“A realidade está superando a criatividade dos roteiristas”: um papo sobre “Twisters” e a crise climática
Conversamos sobre a estreia da semana com o jornalista Ernesto Paglia e o pesquisador Osmar Pinto Júnior, que trabalharam juntos na futura série documental "Caça Tempestades". Confira.
Ainda que poucos admitam, todo mundo tem certas vontades estranhas na vida. Para o desespero da minha mãe, uma das minhas é perseguir tornados. E é com esse mesmo espírito em mente que uma equipe de cientistas em Oklahoma, nos EUA, caçam tempestades de até 480 quilômetros por hora, com o objetivo de entender melhor como funcionam esses fenômenos naturais.
Essa é a sinopse do filme Twister, de 1996. Dirigido por Jan de Bont, com roteiro de Michael Crichton (autor de Jurassic Park) e estrelado por Helen Hunt e Bill Paxton, o long retrata a jornada de cientistas que buscam aperfeiçoar um método de detecção de grandes tornados – o que pode ajudar a avisar pessoas (e salvar vidas).
Twister foi um sucesso de bilheteria na época – e, assim como Jurassic Park inspirou futuros paleontólogos, o filme teve um impacto significativo na formação de uma nova geração de meteorologistas, interessados em fenômenos climáticos extremos – e, claro, pesquisadores de tempestades.
Agora, em 2024, uma nova equipe de cientistas e caçadores de tempestades decidem arriscar suas vidas para estudar tornados, buscando formar uma nova geração de estudiosos do clima. Em Twisters, que estreou na última quinta (11), seguimos Kate (Daisy Edgar-Jones), Javi (Anthony Ramos) e Tyler (Glen Powell), na tentativa de testar um novo sistema experimental de alerta meteorológico.
Confira o trailer:
Aqui no Brasil, podemos não ter exatamente tornados como os do filme, mas isso não quer dizer que não tenhamos fenômenos climáticos que despertariam o interesse dos caçadores. Somos o país em que mais caem raios no mundo, por exemplo: são quase 78 milhões de descargas elétricas por ano.
Em uma produção inédita, Osmar Pinto Júnior, cientista e pesquisador do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e o jornalista Ernesto Paglia se juntam à cineasta Iara Cardoso para a primeira temporada da série documental Caça Tempestades. Com produção do Grupo Storm, ela mostrará os desafios enfrentados por aqueles que perseguem as tormentas e os segredos das tempestades na Amazônia. A estreia está prevista para o início de 2025, na Globo e no History Channel.
Para falar um pouco sobre como os eventos climáticos extremos vistos na série e em Twisters estão se tornando cada vez mais reais, a Super conversou com o Osmar e o Ernesto. Confira como foi o papo:
Super: No filme, um dos personagens comenta que não se sabe exatamente por completo como os tornados são formados. Isso é verdade? O que falta a ser descoberto?
Osmar Pinto Júnior: Bem, isso é verdade. Principalmente, o que não se sabe é quando vai ocorrer um tornado. Porque se sabe o tipo de tempestade que é capaz de produzir o tornado; agora, se ele vai acontecer ou não, é um detalhe, uma nuance. Muitas vezes, sai um funil da nuvem e ele não chega no solo, então o tornado não acontece. Então isso a ciência não sabe dizer ainda com certeza se uma nuvem vai produzir um tornado ou não, e se vai produzir, onde exatamente ele vai acontecer.
Existem tecnologias que conseguem prever a formação de um tornado?
Osmar: Já existem tecnologias para prever, só que elas têm uma margem de erro. Elas dizem “essa tempestade que está acontecendo em um determinado local nos Estados Unidos, tem uma chance média ou alta de acontecer um tornado”. Mas é tudo uma questão de probabilidade.
E aí existe uma margem de erro, e quando se trata desse tipo de fenômeno, que os danos são significativos, inclusive com vidas, o ideal é que não haja margem de erro. Mas a margem de erro existe. E a gente tem que lidar com isso. É a mesma coisa com os raios também. Você sabe quando é que uma nuvem tem condição de produzir raios, mas o instante que vai acontecer o raio exatamente e o local exato que ele vai cair, a gente ainda não tem como prever.
No filme, os pesquisadores desenvolveram uma espécie de tecnologia capaz de desfazer um tornado. Isso é possível?
Osmar: Não, isso em tese não é possível. Essa parte, vamos dizer, ainda é ficção.
