Ovo: como escolher? Como guardar? Como testar?
Do ovo frito perfeito ao ovo nevado da vovó: como dominar o preparo desse ingrediente tão simples, tão completo, tão cheio de vontades
A preocupação com o manuseio dos ovos já está lá no Cozinheiro Nacional, compilado de receitas do século 19, incluindo 61 em que eles são o ingrediente principal (por vezes, ovos de cágado ou de tartaruga). “Quebram-se com jeito” os ovos que serão escaldados, diz o texto atribuído a Paulo Salles, “para que não furem”. Ou, sobre os ovos cozidos com casca: “Parece muito fácil cozer-se ovos, entretanto vê-se que os cozinheiros às vezes os cozinham demais ou de menos, por não saberem de uma regra certa” — a regra, segundo ele, seria colocar os ovos em um recipiente, cobertos de água fria, e, quando ela ferver, contar de 1 a 200, para que ainda estejam moles.
Um cronômetro facilita o cozimento dos ovos. Principalmente quando eles estão dentro da casca, longe da vista que poderia averiguar o ponto. E, não tem jeito, há o tempo certo para fazê-los atingir o ponto esperado.
No livro Egg: A Culinary Exploration of the World’s Most Versatile Ingredient (em uma tradução livre, “Ovo: Uma Exploração Culinária do Ingrediente mais Versátil do Mundo”), o americano Michael Ruhlman, autor de diversos livros sobre comida, defende a teoria de que dominar as técnicas de preparo dos ovos multiplica a competência de um cozinheiro. Segundo ele, um teste de emprego comum em cozinhas profissionais é pedir ao candidato para fazer uma omelete, “algo que requer habilidade, conhecimento, experiência e finesse”.
Mas não vamos procurar pelo em ovo. Não é preciso ficar pisando em ovos na cozinha. Afinal, não se faz uma omelete sem quebrar alguns ovos. E é no frigir dos ovos que a manteiga chia. Não saber fritar um ovo não é demérito, mas é uma lacuna facilmente corrigível com algum treino. Uma refeição de ovo não precisa ser pão com ovo. Porque, se é delicado, o ovo é também flexível. Um mundo. Suas possibilidades de preparo são até mais numerosas do que as expressões e os provérbios em que ele aparece.
Vai bem como ingrediente principal ou coadjuvante, sozinho ou acompanhado, guarnição ou refeição completa, como um prosaico ovo frito ou como base para caviar. Vira maionese, suflê, omelete, quiche, molho carbonara, suspiros, fios de ovos, creme inglês.
Além de tudo, é portátil. Tem embalagem própria. Frágil, mas que permite estocá-lo em temperatura ambiente. Antes da refrigeração artificial, essa era uma senhora vantagem em relação a outras proteínas de origem animal — não à toa, era ingrediente-chave na culinária dos portugueses que se instalaram no Brasil no período colonial, trazendo consigo galinhas e receitas doces e salgadas.
Para Ruhlman, o ovo é um milagre do design natural, a melhor de todas as comidas: “Contendo todos os ingredientes necessários para criar a vida, os ovos dão ao nosso corpo uma poderosa combinação de proteínas, aminoácidos, ácidos graxos, antioxidantes, minerais e vitaminas, um pacote inigualável por nenhum outro alimento sozinho”.
Também entusiasta dos ovos, e autor de um livro sobre eles, o chef francês radicado na Inglaterra Michel Roux acredita que são subvalorizados. “Pela genialidade em todas as formas de preparo, merecem grande respeito.” Ele conta que aprendeu seu valor na adolescência, trabalhando como aprendiz de confeiteiro, mas que já o fascinavam na infância:
“Não tinha ainda 3 anos de idade e me lembro de correr para fora da casa toda vez que ouvia Julia, a galinha da família, cacarejar anunciando que botara mais um ovo. Então apanhava o ovo ainda quente e o levava lépido para a cozinha. Minha mãe guardava os ovos em uma grande tigela, que estava sempre cheia nos meses de verão; no inverno, Julia botava apenas um ou dois por semana — mas gostávamos dela mesmo assim.”
Recentemente, em férias em uma fazenda no Uruguai, vi no meu filho esse entusiasmo diante de um galinheiro. Buscar os ovos era um dos pontos altos da rotina, junto com a ordenha da vaca, a hora de recolher ovelhas e as visitas ao chiqueiro (este, a atração principal para ele, em qualquer momento do dia).
Uma bandeja de ovos comprada no mercado não tem como provocar o mesmo entusiasmo infantil. E certamente não é produzida com a mesma calma idílica da estância familiar que visitamos — o Brasil é o sétimo maior produtor de ovos do mundo (dados de 2016), com 39 bilhões de unidades ao ano, grande parte delas proveniente de granjas que reúnem milhares de galinhas engaioladas. E qualquer prato feito de ovo começa com a compra do ingrediente.
COMO ESCOLHER
Verifique a data de fabricação e procure os mais recentes que houver. Se perceber rachaduras, não os compre, porque bactérias podem entrar pelas fissuras.
A cor da casca não faz diferença, ela varia de acordo com a raça da galinha. Já a cor da gema depende do que ela come — mas um amarelo forte ou um alaranjado não significam necessariamente que a ave encheu o papo de milho, mamão ou abóbora, porque os criadores podem adicionar pigmentos à ração para colorir a gema de acordo com o que acreditam ser o gosto do freguês.
Como critério de escolha, há ainda o modo de criação. Nos mercados, você vai achar, além dos ovos de granja, rótulos que indicam ovos caipiras (de sistema de criação de ave extensivo ou semiextensivo), orgânicos, de galinhas livres de gaiolas, de galinhas que dão saidinhas… Segundo Helenice Mazzuco, pesquisadora da Embrapa Aves e Suínos, o único jeito de distingui-los é mesmo pelo rótulo: “Não existe diferença visual entre o ovo do sítio da avó e um comprado no supermercado”.
COMO GUARDAR
Na geladeira, eles duram mais.
De preferência, mantenha-os na caixa, em uma prateleira, e não na porta, onde ficam expostos a variações de temperatura e choques provocados pelo abre-e-fecha constante.
Evite deixá-los perto de alimentos com cheiro forte, porque a casca porosa permite trocas gasosas (e a entrada de odor).
COMO TESTAR
Se o ovo estiver com a casca rachada, descarte-o de cara.
Coloque os ovos de casca íntegra em uma tigela com água. Se flutuarem, não estão frescos — com o passar do tempo, a umidade e o gás carbônico do interior do ovo vão saindo e abrindo espaço para a entrada de ar, que se acumula em uma câmara interna.
Nunca abra um ovo direto na panela ou na tigela com outros ingredientes. Quebre-o primeiro em uma tigela pequena, cheire para sentir se tem algum odor desagradável e só depois o junte ao preparo.