Desconto de até 39% OFF na assinatura digital
Continua após publicidade

Pinturas na caverna de Chauvet: Arte primitiva mesmo

Magníficas pinturas de 20.000 anos de idade, encontradas na caverna de Chauvet, no sul da França, estão deixando os arqueólogos e antropólogos em estado de graça. É a maior descoberta de pintura rupestre dos últimos 50 anos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 31 mar 1995, 22h00

Flávio Dieguez

Não se via tanto entusiasmo desde 1942, quando foram achadas as pinturas da caverna de Lascaux, a “Capela Sistina da pré-história”. É que ela ganhou uma grande rival, a caverna de Chauvet, em Vallon-Pont-d’Arc, no sul da França. Que foi encontrada em dezembro. O caçador de cavernas Jean Chauvet resolveu explorar uma brecha na rocha e acabou numa rede de galerias.

“Nunca vi nada igual”, diz o francês Jean Clottes, responsável científico pelo estudo do tesouro. São mais de 300 imagens que apresentam muitas novidades. Cai, entre outras coisas, o predomínio que os animais de caça, como bisões, tinham em todas as cavernas conhecidas. Em Chauvet, há feras para todo lado: ursos, panteras, hienas e dezenas de rinocerontes peludos. Hienas nunca apareciam, e rinocerontes, só em três desenhos já descobertos. Novas pistas atiçam o apetite investigativo dos cientistas.

“Vamos aprender muita coisa”, disse por telefone a SUPER a antropóloga Margaret Conkey, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos . É o que pensa a maioria dos pesquisadores, garante também Allison Brooks, antropólogo da Universidade George Washington. A esse consenso, junta-se outro: a de que os pintores do passado não devem nada aos atuais. SUPER checou com o artista plástico Luiz Paulo Baravelli. “Eles deixaram uma obra da maior qualidade”, confirmou.

As pinturas não são a única fonte de dados sobre o passado. Pegadas humanas, tocos que lembram pincéis, instrumentos de pedra e restos de tochas cobrem o chão das galerias decoradas. “São informações preciosas”, afirma a antropóloga Margaret Conkey, interessada em desvendar a organização social dos pintores. Mas terá de esperar: durante um ano, a porta de aço instalada na caverna ficará fechada. Só a equipe de Jean Clottes terá acesso, encarregada de preparar a conservação das imagens, que já são hoje as mais bem preservadas entre todas as cavernas conhecidas. “Continuam como foram criadas”, escreveu, por fax para SUPER, o francês Jean Clottes. Ele esclareceu que a idade das pinturas, de 20000 anos, vai ser reexaminada. Ela foi estimada de acordo com o estilo. “A prioridade, agora, é conservar a caverna”, reafirmou Clottes. “O seu estudo, certamente, vai demorar muitos anos.”

Claro: é impossível saber, com exatidão, quem foram os pintores da caverna de Chauvet. Mas a idade estimada dos desenhos, 20000 anos, é um bom indício para se ter uma boa idéia sobre eles. O homem europeu nessa época construía casas cônicas, cobertas com peles de animais, fazia instrumentos de pedra refinados e também trabalhava em osso, marfim e madeira.

Continua após a publicidade

Os donos dessa tecnologia são chamados solutrenses. Solutrense é o nome da penúltima grande fase da pedra lascada (cultura lítica) desenvolvida pelo Homo sapiens na Europa. A mais antiga cultura lítica do sapiens no continente europeu é o aurignacense. Ela se prolonga de 35000 a 25000 anos no passado. Em seguida, vêm a gravettiana (de 30000 a 20000 anos), a solutrense (de 25000 a 18000 anos) e a magdalenense (de 18000 a 10 000 anos).

Allison Brooks fez para a SUPER um balanço da trajetória inicial desses povos: “Datações recentes indicam que os aurignacenses se estabeleceram primeiro nas regiões centrais da Europa. Daí foram para o norte da Itália, perto da Espanha, e só então chegaram à França e à Alemanha”. Na França e na Espanha, os aurignacenses são substituídos pelos gravettianos e estes, por sua vez, cedem lugar para os solutrenses.

A arte custou um tempo enorme para ser inventada. Demorou algo em torno de 60000 anos. A conta é feita da seguinte forma: do ponto de vista anatômico, o homem moderno tem pelo menos 100000 anos. O problema é que, durante a maior parte desse tempo, ele permaneceu na África ou no Oriente Médio. E, nesses lugares, aparentemente, não houve uma explosão artística, nos moldes da que aconteceu na Europa, há 40000 anos.