Por que acontecem tantos tornados nos EUA?
Osmar: Bem, em primeiro lugar, os tornados também acontecem no Brasil, principalmente na região Sul, no Sudeste e também no Centro-Oeste. As outras regiões também ocorrem, mas em menor quantidade.
A ocorrência é menor do que nos Estados Unidos. E por quê? Porque existe uma série de condições favoráveis nos Estados Unidos para que as tempestades produzam tornados.
E uma dessas questões é você ter um movimento circulatório dentro da nuvem muito grande. Essas nuvens ficam girando, e as condições meteorológicas nos Estados Unidos favorecem esse tipo de nuvem lá naquela região mais do que aqui.
Por que o Brasil é o campeão mundial de raios?
Osmar: Bem, isso é porque o Brasil é o maior país da região tropical do planeta. A região tropical é aquela região, vamos dizer assim, central, região mais quente, entre mais ou menos 23 graus de latitude, que praticamente é o Brasil inteiro. Esse calor favorece a formação de mais tempestades e mais raios.
Recentemente, saiu uma pesquisa que fala da necessidade de mudar os parâmetros de classificação dos tornados. Isso tem relação com a maior ocorrência de eventos climáticos extremos?
Ernesto Paglia: Esses filmes foram feitos com um intervalo de três décadas, e é uma coisa impressionante a gente perceber que aquilo que era talvez ficção 30 anos atrás hoje está se tornando cada vez mais frequente. A realidade está superando a criatividade dos roteiristas.
Hoje não precisa mais de Spielberg para a gente ver grandes desastres, catástrofes ambientais de verdade. Eu também adoro filmes de catástrofe, mas infelizmente, a gente hoje não pode ignorar que essas catástrofes também estão acontecendo do lado de fora do cinema, do lado de fora do streaming.
A gente está vendo aí o que aconteceu com os nossos irmãos gaúchos. E a tendência, segundo os cientistas, como o doutor Osmar, é que os eventos extremos se intensifiquem.
Do início da Revolução Industrial para cá, o nível médio dos mares se elevou em 24 centímetros. E algumas previsões estão esperando até o final deste século uma elevação de 40 centímetros. Veja só, foram quase dois séculos para subir 24 centímetros e agora nós estamos aqui com menos de 80 anos pela frente para subir 40. Então, o ritmo está muito alterado, está tudo muito veloz, e a gente tem que ter essa consciência.
Como o cinema pode ajudar na conscientização dos eventos climáticos extremos que estão ocorrendo?
Ernesto Paglia: Olha, eu acho que a ficção, como o doutor Osmar já disse em outra ocasião, ela ajuda a ciência, porque levanta a consciência, aumenta o grau de atenção que as pessoas têm para esses fenômenos.
Quando o cinema move suas alavancas, coloca a sua máquina para funcionar, realmente é irresistível. Eu espero que esses filmes ajudem muito a colaborar com a conscientização do público para a necessidade da gente se engajar em atividades a favor da nossa permanência no planeta, porque é disso que nós estamos falando. Enquanto a gente não arruma outro lugar para morar, temos que cuidar deste aqui.
Quais os desafios em se fazer uma série sobre desastres climáticos e eventos climáticos extremos, sem cair no sensacionalismo de que o mundo vai acabar?
Ernesto Paglia: Eu acho que a gente tem realmente que tomar muito cuidado para não ser catastrofista. A ficção pode fazer isso, pode se permitir. Mas cientistas como o doutor Osmar e jornalistas como nós temos que levar adiante a dimensão correta do que se sabe hoje.
E o que se sabe hoje já é suficientemente preocupante. A gente não precisa apelar para nenhum cenário catastrófico ou uma sinistrose, porque isso acaba, na minha opinião, sendo um tiro no pé.
No momento em que você fala para uma juventude que ela não tem futuro, ela perde a vontade de lutar por esse futuro. Então, acho que é só essa mensagem que eu queria deixar
Osmar: A ideia é a gente levar o conhecimento que existe, o conhecimento sólido que existe, que hoje já é suficiente para mostrar a gravidade da situação que nós vivemos. Não há necessidade de a gente colocar também ficção.
Agora, há espaço para a ficção, porque há um público interessado em assisti-la. E para que esse público se interesse pelos fatos reais, nada como um filme para atrair. Mas, da nossa parte, nós vamos trabalhar com os fatos.