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Livro da Semana: “Em Casa”, de Bill Bryson

Da escada aos fusíveis no quadro de luz, Bryson conta a história de cada cômodo e do que fazemos dentro deles.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 2 set 2021, 22h23 - Publicado em 1 set 2021, 23h04

“Em Casa: Uma breve história da vida doméstica” | Clique aqui para comprar

Muitos livros têm piadas. Rolam alguns parágrafos de seriedade e então, para quebrar o gelo, anuncia-se A Gracinha, em maiúsculas mesmo, como um presente do autor para o leitor paciente que aturou o conteúdo até ali.

Bem mais raros são os livros engraçados como um todo – engraçados sem esforço, como aqueles comediantes que têm feições engraçadas, que andam engraçado, que só de existir, são engraçados, até quando não é a vez deles de falar. 

Bill Bryson faz livros assim. De fato, ele parece incapaz de não fazer livros assim. Mesmo quando esse clássico vovô num terno de tweed tenta afetar alguma seriedade, fica um ranço de deboche. Como se ele fosse um repórter observando a Terra sentado do lado de fora, prestes a surtar com a maneira como a humanidade sempre faz tudo errado.

Cada capítulo do livro Em Casa: Uma breve história da vida doméstica é dedicado à um cômodo ou algo mais específico que um cômodo, como os fusíveis do quadro de luz ou a escada. Bill conta não só a história do espaço em si como a história do que se faz lá dentro, de modo que, ao abrir o livro pela primeira vez, fui atraído magneticamente à pág. 369, onde começa o trecho dedicado ao banheiro.

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“Lavar-se não era um costume totalmente desconhecido, mas bastante seletivo. (…) A rainha Elizabeth, em uma frase muito citada, banhava-se fielmente uma vez por mês, ‘quer precisasse ou não’. Em 1653, John Evelyn, conhecido autor de diários, anotou uma decisão experimental de lavar o cabelo anualmente. (…) Samuel Pepys menciona apenas uma vez que sua esposa tomou banho, no diário que manteve durante nove anos e meio.”

Os dentes tampouco escapavam da fedentina. No capítulo sobre a sala de jantar, descobrimos que “embora o açúcar fosse muito caro, as pessoas o consumiam até seus dentes ficarem negros; e, se os dentes não ficassem negros naturalmente, eles os enegreciam artificialmente, para mostrar que viviam no luxo e podiam gozar desse prazer.”

O livro é sem dúvida eurocêntrico, mas não nos poupa de nenhuma estupidez que os europeus fizeram nos últimos dois mil anos: a escravidão nos engenhos do Brasil e do Caribe existia para gerar cáries por status, e sem o dinheiro de sangue das colônias americanas, não teria havido Revolução Industrial. O passado é um lugar abjeto, e as casas e hábitos dos séculos passados eram um retrato do mundo tanto quanto nossas casas refletem o presente.

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Olho pela minha janela num subúrbio de São Paulo e vejo construções dos anos 1960 forradas com pastilhas coloridas até hoje, janelões e gradis baixos em volta do jardim. Há algumas recentes, cobertas de textura, e outras ainda com janelas de mil vidrinhos e chão de cerâmica vermelha em cacos. Cada item de uma residência veio de fora dele. Juntos, eles formam uma foto do mundo, de seu charme e breguice, no momento em que foram instalados. Do porão ao sótão, Bill não nos deixa esquecer disso.

Estamos falando de um autor com o hábito de digredir, e quando ele resolve contar uma história mesmo que seja um causo só remotamente relacionado com o tópico do capítulo ele vai te pegar pela mão e contá-la até o fim.

Não tem problema: mesmo que em certa altura do campeonato você esqueça sobre o que ele deveria estar falandovocê ainda vai estar satisfeito pelas quinze ou dezesseis curiosidades aleatórias sobre garfos, filhos ou irlandeses ricos que agora estão são e salvas no seu HD. Esse pode não ser o trabalho mais coeso ou redondinho de Bill Bryson. Mas ele, num dia médio, ainda vale por uma estante de livraria inteira num dia bom.

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