Por que os casais brigam?
Os motivos são muitos. Mas há 5 que quase sempre estão por trás de todos os outros. Vale a pena refletir sobre eles antes de fechar o tempo.
A discussão parece começar do nada. O motivo, muitas vezes banal – como a tradicional toalha molhada deixada em cima da cama –, é capaz de desencadear uma avalanche de acusações que não tem hora para acabar. Pior: no fim das contas, ninguém se lembra direito por que a briga começou e onde é que ela vai parar. Mas o desgaste que o episódio provoca fica por muito tempo e pode causar marcas muitas vezes irreversíveis.
Quando o assunto é relacionamento, esse tipo de quebra-pau não é novidade nenhuma. Brigar dói, cansa, causa tristeza depois, além de ser chato pra burro. Mesmo sabendo disso, por que raios os casais ainda insistem em brigar tanto?
É claro que tudo depende da situação – até porque há casos em que uma boa discussão é necessária para acertar os ponteiros. “Muitas vezes, o conflito é legítimo, e afastá-lo é que seria uma má política”, afirma a terapeuta de casais Andréa Seixas Magalhães, da PUC-RJ. Convenhamos: aquele modelo de casal dos anos 50, em que as brigas eram raríssimas – até porque a maioria dos problemas acabava debaixo do tapete –, não deixou saudades.
Para o casal de psicanalistas franceses Jacques e Claire Pujol, todo relacionamento vivo tem lá seus momentos de colisão. “Os dois parceiros não são semelhantes, suas esperanças não são idênticas e as frustrações surgem quando as necessidades não são satisfeitas”, dizem. Até aí, tudo normal. O estranho, diz a psicanalista americana Mary Jacksch, é usar uma briga para lavar-roupa suja, apontando com o dedo em riste o que se considera que sejam os piores defeitos do parceiro. Pode parecer utópico, mas os psicólogos garantem que é possível discutir sem agredir ou magoar, focando na queixa em questão – que pode ser legítima. “É um treinamento, mas as pessoas podem, sim, se esforçar para manter o respeito e tentar resolver o problema, em vez de partir para o ataque.”
Já que a maior parte dos conflitos poderia – e deveria – ser evitada, selecionamos, com a ajuda de especialistas, 5 motivos um tanto comuns de brigas de casais. Pense bem se você já esteve nestas situações. Ah, sim: e esqueça a toalha molhada, por favor. Provavelmente ela nada tem a ver com a razão da sua implicância e do seu mau humor.
1. Engolir sapo faz parte
Uma das principais características das relações dos dias de hoje é que estamos priorizando apenas o que nos dá prazer, evitando percalços inerentes a qualquer história amorosa. Como ninguém é perfeito, é lógico que os conflitos não demoram a aparecer. É o que afirma o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, autor do livro O Amor Líquido. Segundo ele, “queremos tudo para ontem e de preferência sem dores de cabeça”. Refletir sobre a sociedade que tem entre seus valores o consumo e o descartável ajuda a entender o fenômeno. O antropólogo Edgar de Assis Carvalho, da PUC-SP, também atribui ao estímulo consumista o nascimento de uma nova maneira de pensar, em que importaria mais colecionar namoros do que ter um casamento só, para a vida toda. “Uma cultura consumista favorece o produto pronto para uso imediato e resultados que não exijam esforços muito prolongados”, diz Bauman. Trocando em miúdos: apesar de não ser uma máquina, a pessoa que está a seu lado também pode dar defeito. A diferença é que pode valer bem mais a pena investir no seu conserto em vez de jogá-la no lixo e rapidamente procurar outra nova.
2. O outro não vai mudar
Um dos fenômenos que mais contribuem para o desequilíbrio das relações é o que os especialistas chamam de um tipo de complexo de My Fair Lady – peça de Bernard Shaw que deu origem a um premiado filme dos anos 60, em que um homem faz de tudo para transformar o objeto de seu interesse, uma humilde vendedora de flores, em uma educada senhora da alta sociedade. Na peça, o final da história não é nada feliz: o casal não termina junto, pois a mocinha vai embora e o homem fica a ver navios. Para a psicanalista americana Mary Jaksch, especializada em relacionamentos, é exatamente isso que acontece quando se aposta em uma mudança de estilo de vida e até de personalidade do parceiro. Mais: acreditar que o outro vai se moldar ao que o companheiro deseja, como se fosse o barro nas mãos do escultor, é meio caminho andado para a frustração e uma vida a dois repleta de desentendimentos. “Nesses casos a raiva e o desapontamento tomam conta e as brigas se sucedem”, diz ela.
