“O Oscar é importante, mas não é a medida de tudo”, diz Fernanda Torres sobre “Ainda Estou Aqui”
Festejado lá fora, filme de Walter Salles estreia em 7 de novembro. Veja o que a equipe do longa têm a dizer sobre as gravações e a repercussão da obra.
Depois de estrear no Festival de Veneza, em setembro, e de passar por uma maratona de premiações internacionais, o filme Ainda Estou Aqui, candidato do Brasil para uma vaga no Oscar 2025, começa a ser exibido por aqui.
Com direção de Walter Salles (Central Brasil) e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, Ainda Estou Aqui teve uma sessão especial no Festival do Rio, que terminou em 13 de outubro. Agora, ele segue para São Paulo, onde integra a programação da Mostra Internacional de Cinema, que começou no dia 17 e vai até o dia 30 do mês. A estreia nacional é em 7 de novembro.
O filme conta a história real de Eunice Paiva, esposa do arquiteto e ex-deputado federal Rubens Paiva, preso, interrogado e assassinado pelo regime militar em 1971. Eunice lutou por décadas na justiça pelo desfecho do caso (o governo só emitiu a certidão de óbito de Rubens em 1996, e os responsáveis pela sua morte jamais foram punidos).
O roteiro (que levou um prêmio em Veneza) é baseado no livro homônimo do escritor Marcelo Rubens Paiva (de Feliz ano velho), lançado em 2015. Marcelo é um dos cinco filhos de Rubens e Eunice (que morreu em 2018) e tinha 12 anos quando o pai foi levado pelos militares.
Nesta sexta (18), a Sony Pictures, distribuidora de Ainda Estou Aqui, promoveu em São Paulo uma coletiva de imprensa com a presença de Salles, Torres, Mello e Paiva, além dos roteiristas Murilo Hauser e Heitor Lorega. Outros membros da equipe, como o produtor Rodrigo Teixeira e a atriz Valentina Herszage (que interpreta Vera, irmã de Marcelo), também estavam por lá. Confira abaixo os principais assuntos discutidos na entrevista.
Do livro ao filme
A adaptação levou sete anos para ficar pronta. Salles conhecia a história de perto porque, quando criança, era próximo de Marcelo e suas irmãs. Ele frequentava a casa dos Paiva no Rio de Janeiro, que ficava na beira da praia e estava sempre cheia de políticos, jornalistas, artistas e demais amigos da família.
“Era um lugar em que as janelas estavam sempre abertas. Não havia chave para o portão, os jantares reuniam muita gente”, conta o diretor. Para ele, o filme começou como uma forma de reconstruir aquela casa – e a família que a habitava.
“Que tipo de relações humanas existiam ali? Para mim, os Paiva eram um microcosmo do Brasil no começo dos anos 1970. Era uma época em que havia um desejo de país com uma nova arquitetura, uma nova música, um novo cinema, uma nova educação – mas tudo isso foi roubado, ceifado. (…) Não podíamos deixar de contar essa história.”
Salles conversou com Marcelo para definir o eixo central do filme. Foi preciso, claro, fazer uma série de mudanças: no livro, por exemplo, tudo acontece na visão do escritor – mas a dupla queria que a protagonista da história fosse Eunice.
Depois, a dupla procurou roteiristas para desenvolver as cenas e os diálogos. Foi quando Murilo Hauser, que na época morava na casa de uma amiga de Marcelo, entrou na jogada. “Sabia que [o roteiro] estaria em boas mãos porque, quando nos conhecemos, ficamos falando sobre David Foster Wallace, meu autor favorito”, disse Marcelo.
Hauser foi um dos roteiristas de A Vida Invisível (2019), do diretor Karim Aïnouz. Para Ainda Estou Aqui, ele se juntou a Heitor Lorega, com quem trabalhou em outro longa de Aïnouz, O Marinheiro das Montanhas (2021). Além do livro, a dupla teve como base os relatos das irmãs, de pessoas próximas à família daquela época e, claro, o vasto material produzido sobre o caso Rubens Paiva. “Aprendi coisas sobre os meus pais que eu sequer sabia”, disse Marcelo.
“Nossa participação serviu como um olhar de fora, de quem não nasceu no Rio nem viveu naquela época”, disse Hauser, que é de Curitiba. “Acho que foi importante para ter uma ideia de como o público reagiria à história e àquele contexto.”
Segundo Salles, o roteiro passou por mais de 20 versões. Todas elas foram mostradas a Marcelo, que serviu como consultor durante todo o processo. “Quando uma obra é publicada, ela deixa de ser propriedade do autor. O leitor tem liberdade para interpretá-la como quiser. Eu saberia que o livro passaria por mudanças e subtrações. Mas, nas conversas sobre o roteiro, nós nunca discordamos em nada. Era mágico.”
