseadas nesse mesmo princípio”, diz Rubik.

O curioso é que o inventor do cubo mágico não criou um método para resolvê-lo. O cubo possui exatamente 43.252.003.274.856.000 combinações possíveis, e o próprio Rubik demorou mais de um mês para solucioná-lo pela primeira vez. Montar um cubo mágico “na raça” é coisa para gênio. Mas, em 1980, quando o cubo foi lançado em diversos países, surgiu a primeira técnica para resolvê-lo: o “método de camadas”. Ele consiste em formar uma cruz de peças da mesma cor e decorar sete passos padrão para resolver o cubo, camada por camada. Ou seja: um andar de cada vez. A maneira mais simples de entendê-lo é olhar algum tutorial no YouTube. Foi o que meu pai fez, em 2013, quando resolveu aprender a montar um cubo mágico. Um apaixonado por coisas novas, ele decidiu (aos 40 anos) que dominaria o brinquedo. Conseguiu. Mas isso não bastava: quis ensinar à família toda os segredos de Rubik – e, claro, sobrou para mim. Acabei apaixonada pelo brinquedo. Hoje, consigo resolver um cubo mágico em 1 minuto e meio.

É o suficiente para impressionar meus amigos, mas não é desempenho de atleta. Acontece que os speedcubers (como são chamados os cubistas profissionais) usam outra técnica: o “método Fridrich”. Criado pela professora tcheca Jessica Fridrich, ele permite resolver o cubo fazendo menos movimentos, e portanto mais depressa. Mas é complexo, exige que você decore muitas sequências de passos. Confesso que nunca me atrevi a tentar esse método. Mesmo assim, resolvi participar da seletiva, em São Paulo, que definiu os brasileiros enviados à final mundial em Boston.

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(Raoni Maddalena/Superinteressante)

Mãos ao cubo

Somos eu e mais 61 pessoas na categoria Speed Cubing Misto. Os 31 mais rápidos vão para a fase seguinte, mata-mata. Meu cubo (os participantes competem com seus próprios cubos) é um Rubik original, de uns R$ 70, que ganhei do meu pai. Entrego o cubo para a organização esperançosa que a boa qualidade dele me ajude nos resultados.

“Você não vai competir com esse cubo, né?”, diz o brasiliense Matheus Barbosa, de 23 anos, que está logo atrás de mim na fila. É ninguém menos do que o campeão brasileiro de cubo mágico de 2017 (sua melhor marca é 6,73 segundos). “Por que não?”. Ele riu. “Por que é muito ruim! Esse cubo é para você aprender a montar, Ingrid. Ele é extremamente lento, e vai fazer você ter um tempo bem pior.” Ali, acabei descobrindo algo inusitado: os cubos da Rubik, mesmo sendo a marca do criador do cubo mágico, são ruins para competições. Os profissionais usam cubos de marcas como a GAN, que permitem regular melhor a tensão entre as peças, fazendo com que seus movimentos fiquem mais duros ou mais moles.

Acabo pegando um cubo emprestado da competição mesmo. E, apesar de nervosa, faço 1min12s no meu melhor tempo. Uma vitória! Fico em 31º, dentre os 31 competidores selecionados para a próxima fase. Mas, usando a lógica de não colocar os melhores competindo entre si antes da final, a organização seleciona o 31º colocado (eu) para competir contra o 2º – ninguém menos do que o pernambucano Iuri Grangeiro, 20 anos, atual campeão sulamericano de cubo com uma mão só. Eu perco, claro. Na verdade, sou massacrada: nas três primeiras rodadas (é melhor de 5, mas nem chegamos a isso) ele termina o cubo antes que eu complete uma mísera camada.

“O Brasil está entre os cinco maiores países em quantidade de torneios e praticantes de cubo mágico”, diz Fabio Seiji, diretor da Associação Brasileira de Cubo Mágico (ABCM). O Brasil realiza uma disputa nacional por ano e, em 2015, sediou o campeonato mundial – o vencedor da categoria principal foi Feliks Zemdegs. Além da disputa tradicional e da categoria Fastest Hand, em que o competidor resolve o cubo com apenas uma mão, há também a Re-scramble – que é o oposto das outras. Ela consiste em pegar um cubo resolvido e embaralhá-lo, reproduzindo um padrão definido.

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Mesmo eliminada por Iuri, ainda tenho uma última chance na competição: a categoria feminina. Acho estranha a divisão por gênero, mas acabo entendendo o motivo: é uma tentativa dos organizadores de estimular a participação de mulheres. Mesmo assim, pouquíssimas compareceram. Júlia Melo Funes, 17 anos, foi uma delas. Era seu segundo campeonato. Ela aprendeu a montar o cubo com o irmão mais novo. Ficamos praticando juntas, até que alguém da organização aparece e diz que eu já estava na semifinal. Hein? “Só há três meninas disputando a categoria feminina. A Júlia, que foi a mais rápida, já está na final. Agora, você vai disputar a semifinal com a Beatriz.”

Não tenho muitas esperanças: Beatriz Santos, minha oponente, tinha feito um tempo de 42 segundos – 30 segundos a menos que o meu! Mas, por desencargo de consciência, fico treinando antes da disputa. E acabo empacando num caso básico de “F2L” (first two layers). Em português: as duas primeiras camadas estavam completas, mas uma única pecinha ficava com as cores invertidas. Resolvo recorrer aos universitários: peço a Matheus que me ensine a resolver aquele caso. E treino a solução por umas duas horas, enquanto espero para competir.

