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A velha mania de estar na moda

No desfile da história, as pessoas sempre se vestiram para expressar desejos e influenciar os outros. A roupa pode ajudá-las a seduzir, a impor respeito, a se destacar na sociedade. Muitas vezes, elas querem mostrar ao mundo que estão bem informadas: é quando seguem os lançamentos dos estilistas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 30 set 1991, 22h00

Ivonete D. Lucírio e Lúcia Helena de Oliveira

Não, o primeiríssimo grito da moda não deve ter sido a folha de parreira para cobrir o sexo, como dita a Bíblia, mas peles de animais jogadas sobre os ombros feito estolas-um estilo típico do Período Paleolítico, há quase 100 000 anos. O modelo fazia sucesso por total falta de opção, já que impedia os movimentos e, ainda por cima, deixava exposta boa parte do corpo à baixa temperatura da Época Glacial. Mas, então, o homem não conseguia vestir nada diferente: teve, primeiro, de aprender a amaciar as peles; no início, com uma laboriosa mastigação, como até hoje fazem as mulheres dos esquimós; além disso, só há 40 000 anos surgiram as agulhas de chifres, para costurar os retalhos das caças sob medida para o manequim primitivo.

Quem pensa, no entanto, que a roupa só servia para espantar o frio, se engana. Os desenhos nas cavernas mostram que, mesmo nas regiões mais quentes do planeta, onde se desfilava nu há cerca de 20.000 anos, vestiam-se roupas em ocasiões muito especiais. Isto é, nos rituais mágicos, onde nasceu a moda. A ancestral latina dessa palavra, modus, se desdobra em dois significados: é maneira como algo deve ser feito e, também, a lei. Uma lei com força suficiente para impulsionar as confecções a movimentar, no ano passado, cerca de 25 bilhões de dólares, só no Brasil. O segredo desse faturamento continua sendo a magia—hoje, bordada pela publicidade—, ou seja, a crença de que um pedaço de pano dá ao usuário o poder de influenciar o mundo em que vive. Da mesma maneira como o homem primitivo tinha uma moda ou um modo de vestir para atrair a caça, para vencer uma guerra ou para cultuar os mortos, o homem moderno se veste de jeito diferente para seduzir, para fechar um negócio ou para descer a rampa de um palácio. 

A sensualidade se expressa na transparência de um tecido, a competência se transforma no alinhado terno, a seriedade pode ficar por conta de uma gravata francesa, marca Hermès, quem sabe.O figurino varia com o cenário. Ninguém faz ginástica de fraque”, ironiza o economista Carlos Eduardo Machado. professor da Universidade de São Paulo, com pós-graduação em Comunicação. “Mas, independente disso, o fato é que esse figurino serve para cada um encarnar o seu personagem.” Na opinião de Machado, em matéria de guarda-roupa, as pessoas seguem mitos ou seja, comportamentos idealizados: “A idéia inconsciente é que se você imita a aparência de uma pessoa bem-sucedida, então compartilhará esse sucesso”, exemplifica. Autor de uma tese sobre indumentárias, Machado tem o aspecto desleixado, alvo de duras críticas da filha: “Ela diz que estudo moda porque não sei me vestir”, e dá de ombros. Ele próprio sempre, evitou o fenômeno da imitação que diagnostica na sociedade. “Na minha adolescência, os jovens usavam topete como Elvis Presley, mas meus cabelos não paravam no lugar”, Iembra o professor, hoje aos 47 anos. 

“Então, desisti do penteado da moda.”Assim como Machado teimava com o topete diante do espelho, para ficar parecido com o ídolo americano, milhares de pessoas insistem em discar para o Centro de Atendimento ao Telespectador (CAT), instalado pela Rede Globo de Televisão, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Meia dúzia de funcionários dão conta de 10.000 ligações semanais: 2.000 delas são em busca dos endereços das lojas onde se encontram os modelitos exibidos pelos repórteres dos jornais e pelos astros das telenovelas. De acordo com os registros do CAT, a última musa foi Stela, interpretada por Glória Pires, a heroína com alma de noviça e corpo de manequim, da novela O dono do mundo. “Já me vesti como a Madonna, como a Tieta da novela e como alguma personagens de cinema”, admite, compreensiva, a atriz; baiana Ingra Liberato, estrela da novela Ana Raio e Zé Trovão, exibida pela, Rede Manchete em seu horário nobre. Sua personagem uma peoa, disparou e uma exótica onda de botas, chapéus e esporas nos centros urbanos. “Isso vai desaparecer”, prevê a atriz. “O Brasil não tem clima para moda country”De fato, o clima sempre foi um fator determinante da moda—a tanga provavelmente só poderia ter aparecido no escaldante Rio de Janeiro. “Atenção: a moda ousa sob medida”, adverte o economista Machado. “Se ela for contra algum tabu da sociedade, não se disseminará.” Dai talvez a desenvoltura das minissaias das cariocas, contrastando com a deselegância discreta das paulistanas, cantada por Caetano Veloso. ” Por mais que as revistas mostrem decotes, a moda só cola nos locais onde as pessoas aceitam a idéia de mostrar o corpo”, alinhava o professor.

