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Segunda divisão da ONU

Toda a Terra está dividida entre os 192 membros da ONU. Toda? Não! Vários povos irredutíveis fizeram suas próprias nações em território alheio. Eles têm bandeira, hino... Só falta entrarem para o mapa

Por Maurício Horta e William Vieira
Atualizado em 2 out 2017, 15h32 - Publicado em 11 nov 2010, 22h00

Nas ruas de Hargésia, capital da Somalilândia, mulheres trabalham trocando notas de dólar e euro por maços de xelim somalilandês ao lado de carrinhos de sorvete que aplacam os mais de 40 °C, lan houses e consultórios dentários. Já o governo, eleito democraticamente, consegue equilibrar a lei islâmica, costumes tribais e a tradição constitucional do Ocidente. E ele funciona tão bem que já conseguiu até quebrar algumas células da Al Qaeda, que faz a festa no irmão do sul, a Somália. O único problema é que a Somalilândia não existe.

Há muitos lugares como a Somalilândia. São os quase países, que vivem na 2ª divisão das relações internacionais: embora tenham um governo que, bem ou mal, funciona, não conseguem a ascensão para a “série A”, onde estão os membros da ONU. Alguns são tão pequenos que você pode ser paciente do próprio ministro da Saúde. Mesmo assim, têm Câmara de Deputados e uma força policial independente.

A Somalilândia e a Transnístria possuem até moeda própria – coisa que mesmo alguns países reconhecidos não têm, como o Equador, o Timor Leste e, mais recentemente, o Zimbábue, que adotaram o dólar. Mas como assim “quase países”?

Bom, se você cercar o seu bairro, começar a ditar as leis ali, recolher impostos e tiver força militar para enfrentar o Exército quando o Brasil retaliar, terá criado um Estado nacional. Mas esse é só o primeiro passo. O outro é ser reconhecido como país pelas nações veteranas. Se isso não acontece, a comunidade internacional vai continuar considerando o seu bairro como parte do Brasil. Nisso você não poderá receber empréstimos de bancos mundiais nem participar de organizações de comércio internacional. É exatamente o que acontece com os países que não têm cadeira na ONU.

A exceção nesse clube é Taiwan. Quando Mao Tsé-tung tomou o poder na China, em 1949, o antigo governo, capitalista, se mudou para Taiwan. Até 1971, o país que não existia (para a ONU) era a China. E Taiwan tinha seu lugar (com o nome de República da China). Mas aí Mao conseguiu o reconhecimento de seu país e tomou a cadeira de Taiwan, que acabou no limbo. Mas um limbo de luxo: a nação é uma grande exportadora de eletrônicos e tem a própria China como parceira comercial. Seja como for, o mapa é mutante mesmo. Países como Alemanha e Itália só viraram nações no final do século 19. Quase todos os da África nasceram nos anos 60 e 70. E não faltam regiões em que uma parcela considerável da população está pronta para declarar independência: o País Basco e a Catalunha, na Espanha; Tibete e Xinjiang, na China; praticamente a Índia inteira… Mas por enquanto os quase países mais notórios são estes a seguir.

A SOMÁLIA QUE DÁ CERTO – SOMALILÂNDIA
Um Estado democrático numa região tomada por anarquia e violência. Declarou independência da Somália em 1991.População – 3,5 milhões (um Uruguai)Área – 137,6 mil km² (uma Grécia)Religião – IslãMoeda – Xelim da Somalilândia (S, da sigla em inglês)

Economia – O porto de Berbera, alugado pela Etiópia, e a pecuária rendem um PIB de US$ 800 milhões (1/3 do de Belford Roxo, na Baixada Fluminense)

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O DE CIMA SOBE E O DEBAIXO DESCE
Seu governo criou uma democracia e instaurou polícia, escolas, hospitais e moeda própria no meio do país mais caótico do mundo, a Somália. Não que a Somália, embora tenha cadeira na ONU, seja exatamente um país. A última vez que o lugar teve algo parecido com um governo foi há 19 anos, quando a URSS ainda existia. Seu ditador, Siad Barre, tinha transformado o litoral do Chifre da África numa arma socialista contra a Etiópia e o Quênia, ambos pró-EUA. Hoje, a ex-colônia italiana é um picadinho acéfalo e sangrento de feudos defendidos por guerrilheiros tribais. E a capital mundial da pirataria: em 2009, seus piratas atacaram 214 navios. Comparada a isso, a Somalilândia é um respiro de paz. Mas nenhuma nação reconheceu sua independência. Resumindo: enquanto o Estado do país que existe, a Somália, não existe; o Estado do país que não existe, existe. Eita.