Na hora H, estou nervosíssima. E perco as duas primeiras rodadas. Mas, na terceira, uma surpresa: percebo que a cruz azul (cor que eu havia treinado o dia todo) estava quase pronta. Resolvo começar por ela e, acredite: aparece exatamente aquele caso de F2L que eu havia praticado. É a coincidência da coincidência. Resultado: meu cubo ficou pronto antes do da Beatriz – ganhei a terceira rodada! No fim, perdi a disputa e fiquei em terceiro lugar (numa categoria com três pessoas). Mas ganhar uma rodada foi como uma medalha de ouro para mim.

Naquele dia, quatro brasileiros se classificaram para disputar a final mundial nos EUA: Iuri Granjeiro, pernambucano de 20 anos, na categoria Fastest Hand; Pedro Roque, mineiro de 23, na clássica Speed Cubing; Diego Meneghetti, gaúcho de 30, no Re-scramble; e Júlia Funes, paulista de 17, na categoria feminina. Meses depois, na final em Boston, Iuri acabou em nono lugar – teve o azar de pegar o recordista alemão Philipp Weyner, e não passou dele. Roque ficou em sétimo – perdeu para o francês Alexander Carlier, detentor de uma marca de 5,19s. Júlia bateu seu recorde pessoal, conseguiu resolver o cubo em 18,8 s, e acabou ficando em oitavo. Meneghetti também baixou seu tempo (de 32s para 24s), e acabou em sexto. Nenhum deles ganhou medalha, mas todos ficaram satisfeitos de disputar a final mundial e assistir a duelos entre os melhores do mundo – incluindo o maior de todos: Feliks Zemdegs.

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(Raoni Maddalena/Superinteressante)
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O Pelé dos cubos

O torneio realizou seletivas, como a do Brasil, em 17 países, para selecionar os campeões que participaram da final. Mas essa regra não valeu para Feliks Zemdegs. Ele não disputou nenhuma seletiva e foi direto à final, como convidado. Isso pode até parecer injusto com os outros competidores, mas nenhum deles pode negar um fato: Feliks é o melhor speedcuber que já existiu. É o Pelé do cubo mágico. O australiano aprendeu a montar o cubo aos 12 anos, como qulquer um, vendo vídeos no YouTube. Mas logo se destacou, começou a participar de campeonatos – e, desde 2011, é o destaque incontestável no esporte. Ganha tudo; e destrói recordes.

Para você ter ideia do nível dele, considere que, nos campeonatos, cada participante tem direito a cinco tentativas de resolução. O melhor e o pior tempo são eliminados, e calcula-se uma média dos outros três. Feliks foi o primeiro cubista do mundo a alcançar média de tempo sub-10 (menor que 10 segundos), depois sub-9, sub-8, sub-7 e agora sub-6. O recorde de 4,22 s, registrado em maio de 2018, foi histórico. Hoje, o australiano (que, paralelamente à carreira de speedcuber, se formou em administração na Universidade de Melbourne) é patrocinado pela marca de cubos GAN e viaja o mundo participando de campeonatos.

Ao subir no palco para enfrentar Bill Wang, na grande final, Feliks é claramente o favorito. Ganha o campeonato quem resolver o cubo primeiro três vezes. Feliks vence a primeira rodada, mas surpreendentemente perde a segunda. A plateia fica incrédula e apreensiva. Quando os dois começam a terceira rodada, é perceptível a concentração deles, cada um em seu próprio universo. Assim que o cronômetro marca 5 segundos, Bill levanta a cabeça. Ele ainda não terminou. Mas já não olha para o cubo, e sim para Feliks. Termina em 6,7 segundos – batendo o australiano, que levou 7,2s. Uau. Alguém estava dobrando a lenda Feliks Zemdegs – e sem olhar para o cubo.

Mas, aí, tudo muda. O locutor anuncia que o juiz vai conferir os cubos. E o cubo de Bill acaba desclassificado: sua última camada não estava totalmente resolvida. Ele havia jogado o cubo na mesa tão rápido que se esquecera de montar completamente o final. Feliks 2×1. Depois disso, o australiano relaxa e já exibe um sorriso de campeão. O sorriso que ele manteve no rosto o dia inteiro. Feliks vence a rodada seguinte: 3×1, acabou. E, mais uma vez, o campeonato mundial de cubo mágico é vencido por Feliks Zemdegs. Levou como prêmio US$ 4.000 e mais um anel de diamante no valor de US$ 25 mil. “Eu sabia que ia ser apertado. Quando o Bill tomou a punição, senti um alívio, porque se, ele abrisse dois solves (rodadas) de vantagem, ficaria muito difícil”, declarou o campeão.

Voltando para o Brasil, levo o cubo que ganhei na competição para o aeroporto, e fico brincando com ele. Umas cinco pessoas me param para falar sobre o cubo. Como de costume. Na verdade, o cubo mágico é um brinquedo universal, que interessa a todo mundo. Sua simplicidade e suas seis cores possuem até uma aura meio cult – meio pintura de Mondrian. Depois dessa experiência, algo despertou em mim. Meu primeiro campeonato de cubo mágico não será o último.

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(Red Bull/Divulgação)

Erno Rubik, 74
É o criador do cubo mágico, que inventou quando lecionava arquitetura em Budapeste (ele queria ensinar seus alunos a ter noção de espaço).

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(Red Bull/Divulgação)

Feliks Zemdegs, 22
Aprendeu a montar cubos aos 12 anos, vendo vídeos do YouTube. Domina o esporte desde 2011  – e é conhecido por destruir recordes.

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(Raoni Maddalena/Superinteressante)
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Ingrid Luisa, 21
Eu mesma. Repórter da SUPER e praticante amadora de cubo mágico desde 2013, quando meu pai me ensinou a resolvê-lo.

 

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