Por que tanta demora? A arqueóloga Olga Soffer, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, responde à pergunta desconversando: não existe ainda uma explicação. Como muitos outros cientistas, Olga acredita que a arte foi uma conseqüência natural da evolução das sociedades primitivas. Elas se tornaram maiores, reunindo populações cada vez mais numerosas. Sua tecnologia ficou mais sofisticada e as trocas comerciais eram feitas com freqüência crescente. Tudo isso serviu para abrir a cabeça dos homens, raciocina Olga. Sociedades maiores, mais complexas, dependem muito da comunicação. E arte é comunicação do mais alto grau. “Estou convencida de que as pinturas têm a ver com os contatos entre os grupos que precisavam se comunicar e, a partir de certa época, esses encontros se tornam muito comuns.”

As pinturas das caverna foram uma revolução cultural que aconteceu na Europa, há cerca de 40 000 anos. Mas as suas raízes estão enterradas na África, e começaram a crescer há mais de 100 000 anos. Foi nessa época, provavelmente na região da Etiópia, que o Homo sapiens surgiu. Até onde se sabe, ele não estava ainda ligado à arte. A sua cultura consistia numa grande habilidade para lascar a pedra e fazer machados, lâminas para raspar (couro ou madeira) e pontas agudas, usadas como armas. De fato, a palavra “cultura”, na pré-história, refere-se às diversas técnicas de se lascar a pedra.

Continua após a publicidade

A técnica usada pelo sapiens africano define uma cultura conhecida como levalloisense. Era muito superior à cultura anterior, o acheulense, criada pelo Homo erectus.O erectus se espalhou também pela Europa e desapareceu há cerca de 500000 anos. Se, na África, sua cultura foi substituída pelo levalloisense, na Europa deu lugar ao mousteriano, uma cultura associada ao homem de neandertal. Aí, na Europa, ocorreram as quatro etapas seguintes da evolução do homem, com o surgimento do Homo sapiens a: com a invenção de novas técnicas de lascar a pedra. Batendo pedra contra pedra, a humanidade aprendia a esculpir. Um pouco mais adiante, aprenderia a pintar.

 

 

 

 

Para saber mais:

Os primeiros brasileiros

Continua após a publicidade

(SUPER número 3, ano 2)

O dia em que o homem nasceu

(SUPER número 2, ano 4)

Prazo de validade, 7 000 anos (SUPER número 1, ano 11)

 

 

 

 

Pré-história com estilo

Continua após a publicidade

A forma de desenhar ajuda a dar a idade das pinturas de 5 000 a 10 000 anos.

Rica em detalhes, essa fase é bem posterior à de Chauvet  de 10 000 a 15 000 anos.

Não é tão detalhada como na fase mais recente de 15000 a 20 000 anos.

Traços mais soltos. Estilo usado em Chauvet, segundo Clottes de 20 000 a 25 000 anos.

Continua após a publicidade

Desenho intermediário, com aparência de mal-acabado de 25 000 a 30 000 anos.

Mais infantil, típico das etapas iniciais do homem na Europa mais de 30 000 anos.

 

 

Antes disso, não há desenhos figurativos, só geométricos

As tintas correram sobre o gelo e a neve da era glacial

Os pintores de Chauvet habitaram a França e a Espanha, então cobertas de gelo, entre 18 000 e 25 000 anos atrás. Pertenciam à cultura solutrense, a penúltima das quatro fases da idade da pedra. Veja o que eles sabiam fazer.

 

Casa de nômades

As cavernas eram para pintar, em grandes reuniões. Para dormir, os pintores usavam tendas, provavelmente de pele de rena. Eram nômades: andavam de um lugar para outro, caçando e colhendo plantas.

 

Tudo em família

Os bandos teriam entre 20 e 25 indivíduos. Para a antropóloga americana Margaret Conkey, quando vários bandos se reuniam, pintavam cavernas. Ninguém sabe por quê. “Os povos mais primitivos de hoje ainda são assim”.

 

Alcançar a presa de longe

Há 20 000 anos, os homens fabricavam pequenas peças de pedra que parecem perfeitas pontas de flecha. Como eram muito numerosas, indicam que o arco já existia. Há arcos desenhados em cavernas, e vestígios deles conservados no subsolo.

 

Corte e costura

Juntar pedaços de couro ou pele é mais fácil com uma agulha. De osso, com 5 centímetros de comprimento, ela parece ter sido inventada justamente há 20 000 anos.

 

Ossos para pegar peixes

Arpões denteados de osso, com pouco menos de 15 centímetros de comprimento, presos a um cabo longo, teriam sido usados para pescar. É provável que os ossos viessem das renas ou mesmo de cavalos selvagens.