3. Filhos imitam pais
Segundo Jacques e Claire Pujol, quem briga muito também pode estar repetindo um comportamento herdado dos pais, na infância. “As crianças têm uma tendência a absorver e até imitar o que vêem os pais fazendo, por isso, pais que discutem com freqüência, e na frente dos filhos, podem estar transmitindo um modelo que mais tarde essa criança irá repetir na idade adulta”, diz Claire. É a cena clássica da família briguenta das comédias de pastelão, em que a mãe ameaça o pai com um rolo de macarrão, ele dá um berro, ela grita de volta e no final – espera-se – eles fazem as pazes com juras de amor. Na televisão ou no cinema até pode parecer engraçado. Mas, para quem passou a vida assistindo a episódios de violência (mesmo que tenha sido apenas verbal) dentro de casa, a história é outra. “É preocupante. A criança pode crescer achando que aquilo é o normal”, diz Claire Pujol. Se a sua família sempre foi briguenta, lembre-se que é você quem escreve a sua história depois de adulto – e é possível escolher uma vida diferente, em paz.
4.Tolerar é preciso
Se não houver muita paciência para resolver os espinhos comuns da vida a dois, nada vai para a frente. “Não é fácil dividir a vida com alguém que certamente terá hábitos diferentes dos seus e uma outra personalidade. Sem flexibilidade e uma certa dose de paciência, a tendência é haver muitas discussões”, diz Andréa Seixas Magalhães. A psicóloga Claire Pujol lembra também que cada um tem as próprias expectativas sobre o parceiro. “É um contrato de relação não escrito, mas que existe”, diz ela. Algumas vezes um ou outro irá furar alguma cláusula – isso é normal. E é claro que em muitos momentos será preciso conversar. Mas deixar o sangue ferver não ajuda em nada.
5. Relacionamento não é trabalho
Um alto nível de exigência e rapidez pode ser muito útil no ambiente de trabalho, mas nada tem a ver com a natureza dos relacionamentos, que têm seu próprio tempo e são uma construção diária, a ser feita tijolo a tijolo. “Qualquer relação humana é algo que evolui no dia-a-dia, no próprio ritmo, que não tem nada a ver com a cobrança do mundo capitalista, onde sempre tem que se produzir algo”, diz Andréa Magalhães. Querer que tudo se resolva logo e ainda colocar prazos para que determinadas atitudes se produzam no relacionamento são maneiras de agir que não funcionam. Pior, elas criam um clima de estresse que pode estragar os bons momentos. Pressionar, exigir e cobrar simplesmente são verbos que não se encaixam na sutileza inerente ao amor.
Como brigar
• Tudo bem, você tem um conflito a resolver. Mas tem certeza de que sabe qual é o problema? Antes de sentar para conversar, é bom ter claro o que deseja abordar.
• Procure manter-se focado no tema que está sendo discutido. Querer falar de tudo o que incomoda, e não apenas de um assunto, pode atrapalhar.
• Ser respeitoso, mesmo no meio de uma discussão, é meio caminho andado para ter uma conversa construtiva.
• Em vez de acusar o parceiro, explique como você se sente em determinado tipo de situação que o desagrada. É a melhor maneira de ser ouvido.
• Esteja preparado para realmente ouvir o outro e rever as próprias posições, se for o caso. A idéia, afinal de contas, não é impor o seu ponto de vista, e sim dialogar.
Como não brigar
• Atacar o parceiro é a melhor maneira de não resolver um conflito. Xingamentos e agressões devem ficar de fora da discussão.
• Se você estiver alterado, prestes a explodir, é melhor deixar a conversa para depois, para não correr o risco de perder a cabeça.
• Nunca parta para as ameaças. Se você está procurando melhorar o relacionamento, para que dizer, sem uma reflexão prévia, que quer terminar? Só irá piorar a situação.
• Ridicularizar o outro também está fora de questão. Não há justificativas para humilhar alguém, mesmo que você esteja com muita raiva da pessoa.
• Usar um tom imperativo, tipo “você tem que fazer isso ou aquilo”, só serve para colocar o outro na defensiva. E não é isso que você quer, certo?