Mas, esclareça-se, cortar tecido, para desnudar certas curvas da carne, não é sinônimo de modernidade. Há dois milênios, na Grécia Antiga, as cidadãs cretenses lançaram o topless: Da realidade, elas exibiam vestidos com mangas e saia em forma de sino, que deixavam os seios descobertos. Creta, aliás, é passarela obrigatória para quem vai seguir os passos da história da moda. Em primeiro lugar, porque ali a roupa ganhou o caráter de sedução, o qual nunca mais despiu— fora de seus arredores, as túnicas das mulheres eram muito parecidas com os trajes masculinos. A grande diferença, então, era o comprimento: nas mulheres, o tecido arrastava até os tornozelos. enquanto nos homens, mal escondia os joelhos. O mais curioso é que foi justamente na Grécia, famosa pelo legado da democracia, que a roupa passou a ser o divisor de ricos e pobres. O historiador Heródoto (484 – 420 a.C.) menciona em seus escritos um decreto ateniense que proibia os escravos e as pessoas de classes inferiores a freqüentar o teatro e outros lugares públicos com roupas tingidas. As chamadas classes superiores, no entanto, tinham liberdade para usar tons vivos, como o vermelho, o amarelo e o roxo.

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Roma, nos mesmos tempos antigos, não era diferente: listras estreitas estampavam a toga de magistrados e aristocratas, enquanto as listras largas indicavam que a túnica pertencia a um senador ou a um alto oficial. Segundo o sociólogo José Carlos Durand, professor da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, da Antiguidade até o fim da Idade Média o vestuário passou a ser, cada vez mais, um símbolo de status. Na medida em que as monarquias centralizadas colocaram fim ao feudalismo, criou-se todo um código de regulamentação do vestuário. “Existiam leis que limitavam o uso de cores e dos tecidos mais raros aos poderosos”, explica o professor.

Essas leis, chamadas suntuárias, foram derrubadas pela Revolução Francesa, em 1789, com seus ideais de liberdade. igualdade e fraternidade. “Até hoje, passados mais de dois séculos, a classe alta tenta se distinguir pela roupa”, observa Durand, em trajes sóbrios, que denotam cuidado na escolha. “Uma moda criada pela classe alta, até chegar ao cabide do operário ou da empregada doméstica, já passou pela classe média”, raciocina o sociólogo. Desse modo, ao cumprir esse trajeto, já não serve para destacar os ricos que, nessas alturas, começam a consumir outra moda.”A igualdade pregada pelos revolucionários franceses ficaria sem reflexo no espelho, se a Europa não tivesse presenciado, na mesma época, entre 1760 e 1830, a chamada Revolução Industrial—esta, literalmente, deu panos para manga.”Antes, o material de costura era praticamente restrito às elites”, compara Durand. “As máquinas para confecção, porém, permitiram o desenvolvimento das fiações, que passaram a produzir muito mais tecido.” Por sua vez, essa montanha de tecido não podia ficar às traças.
 
“Até o final do século XVIII, ser chique era aparentar tradição, como muitas pessoas defendem até hoje”, conta a economista doméstica Maria Elisa Garavello, da Universidade de São Paulo, que mora na tranqüila Piracicaba, cidade do interior do Estado. “Mas, para desencalhar suas mercadorias, a indústria passou a valorizar o novo. Surgiu, assim, a moda sazonal, os lançamentos de inverno e de verão”, explica. Os homens, contudo, não escorregaram no consumismo. E desse modo, vestiram a fama de ser um sexo irredutivelmente clássico. Mas, de acordo com os estudiosos, ninguém deveria comprar essa idéia: no pouco caso masculino existia uma enorme preocupação com a moda. Aliás, talvez, nunca os homens estiveram tão sintonizados com o jogo das aparências. Afinal, imperava o ócio no Antigo Regime derrubado pelos revolucionários franceses.Nenhum homem podia fazer muita coisa, carregando entre 8 e 10 quilos de babados — era quanto pesava, em média, o traje típico de um senhor elegante, no final do século XVII. As perucas masculinas, no mesmo período, tornaram-se ainda mais longas do que no século anterior, quando eram a grande novidade. 