 

Técnica de alta precisão

A marca da época são lascas milimétricas tiradas de uma pedra (com golpes de outra pedra) para tornar a peça final mais plana. Há indícios de que se faziam encaixes para o cabo.

 

Shopping center da pedra

Conchas, marfim ou pedras talvez fossem trocados por outras “mercadorias”. Materiais achados em certas escavações vinham de longe, às vezes de mais de 100 quilômetros, o que dá sustentação a essa hipótese.

 

Armado para o frio

Os solutrenses progrediram por enfrentar bem o frio. Caçavam muitas renas e cavalos, a julgar pelos fósseis em seus acampamentos, e usavam suas peles. Podem ter migrado da Europa central para o oeste. Não se sabe como, sumiram de repente, há 18 000 anos.

 

As cavernas de todos os tempos

Já são mais de 300 as cavernas pintadas da Europa. A maioria fica na França (150) e na Espanha (125). O resto, em Portugal, Itália, Rumênia e Rússia.

 

 

 

Veja, aqui, a localização das mais importantes:

A pioneira Altamira

Quase uma centena de desenhos, feitos há 14 000 anos, fazem dessa caverna uma das mais sensacionais vitrines da arte pré-histórica. Foram os primeiros desenhos descobertos, em 1868. Sua autenticidade, porém, só foi reconhecida em 1902.

 

Bascos de Zubialde

Os traços grossos e as cores básicas das formas, nessa gruta, representam o senso estético dos homens que chegaram ao país basco há mais de 25 000 anos. Foi um dos primeiros locais ocupados, nessa parte do continente.

 

Elegante Lascaux

Detalhe dos “cavalos chineses”, uma cena importante de Lascaux. Suas pinturas, achadas em 1942, têm 17 000 anos e valeram à essa caverna o título de “Capela Sistina da pré-história”. Talvez ela seja insuperável em beleza. Mas, em importância, pode perder o lugar para Chauvet, de acordo com a avaliação preliminar.

 

Receita de Niaux

Niaux, descoberta em 1906, é a caverna mais bem estudada. Os pigmentos usados na feitura de suas tintas foram analisadas pelo francês Jean Clottes. Elas têm 12 890 anos e seguem uma receita precisa. O preto, por exemplo, contém carvão moído e dióxido de manganês, como em outras cavernas. Mas o artista de Niaux incluiu pitadas de talco (um mineral) e de sais de potássio para dar volume à cor.

 

Cosquer, sob o mar

Em 1993, o francês Henri Cosquer ficou surpreso ao descobrir essa caverna a mais de 30 metros de profundidade, na costa de Marselha. É que há 16 500 anos, data das pinturas, o nível do mar era mais baixo. A entrada da caverna, então, ficava ao ar livre.

 

 

 

O que há em outros continentes

Austrália

As pinturas que são feitas ainda hoje pelos aborígenes de Laura, na Austrália, são parecidas com as da pré-história. Elas podem fornecer pistas sobre desenhos do passado.

 

Rodésia

Existem gruta, na Rodésia, centro da África, com mais de 40 000 anos, é um dos poucos exemplos da habilidade artística do homem anterior às cavernas européias.

 

Piauí

Na década de 70, a brasileira Niéde Guidon descobriu, em Pedra Furada, Piaui, pinturas rupestres que, segundo ela, têm 17 000 anos. Muitos arqueólogos contestam essa idade.

 

 

As culturas da pedra existem desde que apareceu o gênero humano

O jeito como o Homo erectus lascava a pedra define a mais antiga “cultura lítica”, o acheulense. Seus machados são grosseiros, geralmente com mais de 15 centímetros de comprimento. São relativamente grandes, comparadas às peças posteriores.

Em seguida, surgem o levalloisense, do Homo sapiens africano, e o mousteriano, do homem de neandertal. Essas técnicas são equivalentes. Suas peças, de 10 centímetros, denotam maior conhecimento das pedras.

Culturas líticas mais avançadas: aurignacense, gravettiano, solutrense e magdalense. Os instrumentos são feitos em grande número de estilos e maior precisão, chegando à escala dos 5 centímetros. Depois disso, o homem adotaria a técnica dos metais.

 

 

 

Homo sapiens

Época: de 100000 anos atrás até hoje

Técnica: levalloisense

Volume do crânio: 1350 cc

 

 

Homo erectus

Época: de 2 milhões a 500000 anos atrás

Técnica de lascar pedra: acheulense

Volume do crânio: 900 cc (centímetros cúbicos)

 

 

Homo neanderthalensis

Época: de 300000 a 350000 anos atrás

Técnica: mousteriano

Volume do crânio: 1400 cc

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 6,00/mês

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 14,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.