PAÍS DE AREIA – REPÚBLICA SAARÁUI
Seu governo é reconhecido por 49 países, a maioria africanos. Enquanto isso, quem manda ali é o Marrocos.População – 405 mil (uma Florianópolis)Área – 266 mil km² (um Reino Unido)

Religião – Islã

Moeda – Não tem; usa dinheiro marroquino

Economia – Tem só 0,02% de terra arável. A economia, pastoril, gera US$ 900 milhões de PIB (uma Juazeiro, BA)

CABO DE GUERRA
Este aqui é uma terra de ninguém mesmo. Não está dentro de país nenhum. A semiclandestina República Saaráui ocupa o território do Saara Ocidental, uma ex-colônia espanhola. Em 1976, a Espanha saiu de lá e combinou de dividir as terras entre a Mauritânia e o Marrocos. Só que às vezes você dá a mão e o país quer o braço: o Marrocos entrou e assumiu o controle de dois terços do território. Uma guerrilha de nativos do Saara Ocidental, a Frente Polissário, atacou a parte da Mauritânia e tomou o outro terço. Entre 1980 e 1987 o Marrocos construiu um muro e instalou 5 milhões de minas terrestres separando as duas áreas. O país continua a povoar o Saara Ocidental com marroquinos e não aceita a independência da região. Em 1991, as Nações Unidas prometeram organizar um plebiscito entre as populações dos dois lados para ver se o Saara Ocidental virava um novo país ou era anexado ao Marrocos de vez. Mas o referendo nunca veio.

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PRESENTE DE GREGO – CHIPRE DO NORTE
É território de direito do Chipre, mas se declarou independente sob a tutela da Turquia – o único país a reconhecê-lo.

População – 265 mil (uma Volta Redonda, RJ)

Área – 3 335 m² (duas cidades de São Paulo)

Religião – Islã

Moeda – Não tem; usa a lira turcaEconomia – 70% do PIB de US$ 3,6 bilhões (equivalente ao de Niterói, RJ) são serviços, incluindo turismo

O DE BAIXO SOBE E O DE CIMA DESCE
Sabe o problema entre israelenses e palestinos? No Chipre é mais ou menos assim, mas entre os cipriotas gregos e os cipriotas turcos. Em 1974, um grupo paramilitar grego tentou dar um golpe de Estado com o objetivo de anexar o Chipre à Grécia. A Turquia reagiu invadindo a parte norte da ilha e fundando um país novo ali, só para cipriotas turcos. Nenhum país reconheceu. Hoje ela banca a economia do lugar. O Chipre tem o aval da ONU para abrir fogo e estender sua soberania para a região. Para evitar isso, a Turquia mantém soldados ali. Uma situação que a comunidade internacional condena. Como resolver? “Com um plebiscito”, propôs a ONU. O povo do norte votou “sim” para a unificação. Mas o do Chipre grego, mais rico e membro da União Europeia, preferiu que tudo continuasse como está, que o norte ficasse com as terras deles sem abocanhar impostos do sul. Presente de grego.

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TERRA PROMETIDA – PALESTINA
É reconhecida por 94 países, incluindo China e Rússia. Mas a viabilidade de ela conviver em paz com Israel ainda é utopia.

População – 4,3 milhões (uma Irlanda)

Área – 5 970 km² (Cisjordânia) e 365 km² (Faixa de Gaza) – total: um Distrito Federal

Religião – Islã

Moeda – Não tem; usa o dinar jordaniano e o shekel israelenseEconomia – Como Gaza e a Cisjordânia são separadas e controlados por Israel, a Palestina tem dificuldades em girar sua economia de US$ 4,6 bilhões (uma Caxias do Sul, RS)

GUERRA DOS MIL ANOS
Para uns, a região que abriga Israel e os territórios palestinos é terra de direito exclusivo do povo árabe, que sempre ocupou a região. Para outros, esse direito é do povo judeu, que sempre ocupou a região. Como não dá para ser as duas coisas ao mesmo tempo, está aí o lugar mais explosivo do mundo. Depois da 2ª Guerra, a ONU propôs partilhar a Palestina, então protetorado britânico, em dois Estados – um judeu e outro árabe. Israel declarou sua independência em 1948. Os países vizinhos declararam guerra. Israel ganhou. E o país assumiu a maior parte do antigo protetorado, com exceção da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Hoje, os palestinos menos radicais querem pelo menos um pedaço da israelense Jerusalém para formar seu país. Os mais querem tirar Israel do mapa. Do outro o lado o radicalismo também cresce… E o Estado palestino nunca aparece.