A construção dos personagens
Para dar vida à Eunice, Fernanda Torres se apoiou, sobretudo, nas entrevistas que ela deu ao longo da vida (depois do desaparecimento do marido, Eunice se formou em direito e dedicou sua vida para a defesa dos direitos humanos).
“Ela era uma mulher única, mas que nunca fez questão de ser reconhecida”, disse a atriz. “Ela falava com contundência e inteligência, sempre com um sorriso irremovível. Foi difícil para mim, que sou mais bruta. O Walter ia me guiando nas cenas: ‘Fernanda, tá faltando sorriso, tá faltando Eunice’.”
Selton Mello engordou 20 quilos para interpretar Rubens. “Sou de uma geração que foi influenciada pelo Feliz Ano Velho e sou amigo do Marcelo há anos. Jamais imaginei que daria vida ao seu pai”, conta o ator, que se emocionou ao pensar na história dos Paiva e na interpretação de Fernanda Montenegro, que interpreta Eunice já mais velha, convivendo com Alzheimer. “Eu perdi minha mãe dessa forma, há não muito tempo”, disse Mello, sem tentar esconder o choro.
“Falar do passado para iluminar o presente”
Em 2014, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (criada para investigar os crimes cometidos na ditadura) contabilizou 434 mortos e desaparecidos pelo regime militar no Brasil. Além disso, identificou 377 agentes do governo responsáveis por violar os direitos humanos – 196 deles ainda estavam vivos na época em que o relatório foi divulgado.
Ao lado de outros mortos e torturados, caso do jornalista Vladimir Herzog, a história de Rubens Paiva tornou-se um dos símbolos da repressão estatal. Além do ex-deputado, Eunice e uma das filhas do casal, Eliana, foram levadas ao DOI-CODI, órgão do Exército onde aconteciam os interrogatórios e torturas.
“Independente da sua crença política, você sente que o que fizeram foi um gesto arbitrário. Aquelas pessoas não mereciam isso. A Eliana, uma menina de 15 anos, não deveria estar no DOI-CODI”, diz Fernanda.
Mas, para além de retratar o Brasil no ápice da truculência da ditadura, a equipe de Ainda Estou Aqui foi unânime em defender que o filme também dialoga com os dias de hoje. “Falamos do passado para iluminar o presente”, diz Selton.
“Há uma geração de pessoas que não sabe o que é viver em uma ditadura,”, diz Fernanda. “Apesar dos avanços, os trinta e poucos anos de democracia ainda não resolveram problemas como desigualdade, segurança. E há um fenômeno de jovens que acredita que um governo militar forte pode dar um jeito nas coisas. Democracia, afinal, dá trabalho mesmo. Mas eu tenho certeza que esse jovem não gostaria de viver sob um regime militar, num país fechado para mundo.”
Chance no Oscar?
Ainda Estou Aqui disputou a competição principal do Festival de Veneza, uma das mostras mais importantes do cinema mundial. Ganhou como Melhor Roteiro e, desde então, tem acumulado troféus em premiações mundo afora.
Quando perguntado sobre as chances de indicação ao Oscar, Salles mostrou-se otimista. Ele reforçou que a lista de votantes está mais diversa (“mais da metade não mora em Nova York ou Los Angeles”) e que o filme tem sido bem-recebido nos festivais, com exibições lotadas.
Mas e o marketing do filme, essencial para qualquer um que queira um Oscar (Ainda Estou Aqui já aparece nas listas de vários especialistas no prêmio)?
O diretor disse que, para esse filme, resolveu trabalhar com empresas pequenas. “Lá fora, nossos aliados são pequenos distribuidores independentes”, disse, dando como exemplo a francesa MACT, produtora também envolvida em Central do Brasil (1998).
À primeira vista, isso parece sinônimo de uma divulgação modesta. Mas não é bem assim. Por trás de Ainda Estou Aqui, há também nomes de peso, como a Sony e o Globoplay (que assina como coprodutor). Além disso, Fernanda abriu mão de viver a vilã Odete Roitman no remake da novela Vale Tudo para focar na campanha do filme.
Mas, apesar de empenhada, a atriz pareceu estar satisfeita com o que foi conquistado até aqui. “O longa tem grandes chances de competir como filme internacional e estamos trabalhando para as outras categorias. Mas ele já está ocupando os espaços que deveria ocupar”, disse Fernanda. “O Oscar é importante por várias razões, mas não é a medida de tudo.”
Ela relembra o caso de sua mãe, Fernanda Montenegro, que foi indicada a Melhor Atriz por Central do Brasil. “Eu sempre tento explicar que quando um ator brasileiro, falando português, é nomeado, ele já ganhou. Pode estourar a champanhe.”
Ainda Estou Aqui estreia dia 7 de novembro nos cinemas.