Desafio Pepsi: como foi o capítulo mais emblemático da “guerra das colas”
A Pepsi e a Coca surgiram na mesma época – mas a disputa se intensificou nos anos 1980, com campanhas de marketing que entraram para a história. Confira.
Em fevereiro deste ano, a Sony gastou US$ 1 milhão para comprar um roteiro intitulado “Cola Wars” (“Guerra das Colas”). O projeto, que não tem previsão de início das filmagens e muito menos de estreia, conta a história da disputa da Coca-Cola e da Pepsi pelo mercado de refrigerantes.
Hollywood anda bastante interessada em filmes sobre produtos. Alguns exemplos de 2023: Air (sobre o tênis Air Jordan, da Nike), Barbie, Blackberry, Tetris e até Pop-Tart, sobre um popular doce americano (e que passou despercebido no catálogo da Netflix).
Mas, afinal, será que um filme sobre refrigerantes seria interessante? Provavelmente, sim: a disputa centenária entre Coca e Pepsi, que se intensificou nos anos 1980, é talvez a maior batalha corporativa da história, estudada em cursos de administração e marketing mundo afora. Ela envolve campanhas publicitárias icônicas, celebridades, CEOs de peso e até casos de espionagem industrial.
Vamos entender esse embate.
Eterno vice
A Coca-Cola surgiu em 1886 em Atlanta, nos EUA. Seu criador, o farmacêutico John Pemberton, adaptou o preparo de uma bebida francesa para criar um remédio contra dores de cabeça – que logo conquistou o paladar de quem não estava doente. Em 1888, de olho no potencial da bebida, o empresário Asa Griggs Candler comprou a receita de Pemberton e deu início ao império alimentício.
Em 1893, apenas sete anos depois do surgimento da Coca, outro farmacêutico americano, Caleb Bradham, criou o Brad`s Drink (“a bebida do Brad”), que em 1898 foi rebatizado como “Pepsi-Cola”. Nascia aí a Pepsi, mais um refrigerante feito com noz de cola para competir pelos consumidores americanos (e no resto do mundo).
Foi uma batalha desigual no começo. A Coca, já bem estabelecida no mercado, conseguiu suportar os solavancos econômicos durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a quebra da bolsa de Nova York, em 1929. A Pepsi não teve a mesma sorte e declarou falência duas vezes, em 1923 e 1931. A empresa chegou, inclusive, a oferecer à Coca que a comprasse. Mas a Coca não quis.
Com o tempo, a Pepsi conseguiu se recuperar. A empresa oferecia refris a um preço competitivo – e, em 1965, fundiu-se com a Frito-Lay, detentora de marcas como Cheetos, Lays e Doritos. A união deu origem à PepsiCo (que, hoje, é a segunda maior empresa alimentícia do mundo, atrás apenas da Nestlé).
Mas, apesar da estabilidade financeira, a Pepsi ainda patinava na competição com a Coca-Cola, especialmente nas campanhas de marketing.
Em 1971, a Coca lançou uma propaganda chamada “Hilltop”, em que juntou jovens de todo o mundo no topo de uma colina. A campanha associou o refrigerante com a ideia de confraternização mundial – e de que a bebida era onipresente na Terra.
O elenco jovem e a mensagem de “Hilltop” foram uma espécie de resposta para a “Geração Pepsi”, uma campanha da concorrente que existia desde os anos 1960 e que associava a marca com o público mais jovem (em contraste com a Coca, que normalmente se apoiava na nostalgia). “Hilltop” foi um sucesso – e obrigou a Pepsi a revidar.
O Desafio Pepsi
Em 1970, John Sculley, que havia entrado na Pepsi como um trainee na década anterior, tornou-se o mais jovem vice-presidente de marketing da companhia (ele tinha 30 anos na época). E seu objetivo era claro: destronar a Coca-Cola no ramo de refris.
Sob o comando de Sculley, a Pepsi conduziu suas primeiras pesquisas com consumidores, que ajudaram a desenvolver novos produtos (como garrafas de refrigerante de dois litros). A empresa passou a investir pesado em marketing, e campanhas da Geração Pepsi passaram a se tornar mais presentes na TV.
Sculley assumiu a divisão de comidas da PepsiCo, que estava dando prejuízo, e fez com que ela começasse a lucrar. A sequência de êxitos o levaram, em 1977, a virar o mais jovem CEO da empresa.
