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Infográfico: as principais teorias de Freud

Muitas são mais conjectura do que ciência. Mas as ideias do criador da psicanálise ajudaram na busca pelo bem-estar mental e influenciaram nossa cultura.

Por Alexandre Carvalho
Atualizado em 21 out 2022, 09h51 - Publicado em 21 out 2022, 08h49

Por mais que suas teorias tenham de polêmicas, é difícil negar que Sigmund Freud (1856–1939), ao lado de Galileu e Darwin, foi um dos pais do pensamento moderno. Hoje a ciência confirma o que está na essência de qualquer postulado freudiano: a de que existe uma parte da mente, inconsciente, que não controlamos. E mais: que determina a maior parte dos nossos desejos, comportamentos, decisões…    

Esse austríaco foi o primeiro a construir um castelo teórico em torno desse achado. A partir dele, criou a psicanálise, que batizou tanto uma disciplina de estudos da mente quanto uma influente terapia baseada nas falas do indivíduo. 

Porém, se Freud elaborou hipóteses geniais sobre o funcionamento da mente, suas teorias eram baseadas no que escutava de suas pacientes (a maioria, mulheres da classe média alta de Viena). Não era uma amostra diversa nem ampla. Nem seus métodos eram o que poderíamos chamar de científicos. 

Certas ou não, o fato é que as teorias de Freud se tornaram tão populares que hoje fazem parte do imaginário. Vamos, então, conhecer os principais pontos das ideias mais importantes. 

O iceberg sob a água

Como dissemos, a matéria-prima de toda teoria freudiana é o inconsciente. Ao longo da vida, Freud ampliou e alterou muitas de suas ideias. Um exemplo foi suas divisões da mente. Em 1899, ele lançou o que ficou conhecido como sua “primeira tópica” (por supostamente tratar de uma topologia, um “mapeamento”, mental). Dividiu a mente entre consciente (a parte que percebemos de nossas experiências), pré-consciente (uma parte escondida que pode vir à tona dependendo de alguns gatilhos, como ouvir uma música que desenterre uma lembrança perdida) e o chefão de todos, o inconsciente. 

Ele gostava de comparar essa divisão com um iceberg. O consciente é só a pontinha exposta à visão de todos; o pré-consciente, intermediário, tem partes expostas e submersas; já o inconsciente está todo embaixo d’água, invisível, e é, de longe, a maior parte dessa montanha de gelo. A mensagem é: há muito mais no inconsciente do que nossa vã consciência é capaz de suportar. No caso, traumas, desejos vergonhosos, pensamentos de sexo e violência. 

Ilustração com legendas do rosto de perfil de Freud.
(Vini Capiotti/Superinteressante)
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Para que essa bagagem toda não atrapalhe nosso equilíbrio psicológico, haveria um mecanismo que ele chamou de repressão. Seu papel, de acordo com o austríaco, é segurar no inconsciente os pensamentos mais perigosos para a saúde mental. Mas existem janelas para ele, que poderiam ser abertas pela terapia psicanalítica. Com a interpretação dos sonhos, por exemplo.

Para Freud, todo sonho é a manifestação de um desejo reprimido sendo realizado. Ele diz que nosso desejo bruto (que ele chama de “conteúdo latente”) passaria por um mecanismo chamado “trabalho do sonho”, que cria o filme surrealista que você lembra ao acordar (o “conteúdo manifesto”).  Essas distorções aconteceriam graças a dois principais mecanismos de transformação no sonho: o deslocamento e a condensação.

Deslocamento: Ocorre quando mudamos o objeto do desejo dentro do sonho. Por exemplo: você quer inconscientemente agredir sua irmã, e ela tem um cachorro. Aí você sonha que atropela um cão.

Condensação: Junta vários elementos num só. Exemplo: você tem preocupações com a sua saúde, dinheiro, família… e deseja segurança para tudo isso. Então sonha que mora numa fortaleza intransponível.

Isso tudo para que não cheguem à sua consciência vontades que você não aceita em si mesmo. Exemplo: um homem com desejos homossexuais reprimidos pode sonhar que está sendo perseguido por bandidos amedrontadores… mas bem perfumados. Ele pode acordar pensando que teve um pesadelo, mas o desejo de estar cercado por esses homens cheirosos foi realizado. Pelo menos na mente.

