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Vilões? Inocentes? Mercenários? Paparazzi pegos no flagra!

Da nossa sede por fofocas nasceu uma das profissões mais controversas do mundo: os paparazzi. Eles enfrentam o calor, os baixos salários e a ira dos artistas para registrar cada mínimo passo das celebridades. Mas há limites na hora de fotografar famosos?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 26 jun 2011, 22h00

Paula Scarpin

Causou frisson a notícia de que Amanhecer, o quarto filme da saga Crepúsculo, teria cenas gravadas em Parati, no litoral fluminense. Hordas de fãs histéricas lotaram as pousadas da cidade na esperança de avistar o casalzinho de vampiros interpretados por Robert Pattinson e Kristen Stewart. Mas a produção investiu pesado para esconder os atores: hospedou-os na mansão de um empresário e isolou até o mar espalhando seguranças por uma faixa de 200 metros da praia. A cachoeira do Iriri, entre Parati e Angra, onde seria gravada uma das principais cenas, foi cercada dois dias antes para garantir que a área ficasse livre de curiosos e principalmente de paparazzi. Isto é, dos paparazzi que desistem fácil – o que não é o caso de Gabriel Reis. Macaco velho na arte de flagrar celebridades, logo que soube das filmagens, ele pegou o carro e correu para lá. Estacionou na beira da estrada e se embrenhou por uma trilha. Quando chegou perto da cachoeira, escorregou barranco abaixo para se aproximar dos atores. Só parou numa árvore na beira do rio, da qual tinha uma visão panorâmica do set. Discretamente sacou a câmera da mochila e ali, imóvel, gastou dois cartões de memória inteiros com fotos do casal. Em um dia de trabalho o paparazzo faturou cerca de US$ 100 mil vendendo as imagens para revistas estrangeiras.

Parece dinheiro fácil, não? Mas Gabriel Reis é exceção no pequeno e pouco selecionado grupo de paparazzi brasileiros. A maioria deles tira fotos bem menos lucrativas – em rotinas muito menos aventureiras. Estima-se que o número não passe de 50 profissionais na cidade do Rio de Janeiro, e muito poucos fora dela (como o Brasil não tem um sindicato dos fotógrafos, que dirá dos paparazzi, não se sabe ao certo quantos eles são). Muitos paparazzi trabalham para alguma agência, o que garante a divulgação em revistas especializadas. Os fotógrafos contratados ganham um fixo, conforme a experiência e a produtividade, e uma porcentagem pelas fotos vendidas. Juntando tudo, o salário raramente vai além dos R$ 2 mil. (Muito longe dos US$ 10 mil que os fotógrafos estrangeiros ganham.) Em comum todos têm uma rotina de privações: ficar atento o tempo todo – até no horário de descanso -, esconder-se, ser xingado quando descoberto e muitas vezes até agredido.

Mundinho miudinho

O termo “paparazzo” nasceu de um personagem de La Dolce Vita, de Federico Fellini, um fotógrafo de celebridades que se chamava justamente Paparazzo. Mas a palavra só ganhou fama mundial quando uma multidão de paparazzi que tentava registrar a princesa Diana com seu namorado Dodi Al Fayed acabou envolvida na morte dos dois em um acidente em Paris, em 1997. Se a profissão já não inspirava simpatia antes da morte de Lady Di, a partir desse dia os paparazzi viraram inimigos públicos.

No Brasil, é o Rio de Janeiro que concentra a maior fatia do mercado nacional. Além do Projac, a mistura de praia e samba atrai artistas desde os anos 50. Mas, convenhamos, esse mercado não é tão grande assim. Além dos atores de sempre, que se revezam nas novelas das 6, 7 e 8, alguns cantores e jogadores de futebol estão todos reunidos em uma área relativamente pequena entre as zonas Sul e Oeste da cidade. O grosso do trabalho do paparazzo carioca não vai muito além de fazer a ronda nas praias badaladas e nos restaurantes da moda durante as refeições.

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André Freitas, fotógrafo da AgNews, a maior agência de paparazzi do Rio de Janeiro, não pode reclamar do trabalho. Sua missão é pedalar o dia inteiro na orla das praias de Ipanema e do Leblon à procura de famosos. Boa-praça, ele cumprimenta todos os donos de quiosques e os garis da praia, sempre pelo nome. Os mais chegados têm seu número de celular e ligam para ele quando avistam alguém famoso. “Se a dica for boa, eu dou uma caixinha na hora. Normalmente é algo entre R$ 10 e R$ 20”, conta Freitas. Na hora do almoço, ele sempre dá uma volta pela rua Dias Ferreira, no Leblon. Conhecida como “a Hollywood Boulevard carioca”, ela é repleta de restaurantes e bares da moda, e é impossível sair de lá sem trombar com pelo menos meia dúzia de celebridades e seus respectivos paparazzi. Não dá para almoçar lá e depois reclamar que foi flagrado pelas lentes das câmeras.

“A relação é de amor e ódio”, conta Adílson Lucas, um dos responsáveis por cobrir a região da Barra. “Tem os que me tratam superbem, me deixam fazer o meu trabalho… Agora, tem os que xingam, vêm com agressão.” Mas, analisando friamente, as celebridades brasileiras não têm muito do que reclamar. São raras as notícias muito escandalosas, comuns na imprensa internacional, envolvendo celebridades brasileiras. Mas isso não significa necessariamente que elas tenham um comportamento exemplar. Significa que temos leis mais severas. “No Brasil, a legislação é bem rigorosa com privacidade”, diz Monyca Motta, especialista em direito do entretenimento. Na Constituição, a regra é clara: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Isso quer dizer, por exemplo, que mesmo em um programa como o Big Brother, no qual os participantes abrem mão da privacidade, eles poderiam processar a Globo se considerassem que alguma cena transmitida pela TV os colocou em situação de risco ou causou constrangimento. Mas, no dia a dia da cobertura de celebridades, os tribunais costumam entender que há uma autorização implícita, um relaxamento da privacidade quando uma pessoa pública é fotografada em um local público.