Mas talvez o maior legado de Sculley tenha começado dois anos antes, em 1975. O executivo liderou a criação do Pepsi Challenge (“Desafio Pepsi”), uma campanha publicitária que batia de frente com a Coca-Cola.
O desafio funcionava assim: em um teste às cegas, consumidores experimentavam amostras de Pepsi e de Coca-Cola, sem saber qual era qual. Ao final, deveriam escolheram a bebida que mais havia lhes agradado.
O resultado, claro, você já deve imaginar: todo mundo preferia Pepsi.
A campanha fez um enorme sucesso e fez as vendas aumentaram. Nos anos 1980, a empresa conquistou a liderança em supermercados (a Coca ainda mantinha vantagem em restaurantes e máquinas de refri). Naquela década, as propagandas da Pepsi reuniam os maiores artistas do momento, como Michael Jackson, Lionel Ritchie e Tina Turner.
O êxito fez Sculley ser chamado pela Apple para comandar a empresa (e usar sua experiência em marketing para vender computadores). E obrigou a Coca a criar um novo produto – que foi um desastre.
O fracasso da New Coke
Em 1985, visando recuperar a sua fatia de mercado, a Coca lançou a “New Coke” (“Nova Coca”). Não era apenas uma nova embalagem, mas sim uma reformulação completa na receita tradicional.
Mas o sabor, mais adocicado que o original, desagradou o público: a empresa recebeu mais de 400 mil cartas criticando a mudança. Em apenas 79 dias, e Coca voltou atrás e retomou a receita.
A New Coke continuou no mercado por mais algum tempo sob o nome “Coke 2” – mas é considerada até hoje como um dos maiores fiascos da companhia. Em 1985, a Pepsi estampou uma propaganda no jornal New York Times, alegando que havia vencido a guerra das colas.
(Em 2019, diga-se, a Coca relançou a New Coke. Era uma edição comemorativa ao lançamento da terceira temporada de Stranger Things, que se passa em 1985, ano de criação do refri. Saiba mais neste texto da Super.)
A guerra continua?
O Desafio Pepsi, é bom dizer, não tem nenhuma validade científica. Em alguns dos testes, suspeita-se que as Cocas estavam muito mais geladas que as Pepsi, o que afetaria na sua percepção de sabor. Além disso, uma pesquisa com vinhos mostrou que, em testes cegos, existe uma tendência de optarmos por sabores mais doces (o que pode explicar a preferência por Pepsi e até a decisão de criar a New Coke).
Nos anos 1990, a Pepsi seguiu investindo pesado em publicidade. Na época, ela lançou outra campanha de enorme sucesso, a “Pepsi Stuff”, que estimulava as pessoas a juntarem pontos comprando refrigerantes que, posteriormente, poderiam ser trocados por brindes.
Mas o tempo provou que, no longo prazo, a Coca-Cola venceu a guerra. Ela recuperou sua fatia de mercado e, hoje, a Coca clássica corresponde a 19,2% do setor. A Coca Diet, uma bem-sucedida invenção dos anos 1980, é o quinto refri mais consumido.
A Pepsi sequer está na segunda posição: um relatório de 2023 a coloca em terceiro lugar, com 8,31% do setor. A vice-liderança, por uma pequena vantagem, é da Dr. Pepper, com 8,34% (a marca, diga-se, vem atraindo consumidores mais novos com sabores diferentões).
E por que será que, mesmo com o “resultado” do Desafio Pepsi, as pessoas continuam consumindo mais Coca-Cola?
Em 2004, uma pesquisa americana analisou o cérebro de voluntários que beberam Coca e Pepsi em dois momentos: em um, era um teste cego; no outro, eles sabiam quais marcas estavam consumindo. Nesta segunda etapa, houve maior atividade no córtex pré-frontal, uma região cerebral associada a pensamentos de nível superior.
Ou seja: saber o rótulo nos faz tomar decisões racionais baseadas não apenas no sabor, mas na memória e nas experiências que associamos àquela marca. Mesmo com campanhas marcantes, a Pepsi não conseguiu introjetar na cabeça da maioria das pessoas o sentimento que a Coca-Cola desperta. E é por isso que ela jamais conquistou o primeiro lugar no mercado.
Ao que tudo indica, apelar para a nostalgia para ser o refrigerante oficial da sua ceia de Natal parece ter funcionado para a Coca.