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Outra janela seriam os atos falhos. Sabe aquelas distrações do dia a dia, como trocar o nome do marido ou esquecer a chave de casa com frequência? Pode ser seu inconsciente dando um toque de que você está infeliz no casamento – que tem aquele nome e aquele lar como símbolos. 

Id, ego e superego

Anos depois, em 1923, Freud elaborou sua “segunda tópica”, complementar à primeira. 

O id seria uma instância sem freios. Ele quer satisfazer os desejos do inconsciente sem pensar nas consequências: dar um soco no chefe, fazer sexo com a primeira pessoa que aparecer, beber como se não houvesse amanhã. O superego é sua antítese: a parte moral da nossa personalidade, que censura a maioria dos desejos. Seria uma herança dos “não pode”, “para com isso”, “desce daí” que tanto ouvimos dos pais na infância. Já o ego busca um equilíbrio entre nossas vontades e autocontrole. 

Teorias da sexualidade

O que mais gerou polêmica entre as ideias de Freud está ligado à sexualidade. 

Ele encontrou na peça grega Édipo Rei, de Sófocles, a representação perfeita para algo que já vinha na sua cabeça: a de que todo menino, objeto dos cuidados da mãe na infância, teria um desejo inconsciente de casar com ela. E matar o pai, seu rival. Assim como o personagem faz na peça. E a forma como cada criança vai superar esse desejo mórbido ao longo de seu desenvolvimento psicossexual teria consequências na vida adulta. 

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Para Freud, esse complexo se estenderia ao longo da “fase fálica” desse desenvolvimento. Até que o menino desistiria do plano de incesto e parricídio. Ufa… Mas o que mais escandalizou o mundo foi a conjectura de que criancinhas têm prazeres sexuais. Na fase anal, por exemplo, os pequenos reteriam as fezes só pela volúpia de estimular as partes sensoriais do ânus. 

Ilustração de crianças sentadas em um sofá.
(Vini Capiotti/Superinteressante)

Conheça as fases do desenvolvimento psicossexual das crianças, segundo Freud:

Fase oral: Vai do nascimento ao segundo ano de vida. É quando os atos de morder o seio da mãe, sugar e engolir o leite materno geram prazer ao bebê. Seria por isso que os pequerruchos levam à boca quase tudo que encontram: brinquedos, dedos da mão e o pé. E porque existe um simulacro do seio da mãe chamado chupeta. 

Fase anal: Entre os 2 e 4 anos, a criança teria sensações agradáveis ao esvaziar o intestino, e isso se desenvolve para ter prazer pelo estímulo do ânus – outra zona erógena. Uma fase que, para Freud, teria consequências na vida adulta: o sujeito que vai muito ao banheiro gostará de extravagância e luxo; o que retém as fezes prezará por limpeza e arrumação.

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Fase fálica: Entre os 4 e 5 anos, a criança voltaria suas atenções para o pênis e a falta dele, associando o membro a uma ideia de poder. Meninas se sentiriam inferiorizadas; meninos, com medo de castração. A intromissão do pai numa relação até então muito próxima com a mãe despertaria o complexo de Édipo.

Fase de latência: Dos 6 aos 11 anos, a criança daria um tempo na exploração de sua sexualidade. Coincidindo com o período em que a escola fica mais séria, ela direcionaria sua energia para o desenvolvimento social e intelectual. A interação com coleguinhas, as lições de casa, o apego aos lápis de cor… Tudo deixa o sexo em segundo plano.

Fase genital: A partir dos 11 anos, com o início da puberdade, meninos começam a ter ereções frequentes, os seios das meninas crescem… Com isso, a identidade infantil seria deixada para trás. Se até então a sexualidade na criança seria narcísica (voltada para si mesma, para o próprio corpo), agora vai ser direcionada para outros meninos e meninas. 

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Inveja do pênis

Se estamos falando de menino aqui é porque Sigmund Freud sempre enxerga tudo a partir das lentes do homem. Inclusive a sexualidade feminina. E aí não dá certo, claro.

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Sua teoria da inveja do pênis é um grande exemplo dessa distorção. Ela diz que, quando as crianças começam a reparar nas diferenças entre seus órgãos sexuais, as meninas teriam uma descoberta devastadora: a de que vieram ao mundo com algo faltando. Isso lhes daria a constatação de que têm uma inferioridade, inerente e anatômica, em relação aos meninos. É a velha misoginia com verniz científico.

Pelo menos Freud assumiu, mais tarde, que não compreendia nada dos desejos das mulheres.

Ilustração do rosto de duas escritoras: Natalie Angier e Kate Millett.
(Vini Capiotti/Superinteressante)

O pensador austríaco escorregou feio ao tratar da sexualidade delas. Mas não faltaram contra-ataques. Confira algumas das críticas de grandes pensadoras à polêmica “inveja do pênis”:

Natalie Angier (1958–  ), jornalista de ciência do New York Times

“Quem quer uma espingarda quando se pode ter uma pistola automática? As mulheres nunca compraram a ideia de Freud de inveja do pênis.”

Kate Millett (1934–2017), escritora, educadora e ativista feminista

“Todas as forças da psicanálise se juntaram para forçar a mulher a se ‘ajustar’ à sua posição – isto é, aceitá-la e se submeter –, pois a segurança da sociedade e a força do casamento tradicional dependem de ela aceitar seu destino [passividade e masoquismo].”

Ilustração do rosto de duas escritoras: Simone de Beauvoir e Karen Horney.
(Vini Capiotti/Superinteressante)

Karen Horney (1885–1952), psicanalista, fundadora da escola freudiana

“Como em todas as ciências, a psicologia das mulheres tem sido considerada apenas do ponto de vista dos homens (…) Quando alguém começa a analisar os homens, como eu fiz, tem a impressão surpreendente de uma inveja da gravidez, do parto e da maternidade.”

Simone de Beauvoir (1908–1986), filósofa existencialista

“A boneca, encarnando a promessa do bebê que virá no futuro, pode se tornar um bem muito mais precioso que o pênis. Há sociedades matriarcais nas quais as mulheres detêm a posse dessas máscaras em que o grupo encontra alienação; nessas sociedades, o pênis perde muito de sua glória.”

Ilustração de cenas cotidianas de uma cidade de um lado da imagem e as mesmas cenas distorcidas em uma realidade paralela do outro lado.
(Vini Capiotti/Superinteressante)

Pulsão de vida e de morte

A partir de 1920, Sigmund Freud passa a estudar mais a fundo as origens do ódio e as forças mentais que respondem pelos ímpetos de fazer amor e fazer a guerra.

A pulsão de vida pode ser pensada como um impulso do bem: tem a ver com laços amorosos e formar família. Mas também com autopreservação: evitar situações que coloquem sua vida em risco.

Já a pulsão de morte é mais complicada. Freud percebeu em seus pacientes uma tendência a repetir experiências dolorosas, como sempre se envolver com pessoas que vão lhe fazer mal. Para o austríaco, o ponto mais extremo desses retornos seria aquele lá atrás, no qual ainda nem estávamos vivos. Essa pulsão, então, buscaria uma volta ao inanimado. À condição de não estar vivo.

Daí o flerte constante com a morte. Ele se manifestaria em quem dirige a 200 km/h, nos que se arriscam em esportes radicais etc. Freud também aponta que podemos direcionar essa pulsão para outras pessoas. E aí divulgamos fake news, batemos em gente indefesa, destruímos a carreira de um colega.

Mal-estar na civilização

Com o avanço do antissemitismo na Alemanha e a queda da bolsa em 1929, Freud criou sua teoria mais pessimista: a de que as restrições da sociedade aos nossos instintos primitivos tornaria impossível ser feliz. 

Sob essa constante frustração, muitos buscariam minimizar os danos do sofrimento com estratégias autodestrutivas:

Neurose: É basicamente sentir emoções negativas. Para Freud, somos todos neuróticos, pois sempre há conflitos psíquicos. O problema é o exagero.

Psicose: É a loucura mesmo: o caso mais grave de quem não consegue conciliar o progresso da civilização com seus impulsos mais primitivos. 

Intoxicação: A conclusão de que a felicidade é rara, ou impossível, nos levaria à busca pelo alívio imediato que drogas e álcool proporcionam: “beber para esquecer”. 

Mais tarde, a ciência mostraria que uma corrida no parque também ajuda. 

Alexandre Carvalho, autor deste texto, escreveu o livro Freud sem Traumas.

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