Viagens só possíveis na mente
Se pudéssemos pegar carona nos movimentos da Terra, venceríamos as distâncias mais rapidamente.
Luiz Barco
Qual a maneira mais barata, segura e veloz de se viajar? Com essa pergunta, um estudante de Turismo me pegou outro dia, vamos dizer, de calças curtas. Justo eu, que vivo defendendo o estímulo da imaginação como um dos melhores instrumentos didáticos de que se pode lançar mão.
Tentei várias respostas: caronas, intercâmbios etc. Tudo errado. Fiquei deveras surpreso quando ele deu a resposta. “Recentemente, fui visitar um velho tio contador de histórias”, começou. “Enquanto meus primos menores ouviam admirados, ele dizia ter morado na França, onde, certa vez, como parte de um curso de Física, subiu verticalmente bem alto num balão. Enquanto o balão se elevava, a Terra ia girando, girando, girando sobre o seu eixo como todo mundo sabe que ela faz. Até que, quando ele desceu, se deu conta de que estava no Canadá. Essa é a maneira mais rápida de viajar.”
Logo percebi que o tal tio era um leitor do francês Cyrano de Bergerac (1619-1655) ou de algum outro escritor que tenha narrado versões dos casos que ele contou no livro História Cômica dos Estados e Impérios da Lua.
Foi lá que ele falou desse modo fácil e aparentemente seguro de viajar. Mas embora a história seja muito boa, o meio de transporte sugerido não é assim tão funcional.
Lembremos que, ao girar, a Terra leva consigo a espessa camada de ar que a rodeia. E mesmo estando em um balão que se distancia da superfície, nós, por inércia, giramos junto. O que é ótimo, aliás. Não fosse assim, ao nos despregarmos da superfície da Terra, por volta do equador, por exemplo, seríamos submetidos a um verdadeiro furacão, com uma velocidade que é o dobro da alcançada pelos grandes jatos modernos (algo como 465 metros por segundo, que é a velocidade estimada de rotação da Terra na latitude equatorial).
Você mesmo pode fazer uma experiência simples que comprova o que estou dizendo. Quando estiver andando de ônibus, de trem ou de metrô, dê um salto. Note que ao voltar para o chão estará mais ou menos no mesmo ponto de onde partiu, sem nenhum risco de estatelar-se contra a parede final do veículo.
É bom lembrar também que, além da rotação, essa surpreendente nave chamada Terra possui mais do que uma dezena de outros movimentos. Para não complicar demais, vamos citar aqui só mais um deles, a translação, que é o caminhar do planeta por sobre uma enorme elipse, a sua órbita, da qual o Sol ocupa um dos focos. Logo, um observador postado fora da órbita nos veria fazendo um movimento mais ou menos assim:
Isso tudo dá o que pensar. E aproveitando o que discutimos, deixo uma pergunta. Para respondê-la, esqueça que, em relação ao poste da esquina, a Terra parece estar absolutamente parada e embarque numa viagem imaginária. O que quero saber é o seguinte: do ponto de vista desse mesmo observador de fora de nossa órbita, você acha que andamos mais depressa durante o dia ou durante a noite? Na próxima edição continuamos essa conversa. Até lá.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo