O fim da criatividade em Hollywood
As grandes produtoras tentam se salvar investindo praticamente só em sequências, personagens conhecidos e fórmulas manjadas. Mas a história deixa claro: isso é um tiro no pé
Alexandre Carvalho dos Santos
O melhor cartão de visita do planeta tem só 22 letras: The name is Bond. James Bond. Já vêm à cabeça um dry martíni “mexido, não batido” e o arsenal de gadgets mortíferos. Todo o imaginário do agente secreto mais charmoso do mundo, que se firmou ao longo de 50 anos nas telas: de 007 Contra o Satânico Dr. No – a estreia em 1962, com Sean Connery – ao novo Skyfall, com Daniel Craig. São 23 filmes, a maior franquia da história do cinema.
E agora um vilão com mais de 30 anos de tela vai voltar das cinzas – ou da Estrela da Morte: Darth Vader. E pelas mãos do Mickey Mouse. Porque a Disney acaba de fechar um negócio das galáxias, comprando a Lucasfilm – a produtora de George Lucas – por US$ 4 bilhões. A nova dona da marca Star Wars não perdeu tempo em anunciar mais uma trilogia, para 2015. É outra aposta à prova de azar de uma empresa que não quer saber de riscos, investindo em marcas que já chegam ao cinema com um público formado – as outras foram a Pixar e a Marvel (veja mais na pág. 42).
Natural: as franquias são uma aposta segura. Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge alcançou US$ 447 milhões nas bilheterias americanas. Os Vingadores, então, US$ 623 milhões. Para efeito de comparação, o último filme do Woody Allen – Para Roma, com Amor – fez US$ 16 milhões. Na primeira semana de exibição, de cada US$ 3 gastos com ingresso para cinema nos EUA, um ia para o filme com os heróis da Marvel. A tendência é clara: os fãs fazem fila para ver personagens que já conhecem. Caso contrário, preferem ficar em casa com suas TVs de Led.
Por conta disso, as produtoras decidiram colocar todos os ovos na cesta das franquias. Em 2008, por exemplo, a Warner fechou duas subsidiárias especializadas em filmes independentes – a Warner Independent Pictures e a Picturehouse – alegando foco no “custo x benefício”. A própria Disney, que tinha comprado a indie Miramax em 1993, repassou-a em 2010 para o Filmyard Holdings, um grupo de investimentos. Naquele mesmo ano, outra independente famosa, a Weinstein Company, só se salvou do buraco porque vendeu os direitos de mais de 200 de seus títulos para o grupo Goldman Sachs.
Esse eterno retorno às sequências pode parecer bom no momento para os cofres das produtoras, mas acaba sendo ruim para o cinema – e sobrando para o lado delas também. A falta de renovação, afinal, enfraquece a própria vontade do espectador de sair da sua casa, pagar estacionamento e pipoca para ver mais do mesmo. Ou seja: até os blockbusters acabam sofrendo o baque. Nos EUA, a bilheteria de 2012 foi a pior desde 1995. Com Batman e tudo.
No fim das contas, abdicar da renovação sai caro para a indústria. Nos anos 70, foi um grupo de jovens criativos e ousados que tirou da lama o cinema americano – então num poço sem fundo por conta da concorrência da TV e do conservadorismo dos estúdios, que não acompanhavam a revolução comportamental da época. A venda de ingressos, que em 1946 tinha atingido o auge histórico de US$ 78,2 milhões por semana, despencou para US$ 15,8 milhões em 1971. Esses jovens, veja bem, eram Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, Martin Scorsese… e o próprio George Lucas. Eles romperam com a tradição e se arriscaram em filmes “de autor”, à moda europeia, nos quais o estilo do diretor tem de estar acima dos padrões do estúdio. Optaram muitas vezes por atores pouco conhecidos, personagens anti-heróis e tramas sem final feliz. Acertaram na Mega Sena. O principal ingrediente da nova fórmula era justamente a independência (em relação ao que o estúdio imaginava que fosse dar certo). Se os produtores ficassem com a última palavra, o baixinho Al Pacino, por exemplo, não passaria do primeiro ensaio para O Poderoso Chefão. Coppola teve de bater o pé e se fingir de surdo para manter seu Michael Corleone.
Mas, no começo dos 70, os estúdios estavam tão desnorteados com a crise que toparam deixar a responsabilidade para aqueles hippies com câmera na mão. Resultado: Taxi Driver (Scorsese), Tubarão (Spielberg), além do próprio Chefão – e de Star Wars. Filmes que não tinham nada a ver com a fórmula hollywoodiana dos anos 50 e 60. O público adorou. As bilheterias venderam horrores, e os estúdios foram salvos. Justamente porque contrariaram as próprias regras.
Só que agora as produtoras estão na contramão disso. Em vez de dar espaço para a invenção, elas estão amarrando diretores criativos em padrões já testados. O diretor dos últimos Batman, Christopher Nolan, foi celebrado como um artista original em 2000, com Amnésia, um filme contado de trás para a frente. Na época, o diretor levou só 25 dias para filmar tudo, e desistiu de incluir Paranoid Android, do Radiohead, na trilha sonora porque o custo não cabia no orçamento, de US$ 9 milhões. Agora, dirigindo a franquia do justiceiro de Gotham, ele pôde gastar US$ 250 milhões. Mas com a obrigação de não sair da fórmula do herói blockbuster.
Os estúdios podem usar números recentes para alegar rejeição do público à criatividade. Vencedores do Oscar como O Artista (filme P&B e mudo) e Guerra ao Terror (que desbancou Avatar na premiação) fizeram sucesso com a crítica, mas se deram mal nas bilheterias. Só que, olhando só por esse lado, os produtores talvez estejam sofrendo da mesma amnésia do filme de Nolan. Porque a geração dos 70 mostrou que a liberdade criativa não serve apenas para revelar gênios do cinema: ela também é ótima vendedora de ingressos e de pipoca.