Eleição de juízes? Entenda por que México optou por votação inédita no mundo
A medida, uma conquista da presidente Claudia Sheinbaum, divide opiniões. Veja os argumentos contra e a favor.

No dia 1 de junho de 2025, as democracias do mundo inteiro observaram uma eleição incomum. No México, o povo foi às urnas eleger seus representantes no Poder Judiciário. É a primeira vez que isso acontece a nível nacional em todo o mundo.
Membros da Suprema Corte, magistrados regionais e juízes de distritos foram escolhidos por meio do voto popular. O objetivo é realizar uma reforma judicial para democratizar o terceiro poder.
No último final de semana, foram eleitos: nove ministros da Suprema Corte; dois magistrados da Sala Superior do Tribunal Eleitoral; 15 magistrados regionais do Tribunal Eleitoral; 386 juízes de distrito; 464 magistrados de circuito e cinco magistrados do Tribunal de Disciplina Judicial.
A ideia surgiu do movimento político Quarta Transformação (4T), lançada pelo ex-presidente Andrés Manuel López Obrador, que governou de 2018 a 2014. Na época, a ideia não teve votos suficientes no Congresso. Foi a atual presidente Claudia Sheinbaum, do mesmo partido de Obrador, que garantiu a reforma no ano passado.
A medida, aprovada após uma reforma constitucional de ampla repercussão, é descrita por seus defensores como um passo radical na democratização do Judiciário. Seus críticos, porém, veem nela uma ameaça sem precedentes à independência de juízes e cia. Há também o receio que narcotraficantes possam influenciar na votação, ajudando magistrados corruptos a serem eleitos.
A presidente rejeitou as críticas e insistiu que a eleição apenas tornaria o país mais democrático e erradicaria a corrupção. “Quem diz que há autoritarismo no México está mentindo”, disse ela. “O México é um país que está se tornando mais livre, justo e democrático porque essa é a vontade do povo.”
A proposta surge em um contexto de profunda desconfiança popular frente ao Judiciário. Um dos argumentos da chapa eleita é que a maioria dos mexicanos acreditam que esse poder está distante da população e favorece elites econômicas e políticas. “O povo deve decidir quem são seus juízes, assim como escolhe seus presidentes e legisladores”, defendeu o próprio López Obrador durante a cerimônia de sanção da reforma.
Especialistas alertam que, ao submeter juízes às regras do jogo eleitoral (financiamento de campanha, propaganda, alianças etc.), corre-se o risco de importar para o Judiciário os mesmos vícios da política tradicional.
“Para mim, tem sido um grande desafio intelectual tentar entender a reforma”, disse à BBC a analista mexicana Viri Ríos, doutora pela Universidade de Harvard e especialista em políticas públicas e governo. “Estamos vivendo um momento marcante na história do México. E é um momento para questionarmos muitos dos dogmas sobre os quais se sustenta a democracia liberal”, acrescenta.
Na opinião da analista, o novo Poder Judiciário será um reflexo do país. “Vamos ter narcotraficantes sendo juízes? Façamos um exercício de honestidade intelectual: temos prefeitos no México que respondem ao narcotráfico? Claro que sim, não há dúvidas. Quando me dizem que vão destruir o Poder Judiciário puro e profissional que tínhamos, eu penso: em que país vive essa gente?”, questiona.
Embora inédita nesse formato, a eleição de membros do Judiciário não é completamente desconhecida. Alguns estados dos EUA elegem juízes locais e estaduais. Talvez você se lembre que, em um dos episódios da série Um Maluco no Pedaço, Philip Banks (James Avery) disputa uma eleição do tipo.
A prática, porém, é alvo de críticas há décadas. Diversos estudos mostram que juízes eleitos nos EUA tendem a aplicar penas mais severas em anos eleitorais e a tomar decisões mais alinhadas com financiadores de suas campanhas.
No México, onde o voto não é obrigatório, apenas 13% dos mexicanos compareceram às urnas, um recorde negativo em uma eleição federal. Apesar disso, Sheinbaum descreveu o processo como “um sucesso completo”, acrescentando: “O México é o país mais democrático do mundo”.