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Do neolítico a D. Pedro II: a história da esfiha e sua chegada ao Brasil

Elas podem ter mil recheios: cordeiro, pasta de pimentão, pinoli e até salsichas curadas. E a versão fechada sequer se chama "esfiha".

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 28 ago 2023, 12h30 - Publicado em 17 ago 2023, 17h40

Em 11 de novembro de 1876, D. Pedro II (e mais uma comitiva de 200 pessoas) desembarcaram na cidade de Beirute, no atual Líbano. Foi parte de uma extensa viagem internacional do imperador, que durou um ano e meio e passou por lugares como EUA, Rússia e o norte da África.

Pedro era um entusiasta da cultura árabe (ele aprendeu o idioma traduzindo contos de As Mil e Uma Noites). Uma passadinha no Oriente Médio, então, não poderia ficar de fora. Mas a estadia gerou mais do que um diário de viagem do rei: ela impulsionou a imigração de sírios e libaneses para o Brasil.

Fugindo da escassez de terras e da perseguição religiosa do Império Otomano (que durou até 1922 e seguia a fé islâmica), muitos árabes cristãos emigraram para outros países em busca de uma vida melhor. Na época em que D. Pedro II esteve no Líbano (que só viraria um Estado de fato em 1941), já havia árabes no Brasil – mas a sua visita, acompanhada de perto pela mídia local, teve um papel importante para apresentar o país como um destino possível.

O convite estava feito – e os árabes vieram. Entre 1884 e 1933, o Brasil recebeu 130 mil sírios e libaneses (65% deles, cristãos). A maior parte se fixou em São Paulo e foi trabalhar no comércio. Viraram mascates (vendedores viajantes), abriram lojas, fábricas – e restaurantes. Hoje, há 11,6 milhões de árabes e descendentes vivendo no Brasil, e a sua culinária é onipresente: kibe, homus, coalhada seca – esfiha.

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Não dá para cravar quando a esfiha surgiu. Pães achatados já eram consumidos há milhares de anos na região do Levante, a porção norte do Oriente Médio (ṣafīḥa, em árabe, significa “folha”, “lâmina”, “placa fina”). Cada povo desenvolveu um modo de produzi-los, como em um saj (aquelas chapas metálicas redondas) ou num tanur (forno cilíndrico; os pães assam colados à parede, na vertical).

Na Idade Média, a popularização do furn (um grande forno a lenha, como o de pizza) permitiu que os pães pudessem ser recheados ou cobertos. Para o café da manhã, era comum salpicar a massa com queijo ou zaatar (uma mistura de temperos); para o almoço, carne. Não à toa, as esfihas são comumente chamadas por lá de lahm b’ajin (ou apenas lahmajin) – “carne com massa”, em árabe.

Vários países reivindicam a criação da esfiha, e há um sem-fim de recheios e formatos. No Líbano, alguns lugares servem versões com massa folhada. Além da carne, batata, espinafre e escarola são sabores comuns. Na Síria, costuma-se colocar pinoli; na Turquia, uma pasta feita com pimentões vermelhos. Os armênios também fazem esfihas com sujuk, uma espécie de salsicha curada (e bem temperada) feita a partir de carne bovina ou de cordeiro.

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(Curiosidade: o que nós chamamos de “esfiha fechada”, de formato triangular e com a massa mais grossa, não é exatamente uma esfiha. No Oriente Médio, é chamado de fatayer. Além da carne, outros recheios comuns são o espinafre e o queijo feta.)

A receita abaixo foi elaborada com a ajuda do libanês Ahmad Mehri, dono do restaurante Syria, em São Paulo. Experimente – e sinta-se livre para moldar a massa e modificar o recheio à sua maneira. Essa é uma das belezas da gastronomia, afinal. 

(Este post é mais um da série da Super sobre comidas estrangeiras favoritas dos brasileiros. Leia outros aqui nos links relacionados:)

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A receita

Rendimento: de 15 a 25 esfihas (depende do tamanho)

Ingredientes

500g de farinha de trigo tipo 1;
250 ml de água;
1/2 colher de chá de sal;
1/2 colher de sopa de açúcar;
1/2 xícara de chá de óleo;
500g de carne moída (se puder, peça ao açougueiro para moê-la duas vezes);
1 cebola média, picada;
De 2 a 4 tomates médios, picados (e sem sementes);
Baharat, mix libanês de sete temperos (em geral, pimenta-do-reino, pimenta-da-jamaica, coentro, canela, cominho, noz moscada e cravo);
Sal a gosto.

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Modo de preparo

1 – Junte a farinha, o sal e o açúcar. Adicione o óleo aos poucos e vá mexendo. Faça o mesmo com a água.

2 – Sove a massa até ficar homogênea e desgrudar da mão. Se precisar, adicione farinha e água para acertar a consistência. Deixe descansar por 1h.

3 – Enquanto isso, hora de fazer o recheio. Junte a carne, o tomate, a cebola e o mix de temperos. Experimente cru e ajuste o sal. Coloque a carne em uma peneira ou num escorredor de macarrão por uma hora.

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Dica do chef: Você pode criar um blend com 60% de carne bovina e 40% de carne de cordeiro (paleta ou pernil moído). Mais gordurosa, ela é um recheio tradicional no Líbano. Quanto ao baharat, ele é como o curry indiano: não há uma receita única.

4 – Para abrir a massa, jogue um pouco de farinha sobre a mesa e faça bolas (cada uma dará origem a uma esfiha). Na hora de abri-las, deixe-as bem finas.

5 – Ponha a carne crua nos discos de massa e espalhe bem. Não exagere – o lance aqui é criar um disco fino, tanto de massa como de recheio.

6 – Leve ao forno pré-aquecido no talo. O ideal é um modelo com grelhas em cima e embaixo. Quando as esfihas estiverem douradas, está pronto. Sahtein*.

    *”Bom apetite”, em árabe.

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    Brimos: Imigração sírio-libanesa no Brasil e seu caminho até a política

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