Mas existe outro motivo para que a imprensa marrom brasileira esteja mais para o cor-de-rosa. Ao contrário da imprensa internacional, não existe uma diferenciação entre as revistas que publicam fotos de paparazzi e as que fazem fotos posadas dos artistas com declarações oficiais deles. Nesse mercado chapa-branca só há lugar para flagras triviais que não comprometem, como Fernanda Lima em uma loja de colchões, Luana Piovani na praia ou Giovanna Antonelli jantando no Sushi Leblon pela terceira vez na semana. “Já cansei de fotografar ator com o nariz branco de cocaína, traição e beijo gay. Mas ninguém quer comprar essas fotos”, conta o paparazzo Gabriel Reis. E a restrição não fica só nos possíveis constrangimentos. “Se eu fizer fotos lindas do Luciano Huck com os filhos, não adianta nada, porque ele ameaça as revistas de nunca mais dar entrevistas se elas publicarem foto de paparazzi”, afirma. Para Sérgio Zalis, diretor de redação da revista CONTIGO!, publicada pela Editora Abril, a questão é outra. “Cada mercado é um. Ao contrário do público inglês, o brasileiro não gosta de ver reportagens depreciativas sobre suas celebridades”, diz. A legislação brasileira, mais restritiva que a de outros países, também pesa nas decisões editoriais: “Muitos fotógrafos não têm noção de legalidade, sobem em árvores para fazer foto dentro de propriedade privada, por exemplo”.

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Mas, afinal, ao optar por uma carreira artística uma pessoa automaticamente abre mão de sua privacidade? “Depende”, responde a advogada Monyca Motta. Ela defende a ideia de que, quando você comercializa sua privacidade, não deve ter direito a ela. Um exemplo disso aconteceu no casamento de Catherine Zeta-Jones com Michael Douglas. Os atores venderam a uma revista a autorização para fazer fotos do casamento – mas um fotógrafo de outra revista conseguiu entrar na festa e publicou fotos parecidas. O casal então decidiu processar a segunda revista. Eles até conseguiram uma indenização por invasão de propriedade privada porque o fotógrafo não foi convidado – mas foi uma vitória com gosto de perda, já que o juiz entendeu que a privacidade não havia sido o problema.

Nesses casos, o argumento contrário ao direito à privacidade é o direito à informação. Se famosos são formadores de opinião, sua vida particular seria de interesse público. Cada processo judicial é um caso à parte e decidido subjetivamente por um juiz. Mas a maneira como cada celebridade lida com a fama é fator decisivo no julgamento. Quando o famoso vende uma entrevista ou fotos, ele está lucrando com sua vida pessoal comprometendo sua privacidade. Segundo Monyca Motta, artistas mais reservados têm mais chances de ganhar um processo. “No caso do cantor Chico Buarque, por exemplo, que foi flagrado namorando na praia uma mulher casada, ele teria grandes chances de ganhar se entrasse com um processo”, explica a advogada.

Ops, escapou

No outro extremo, há toda uma outra categoria de famosos que não se importam de ser fotografados em cenas constrangedoras. São as subcelebridades – que às vezes até pagam aos paparazzi para que façam seus flagras. Nesse grupo se encaixam mulheres-frutas, ex-BBBs, panicats, funkeiras, rainhas de bateria e aquelas que ninguém se lembra de onde vieram, mas todo mundo já viu com pouca roupa. Elas ou suas assessoras ligam e avisam que a subcelebridade vai estar em tal lugar e encomendam o flagra. “Elas ficam passando bronzeador, entram no mar e deixam escapar um peito do biquíni”, conta Adílson Lucas, um dos responsáveis pela Barra. Sem convites para festas ou programas de TV, essas celebridades dependem dos paparazzi para existir. Depois de feitas as fotos, alguns jornais populares, como Extra e Meia Hora, sempre acabam publicando.

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Algumas mais bem assessoradas encomendam e pagam verdadeiros ensaios aos paparazzi. Renata Frisson (sim, frisson), a Mulher Melão, é uma catarinense bancada pela família para investir na carreira de fruta no Rio de Janeiro e pega pesado na produção. Em 2008, em uma ação pioneira, ela encomendou ao fotógrafo Phillipe Lima, da AgNews, um ensaio sensual entre os taxistas da rodoviária Novo Rio. A sequência fez tanto sucesso nos jornais populares que um ano depois ela voltou à rodoviária para receber a faixa (produzida por ela, claro) de rainha dos taxistas.

Mas os famosos classe A, que têm espaço na mídia naturalmente, também encomendam flagras forjados: seja para construir sua imagem, seja para não cair no ostracismo. “Todos nós gostamos de reconhecimento, mas algumas celebridades não suportam ficar longe dos holofotes e correm atrás da mídia sem ser por seu trabalho, mas por escândalos”, explica a psicóloga Denise Ramos. E tudo o que elas fazem nos interessa: o que vestem, o que comem, com quem se relacionam. Isso não é invenção delas. Não podemos esquecer que toda a atividade dos paparazzi, de seus agentes e das revistas que publicam seu trabalho é motivada por um mercado de fofocas multibilionário – e esse mercado envolve desde nerds do Vale do Silício até mineiros chilenos. E inclui todos nós.

Para saber mais

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Paparazzi And Our Obsession with Celebrity

Peter Howe, Artisan, 2005

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