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Zygmunt Bauman: pensamentos profundos num mundo líquido

Autor de mais de 50 livros, filósofo polonês criou o conceito de "modernidade líquida", que expõe o avanço do individualismo - e a consequente fragilidade das relações afetivas no mundo contemporâneo

Por Thales de Menezes
Atualizado em 26 jan 2024, 07h20 - Publicado em 30 out 2019, 14h48

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ara quem frequenta livrarias, mas não tem familiaridade com a leitura de filosofia, o nome Zygmunt Bauman pode ser apenas aquele autor que tem várias obras nas prateleiras com títulos que usam muito as palavras “líquido” e “líquida”. Dos mais de 50 livros escritos por esse polonês que morreu em 2017, aos 91 anos, cerca de 30 foram traduzidos para o português e lançados no Brasil. Material suficiente para transmitir claramente suas ideias sobre um mundo “líquido”.

“Escolhi chamar de modernidade líquida a crescente convicção de que a mudança é a única coisa permanente e a incerteza, a única certeza.” A frase, repetida pelo sociólogo em textos e palestras, é irmã de outra, mais popular, que ele usava com foco nas conexões pessoais em tempos que levam o indivíduo a associações menos duradouras: “Hoje os relacionamentos escorrem por entre os dedos”.

Chamado de pessimista por suas críticas amargas ao pós-modernismo, Bauman se recusava a classificar as relações amorosas como união. Para o filósofo, as “relações líquidas” seriam experiências pessoais de cada um, sem a construção da identidade de um casal, da integração entre dois indivíduos. Nessa fluidez, a vida de cada um estaria propensa a mudar de uma hora para outra, às vezes de forma imprevisível.

Além do aspecto pessoal de suas discussões sobre a efemeridade das relações, seus temas se expandem para um painel da sociedade na virada do século, falando sobre globalização, ética, política e comunicação.

Nessa análise, a sociedade de consumo e o desenvolvimento da tecnologia acabam tendo papel decisivo para facilitar o individualismo. “Os telefones celulares ajudam a ficarmos conectados àqueles que estão a grandes distâncias. Mais do que conectar, os celulares permitem preservar essa distância.”

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Para Bauman, a jornada individualista no mundo do consumo sustenta ideologicamente o enriquecimento voraz daqueles que já dispõem de dinheiro e posses.

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O autor parte do individual para o global com extrema facilidade, notadamente em seus estudos sobre a cultura num planeta marcado pela renovação constante das relações internacionais, que levam ao debate inevitável sobre a revalidação ou transformação de conceitos de cidadania e direitos humanos.

Bauman discute a relação amorosa fugaz na sociedade líquida no mesmo tom e na mesma intensidade em que faz propostas sobre a coexistência de indivíduos diferentes em comunidades às vezes construídas e delimitadas por contingências bélicas.

Em uma de suas frases mais contundentes, Bauman destaca a necessidade de luta pelos direitos da diferença em paralelo à marcha por direitos de igualdade. “Nós não deveríamos construir muros, deveríamos construir pontes.”

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Quem foi Zygmunt Bauman

Nascido em Poznan, Bauman fugiu da invasão de tropas nazistas na Polônia em 1939. Aos 14 anos, foi com a família para a União Soviética. No ano seguinte, ingressou no partido comunista polonês e se alistou no exército.

Com o final da Segunda Guerra, voltou para estudar em Varsóvia. Em 1945, entrou para o Serviço de Inteligência Militar, onde atuou por três anos. Em 1953, foi expulso do exército polonês. Um ano depois, concluiu mestrado e passou a lecionar na Universidade de Varsóvia.

Por 15 anos, fez críticas duras ao governo comunista da Polônia. Em 1968, o expurgo antissemita feito em retaliação aos protestos contra a censura do regime obrigou Bauman e a mulher, Janina, ao exílio em Israel. Em 1971, foi para a Inglaterra dar aulas na Universidade de Leeds, na qual dirigiu o departamento de sociologia até 1990, quando se aposentou.

Entre as publicações que fez antes de atingir a grande popularização de seu trabalho em meados dos anos 1990, o maior impacto veio com Modernidade e Holocausto, de 1989. Influenciado por livros de Theodor Adorno e Hannah Arendt, ele afirma que o Holocausto não deve ser analisado como uma descida à barbárie pré-moderna.

Usando a imagem de um quadro na parede que poucas lições pode transmitir, diz que as sociedades não conseguiriam entender a conexão do Holocausto com a modernidade. Segundo Bauman, essa relação contempla racionalidade e ordenação.

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Apresenta como algo lógico a necessidade de seguir ordens. Isso alimenta a tendência de admitir a obediência a regras como algo essencialmente bom. Dessa maneira, o extermínio de judeus seria uma opção radical da ação em que a sociedade visa eliminação de elementos estranhos e não classificáveis. Um fenômeno que o filósofo acreditava ser passível de repetição nos tempos atuais.

 

O que é modernidade líquida

O número de seguidores de seu trabalho foi várias vezes multiplicado com a discussão da “modernidade líquida”. Esse conceito balizou um esgarçamento nas relações amorosas que trouxe à reflexão uma angústia nos sentimentos humanos, na urgência de encontrar um par perfeito.

O que Bauman classifica como “amor líquido” é o desejo das pessoas de vivenciar o afeto, mas sem compromisso para que os laços mantidos sejam fluidos o suficiente para que a busca por relações continue como força motora, sem a imposição de alcançar a realização plena dessa procura intensa.

Essas emoções fluidas, para Bauman, têm origem na destruição de forças criativas pelo capitalismo e no consumismo como guia de comportamento na vida social. Cria-se um ambiente de incerteza em que o desapego pode ser um instrumento de versatilidade num movimento ininterrupto de supostos avanços.

As pessoas acabam conseguindo apoio numa sensação potencial de eterno recomeço. E essa constante sensação transforma a vida numa experiência urgente e sem profundidade.

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O medo e a insegurança neste início de século são temas preciosos na sociologia de Bauman. No livro Tempos Líquidos, um de seus volumes mais vendidos, ele afirma que a desintegração da solidariedade, minada pelas relações efêmeras na pós-modernidade, leva o homem de encontro a seus problemas mais graves.

Ele vê as cidades perderem uma de suas missões básicas, que é oferecer conforto e segurança a seus habitantes. Os agentes atuando contra isso podem ser externos, como o terrorismo, podem ser internos, como a solidão, e também o que ele chama de abalo estrutural da individualidade, como o desemprego.

Em Medo Líquido, que pode ser lido como obra complementar a Tempos Líquidos, Bauman praticamente faz um inventário dos medos modernos para mostrar como esses temores e inseguranças ajudaram a derrubar a proposta utópica de controle sobre os aspectos sociais e econômicos da vida cotidiana.

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É mais uma certeza da modernidade “sólida” perdendo espaço numa época de mudanças de comportamento à mercê de ações e reações transcorrendo de forma fluida no dia a dia.

Bauman construiu uma dissertação crítica diante de temas variados, como a cultura transformada em itens de mercado, a crescente instrumentalização do consumismo com os cartões de crédito, a inadequação dos modelos consagrados de educação, num espectro que vai do global, como os efeitos da crise financeira de 2008, até a introspecção pessoal que chega a produzir problemas como depressão e anorexia.

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Seus trabalhos mais recentes se voltaram para o que chamou de “enormes contingentes de seres humanos, destituídos de meios de sobrevivência em seus locais de origem, que vagam hoje pelo mundo”. Em Vidas Desperdiçadas, ele decreta: “Nosso planeta está lotado!”.

Bauman admite a consolidação de uma população fora-da-lei, que jamais será incorporada ao sistema produtivo nem manterá qualquer tipo de relação estável. O foco passa a ser qual o destino reservado a essas massas e como políticas de seguranças nacionais vão interferir nessa jornada.

Em seu último livro, Estranhos à Nossa Porta, ele aborda a crise dos refugiados e as reações da Europa ao enorme número de pessoas em busca de asilo. Bauman associa o medo provocado pelas caravanas de refugiados a um processo de desumanização imposto àqueles que chegam.

Ele vê as crises migratórias como uma grande crise humanitária, que impõe a descoberta de novas maneiras de convivência, buscando harmonia no relacionamento com pessoas que têm posicionamentos políticos e origens diferentes.

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