Os revolucionários, portanto, ao protestar contra o regime, adotaram um visual oposto ao vigente, ou seja, extremamente simples e sóbrio. “Estar na moda é incorporar os símbolos de determinado grupo social”, justifica Maria Elisa “É como afirmar aos outros, através das roupas, que você está bem informado sobre o que se passa no mundo.” De fato, a palavra demodé —do francês, fora de moda— chega a ser sinônimo de desatualizado. “O curioso é que, na mesma época, as mulheres começaram a se enfeitar cada vez mais”, observa Maria Elisa. A economista, aliás, escreveu um estudo sobre o consumo de vestuário de suas companheiras de sexo. “As lojas recebem menos mulheres acima dos 30 anos”, garante.” As solteiras gastam muito dinheiro com roupa”, suspeita. “Depois do casamento, é como se tivessem cumprido seu papel social. Então, apelam para modelos discretos e transferem os enfeites para os filhos.” Segundo Elisa, as jovens se comportam de maneira oposta: “Suas roupas têm de ser realmente justas, elas detestam qualquer acréscimo de pano, que escondem os contornos do corpo”, revela. Uma das mais antigas disputas do mundo da moda também nasceu logo depois da Revolução Francesa. A Inglaterra e a França começaram a se alfinetar por motivos políticos, mas a briga continuou no guarda-roupa: nas ruas londrinas, as mulheres não dispensaram os vestidos de Paris, que sempre eram os mais bordados e cheios de panos; os alfaiates ingleses, de seu lado, vingaram a onda estrangeira, com cortes exemplares de roupas masculinas. Resultado: até nestes tempos modernos, da camiseta e da calça jeans, muitas mulheres ainda sonham em possuir a obra de um costureiro francês no armário, da mesma maneira como os homens esnobam elegância ao usar o tradicional terno inglês.

A mulher só optou pela praticidade no início deste século, quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial. Boa parte dos tecidos, já escassos, era destinada à confecção de uniformes para os soldados nos campos de batalha europeus. Na ausência do marido convocado, a mulher começou a trabalhar —muitas vezes, usando a roupa do companheiro distante ou morto na guerra. Ninguém traduziu melhor o novo comportamento feminino do que a francesa Gabrielle Chanel (1883 1971). Coco Chanel, como preferia ser chamada cortou os cabelos na nuca—no penteado que notabilizou seu nome—, substituiu o rodado dos vestidos por uma saia reta, cujo comprimento também passou pela tesoura, parando um palmo abaixo dos joelhos, facilitando a vida de quem, a partir da década de 20, teria de andar até um escritório e, quem sabe, pegar o bonde. O traje era complementado por um casaco: estava criado o famoso tailleur. O novo visual, para a época, era chocante. Mas Coco Chanel, embora tenha nascido em uma família pobre, circulava pela nata da sociedade européia—e assim, das colunas sociais, acabou sendo imitada pela multidão de trabalhadoras.

Nesse mesmo período o homem deprimido pela guerra e pela situação econômica mundial, começou a vestir, com freqüência, preto e cinza”, compara Fernando de Barros, diretor da revista Claudia Moda. “Só recentemente, ele voltou a usar roupas coloridas. A moda masculina muda numa velocidade muito mais lenta do que a feminina.” Para Barros, que nunca dispensa o par da gravata e do lenço guardado com falsa displicência no bolso do paletó, os homens são muito mais ligados em griffes da moda do que o sexo oposto—constatação que pode ser surpreendente. “Eles são muito mais técnicos, querem a roupa perfeita. As mulheres são mais criativas, aceitam o efêmero, querem sempre renovar”, analisa com segurança.

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Na verdade, as mulheres abandonaram a austeridade ainda na década de 40, quando Hollywood, a capital do cinema americano, passou a ditar a moda. Era a fantasia dos musicais contra o clima deprimente pós-Segunda Guerra. “O dia-dia incorporou o glamour dos filmes”, nota a historiara da arte Cyntia Garcia, ex-estilista, diplomada em Florença, na Itália. Hoje, ela passa os dias prestando consultoria de moda a diversas confecções. “Na verdade, as pessoas o continuar seguindo a moda pelos mesmos motivos do homem primitivo A próxima revolução quem sabe, vai estar no estilo das roupas, com a chegada das fibras sintéticas”, estima Cyntia. “Essas fibras permitem a criação de modelos como o próprio cinema já havia previsto para o futuro—coladas no corpo, tal como nos filmes de ficção científica. “

 

 

 

 

Para saber mais:

Mundo de jeans

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(SUPER número 2, ano 2)

 

Coco Chanel, a revolucionária da moda

(SUPER número 11, ano 6)

 

 

 

 

 

Cifras em voga

Há muito dinheiro dentro da cesta da costura verde e amarela: as 13 830 confecções nacionais empregam 1,6 milhão de pessoas e, juntas, faturaram cerca de 25 bilhões de dólares no ano passado. Em comparação com 1989, porém, as vendas das vinte maiores empresas da área retrocederam, em média, 18,7%. Nesse período, a indústria têxtil também diminuiu 10% de sua produção As razões da queda não estão apenas na crise econômica, que multiplica o número dos descamisados, mas também na fabricação das fibras sintéticas: no Brasil, a matéria prima tem qualidade inferior e, para agravar, são bem mais caras.

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