Documentário investiga a inteligência dos elefantes – e os esforços para proteger a espécie
A Super bateu um papo com a conservacionista Paula Kahumbu, que participa da série "Segredos dos Elefantes", do Disney+. Confira.
Os elefantes têm um cérebro complexo. São 257 bilhões de neurônios – três vezes mais do que os humanos.
Ora, então por que eles não estão por aí descobrindo planetas, escrevendo poemas, produzindo cerveja artesanal? Porque a distribuição não é a mesma nas duas espécies.
O cerebelo (responsável pelo equilíbrio corporal e a atividade motora) humano tem aproximadamente 70 bilhões de neurônios; o dos elefantes, 251 bilhões (97,5% do total). Por outro lado, o córtex cerebral deles têm 5,6 bilhões de neurônios; o nosso, 16 bilhões. O córtex é a parte responsável, sobretudo, pelo raciocínio lógico e pela linguagem.
Mas quantidade de neurônios não é o melhor parâmetro para medir inteligência – especialmente quando falamos de inteligência animal. A verdade é que nós somos tão bons no que precisamos fazer para sobreviver quanto os elefantes. O cérebro humano foi desenhado ao longo de milhões de anos de evolução para se sair bem em tarefas específicas – assim como o deles.
Os elefantes, com o tamanho que tem, acabaram desenvolvendo muito mais o cerebelo do que o seu córtex. Só a tromba do mamífero tem mais de 40 mil músculos (o corpo humano, em comparação, tem apenas 600).
Não só: a tal “memória de elefante” existe – e tem uma importante função.
“Os elefantes vivem em paisagens muito vastas e diversificadas, onde têm de navegar por terrenos e situações muito difíceis. E o seu cérebro grande permite que eles memorizem paisagens, membros das suas famílias, cheiros”, afirma a Paula Kahumbu, doutora em ecologia e conservacionista, em entrevista à Super. “O cérebro de um elefante, quando dissecado, é ainda mais complexo do que o cérebro humano. Eles estão usando diferentes partes de seus cérebros de uma forma que não fazemos.”
Nascida no Quênia, país com alta biodiversidade, Kahumbu se interessou pelos elefantes justamente por sua alta inteligência. “Eu já tinha estudado babuínos. Fui ver diferentes tipos de macacos e florestas, mas a experiência com elefantes foi impressionante. Eu tinha que estudá-los.”
Gente como a gente – ou quase
Para Kahumbu, o comportamento dos elefantes se assemelha ao dos humanos em alguns aspectos – o que já rendeu a ela interações inusitadas com os bichos.
“Certa vez, estava filmando um elefante chamado Enid. Apontei a câmera para um amigo que estava do meu lado, e pedi para que ele desse um ‘oi!’. Em vez disso, ele se virou para o elefante e disse: ‘oi, Enid!'”. Imediatamente, Enid e sua família, que estavam se alimentando, começaram a andar em direção ao carro de Paula, levantaram as suas trombas e, depois, continuaram andando.
Seria esse o equivalente dos elefantes ao “toca aqui”? “Foi como se eles soubessem que estávamos dizendo ‘oi’ para eles. Foi muito interessante”, conta Paula.
No final das contas, os elefantes são criaturas tão complexas quanto nós. A diferença está apenas no uso dos cérebros: enquanto nós usamos para escrever textos, fazer contas e pagar boletos, os elefantes se concentram em movimentar a tromba e manter seu enorme corpo de pé. Mas ambos precisam lembrar quem são os seus parentes, os lugares que visitaram – e como se comunicar.
“Se usarmos nossos cérebros da maneira que eles usam, provavelmente teremos uma interpretação completamente diferente do mundo. Eles têm segredos que nunca seremos capazes de entender, porque nossos cérebros não são conectados da mesma maneira que eles, eles realmente estão usando seus cérebros de maneira muito, muito diferente de nós.”
Da savana para as telas
São justamente esses segredos que Kahumbu e a equipe do National Geographic investigam no documentário Segredos dos Elefantes, dividido em quatro episódios. Com produção do cineasta James Cameron (Titanic, Avatar), a série está disponível no Disney+.
Cada episódio se concentra em um ecossistema: savanas, desertos, florestas tropicais – e um capítulo focado na Ásia (existem 50 mil elefantes no continente). “Em todos os locais que visitamos, pudemos conversar com as pessoas que trabalham diretamente com esses animais. Foi realmente muito especial.”
O desafio da conservação
Além dos aspectos informativos, Paula espera que o documentário sirva também como forma de aumentar a conscientização sobre a situação desses animais, ameaçados de extinção. Mas ela ressalta: os esforços de conservação precisam de lideranças locais.
“Muitas iniciativas que atuam no hemisfério Sul, por exemplo, são idealizadas por organizações ou pessoas do Norte, que tem uma experiência e entendimento muito diferentes – e às vezes até inferiores – da situação da região. Isso significa que, por mais bem intencionados que sejam, esses projetos podem acabar desperdiçando recursos, tempo e oportunidades.”
“Precisamos nos concentrar. Se vamos levar a sério a tarefa de salvar esses animais incríveis devemos fazer o que for necessário para conquistar os corações e as mentes das pessoas nos lugares onde os elefantes estão, reconhecê-los e recompensá-los adequadamente, para que eles se tornem a primeira linha de defesa”, continua. “Não é sustentável enviarmos cientistas da América do Norte ou da Europa, ou de qualquer outro lugar, para a África, a Ásia ou a América do Sul. Não é eficiente.”