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O NEGÓCIO TÁ RUSSO – REMINISCÊNCIAS DA URSS
Bastardos do império soviético querem tocar a vida sozinhos. São 4 nações menores que uma Grande São Paulo e com PIB somado igual ao de Ouro Preto (US$ 1 bilhão).

TRANSNÍSTRIA
O fim da República Soviética da Moldávia fez com que os 700 mil russos do país (de 3,5 milhões de habitantes) declarassem independência do território que habitavam, a Transnístria – uma faixa de terra industrializada na fronteira com a Ucrânia. Quando o império soviético ruiu, deixou uma unidade de seu Exército na Transnístria. E, com ela, 42 mil peças de armamento – bombas, foguetes, metralhadoras e minas que acabaram contrabandeados. Sua exportação de armas não faz mais tanto barulho, mas o papel estratégico não acabou. Com o plano americano de fazer um escudo antimísseis nas fronteiras da área de influência russa, o presidente transnístrio ofereceu seu território para abrigar mísseis russos. Mas nem a Rússia reconhece o país. E ele continua visto só como parte da Moldávia.

ABKHÁZIA
Quando a Geórgia se separou da URSS, em 1991, regiões que estavam dentro das fronteiras georgianas quiseram caminhar com as próprias pernas. Foi o caso da Abkházia. Seus 216 mil habitantes falam uma língua própria e se identificam mais com a Rússia – até porque o lugar era o resort de Stálin. É reconhecida pelo vizinho gigante e, de gaiato, por Nauru, Nicarágua e Venezuela.

OSSÉTIA DO SUL
Também declarou independência da Geórgia e acabou servindo como um enclave russo ali. O problema é que a Geórgia se tornou aliada dos EUA e, para mostrar força, atacou a Ossétia – o que diminuiria o poder russo na região. Como retaliação, o Kremlin mandou “tropas de paz” para o quase país de 70 mil habitantes e o reconheceu – junto com a Abkházia.

NAGORNO-KARABAKH
Encravado no muçulmano Azerbaijão, que também foi uma república soviética, esse território povoado por armênios cristãos entrou em guerra com os azerbaijanos e se autodeclarou independente em 1991. O quebra-pau durou 3 anos. E os nagornianos só não foram esmagados porque contaram com a ajuda da Armênia. Hoje é ela que sustenta Nagorno. A Rússia, que é quem apita por ali, estava interessada no fim do conflito. Então impôs um cessar-fogo na região, deixando-a sob controle dos armênios étnicos. Mas era só o começo do quiproquó: a decisão irritou a Turquia, inimiga da Armênia. Em 1994, os turcos retaliaram em favor do Azerbaijão impondo um embargo comercial aos armênios. Enquanto isso, Nagorno, com seus 140 mil habitantes, não é reconhecido nem pela amiga Armênia.

ÚLTIMO SUSPIRO DA IUGOSLÁVIA – KOSOVO
A nação encravada em território sérvio declarou independência em 2008 e é reconhecida por 55 países. Mas a Rússia bloqueia sua entrada na ONU.

População – 2,4 milhões (uma Belo Horizonte, MG)

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Área – 10 908 km² (meio Sergipe)

Religiões Igreja Ortodoxa

Moeda – EuroEconomia – O PIB é de US$ 3,2 bilhões (uma Foz do Iguaçu, PR). Emigrantes que enviam dinheiro para as famílias e doações internacionais complementam a receita com mais US$ 1 bilhão

PEQUENO DEMAIS PARA OS DOIS
Kosovo é mais uma das nações que formavam a antiga Iugoslávia, junto com Eslovênia, Croácia, Sérvia, Montenegro e Bósnia. Mas não virou um país à parte – ficou como um pedaço da Sérvia. Nos anos 90, um conflito separatista acabou num massacre de civis kosovares. Foi o maior crime de guerra da história recente, que acabou na condenação do ex-presidente iugoslavo, o sérvio Slobodan Milosevic. A Otan atacou a Sérvia em 1999 para conseguir um cessar-fogo. Nisso a ONU assumiu a administração da província. Há dois anos, fundaram a República do Kosovo, que logo ganhou reconhecimento do Ocidente. Mas a Rússia, aliada da Sérvia, usa seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU para bloquear a tentativa de Kosovo de conseguir sua cadeira na organização. E tudo indica que ela vai continuar agindo no tapetão para que os kosovares não saiam nunca da série B.

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