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Gente malvada merece morrer?

Uma ficção filosófica que explora os limites da justiça e da vingança

Por Alexandre de Santi (edição: Bruno Garattoni)
Atualizado em 23 out 2020, 16h53 - Publicado em 12 nov 2015, 16h30

Livro: Crime e Castigo
Autor: Fiódor Dostoiévski
Ano: 1866
Por que ler? Poucos autores nos fizeram pensar tão a fundo sobre os limites da moral e das leis.

Elogiado por seu romance de estreia, Gente Pobre, Fiódor Dostoiévski principiava no meio literário quando, em abril de 1849, aos 27 anos, foi preso acusado de integrar um grupo clandestino e conspirar contra o imperador Nicolau I da Rússia. Escapou do pelotão de fuzilamento, mas amargou longos anos de trabalhos forçados em uma prisão na Sibéria e depois no Cazaquistão. Confinado junto a assassinos e estupradores, enfrentou o medo e conheceu as profundezas da mente humana. Quando deixou o exílio, carregava consigo problemas e conceitos que fariam de seus livros clássicos da literatura mundial.

Publicado em 1866, Crime e Castigo (que pode ser baixado gratuitamente), nono romance do autor, conta a história de Ródion Ramanovich Raskolnikov, um pobre estudante que mata a golpes de machado uma velha agiota a quem deve dinheiro e por quem se sente explorado. Aliena Ivánovna humilha e tortura psicologicamente os clientes desesperados de quem cobra juros astronômicos e por quem não demonstra qualquer piedade. Raskolnikov convence a si mesmo de que não é tão errado matar uma pessoa tão maldosa, de quem o mundo não sentirá falta. O crime, no entanto, inesperadamente torna-se um duplo homicídio quando Raskolnikov é surpreendido pela presença de Lisavieta, irmã mais nova da vítima, que também é morta com golpe de machado.

Apesar de escapar impune, o personagem começa a sofrer com a culpa e com a tensão dos seguidos interrogatórios feitos pelo juiz do caso. Na brilhante narrativa, Dostoiévski aproxima o leitor do dilema do protagonista: negar o crime e viver atormentado pelo remorso ou confessar os assassinatos para ter a chance de redenção? Influenciado pela religiosidade de Sônia, prostituta miserável por quem acaba apaixonado, Raskolnikov confessa as atrocidades e é condenado a oito anos de prisão na Sibéria, onde começa sua reabilitação moral, exatamente na região em que o próprio Dostoiévski cumpriu pena e observou com lupa os dilemas morais dos seus colegas de cárcere.

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Uma das marcas do escritor é justamente o caráter autobiográfico de alguns escritos, que colaboraram para o realismo característico de sua obra. Dostoiévski tinha problemas com a jogatina e teria perdido grandes somas de dinheiro em cassinos europeus, tema presente em O Jogador. Era militante político crítico do regime, faceta explorada em Os Demônios. Os tempos na prisão renderam passagens em vários livros. Talvez o maior talento do autor russo tenha sido transformar os aprendizados em experiência universal, tornando sua vida fonte de reflexões e não apenas um compilado de lembranças.

Ficção Filosófica

A importância de Crime e Castigo foi mostrar o romance como poderosa plataforma para ideias, teses e reflexões, ajudando a consolidar o estilo literário como gênero mais popular e importante dos tempos seguintes. O livro de Dostoiévski não é a simples história de um assassino, é um ensaio apurado da natureza humana: mostra todos os meandros da racionalização que o protagonista faz do seu crime, avaliando ser justo matar a perversa dona da casa de penhores por achar que é moralmente superior à vítima. É uma história que debate a moral e questiona os homens tomando decisões acima da legalidade.

O livro vai além: é um estudo do arrependimento, uma parábola da remição, um romance em que a violenta cena principal é apenas pano de fundo para algo maior, um passeio pela consciência de um criminoso.

Crime e Castigo é um tratado de psicologia, sociologia e filosofia travestido de romance, uma inovadora narrativa de cunho existencialista que influenciou os trabalhos de muitos pensadores ocidentais, entre eles Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud e Jean-Paul Sartre, e implantou um estilo literário perseguido por escritores do quilate de Albert Camus, George Orwell, Marcel Proust, Franz Kafka e Ernest Hemingway.

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Se fosse filósofo ou teórico, o russo teria discutido os mesmos temas numa linguagem própria para as salas de aula, laboratórios de pesquisa ou gabinetes acadêmicos. Mas, ao se apropriar da ficção para questionar os limites da moralidade, costurando os dilemas do personagem numa narrativa apaixonante, aproximou o público leigo de temas espinhosos sem perder o apelo popular.

Em meio à derrocada do protagonista, Crime e Castigo fala também sobre mazelas de uma Rússia pobre e desigual, sobre conflitos entre o mundano e a moral cristã ortodoxa, sobre o amor como caminho da salvação. É um calhamaço de 600 páginas que pode ser lido sem freios, uma experiência imersiva em que o leitor é contaminado pela tensão das ações e pelo dilema do personagem.

Ao lado de Tolstói, Dostoiévski é o maior expoente da literatura russa. Um escritor que percebeu o surgimento de homens ideológicos, capazes de decidir os rumos de suas vidas sem levar em conta os dogmas religiosos. O homem que ele queria ver profundamente dissecado nas suas páginas.

“O medo apoderava-se dele cada vez com mais força, sobretudo depois deste segundo homicídio, completamente inesperado. Estava ansioso por ver-se longe dali o mais depressa possível.”

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