O que faz o Iphan, afinal?
Bolsonaro não tinha ideia do que é o Iphan – órgão responsável pela preservação da nossa história e cultura – quando interveio no instituto para proteger os interesses de Luciano Hang, dono da Havan. A gente explica, então, para que não reste dúvida.
O que o Cristo Redentor, o forró e a Casa de Chico Mendes, no Acre, têm em comum? Os três são tesouros brasileiros protegidos pelo Iphan, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Essa autarquia federal, vinculada hoje ao Ministério do Turismo (antes era da Cultura), atua na preservação do que temos de mais valioso em expressões artísticas, objetos, documentos, festas populares, edificações e parques nacionais (como o da Serra da Capivara, no Piauí). Enfim, o que há de história e cultura que precisa continuar viva para que, geração após geração, nos reconheçamos como brasileiros – por isso o Cristo Redentor, e não a Estátua da Liberdade.
Pronto, você provavelmente já sabe mais sobre o Iphan do que o presidente do Brasil. Nesta semana, em evento na Fiesp, Jair Bolsonaro declarou que demitiu a diretoria do órgão quando uma nova loja de seu amigo, o empresário Luciano Hang, dono da Havan, foi interditada ao encontrarem, nas escavações, azulejos de valor histórico. Comentando o episódio de maneira irônica, o presidente admitiu que, até então, não fazia ideia do que é o instituto. “Que trem é esse?”, teria perguntado ao ministro da pasta.
O trem
Criado em 1937, no governo Getúlio Vargas, então com o nome de Sphan, porque ainda não era um instituto, mas sim um prestador de serviços relacionados à cultura (daí o “S” que precedeu o “I” no nome), o Iphan foi uma resposta à rápida industrialização do Brasil no período, que envolvia muita demolição de edifícios de valor histórico para dar espaço a fábricas e prédios mais modernos. Uma forma de que o progresso não apagasse a história – e construíssemos uma identidade brasileira.
Mas o Iphan começou a assumir o modelo que tem hoje só no fim da Ditadura Militar (1964–1985). Foi quando passou a ter uma atenção especial à pluralidade das manifestações culturais do nosso país – obra da Constituição Cidadã, de 1988, que definiu como “patrimônio cultural” “os modos de criar, fazer, viver”. Logo o foco no tombamento de igrejas, fortes e outras edificações se estendeu a um universo cultural bem mais amplo. Para se ter uma ideia, seis línguas indígenas estão sob a proteção do órgão, que tem entre suas muitas linhas de atuação a salvaguarda da nossa diversidade linguística (estima-se que, no Brasil, além do português, haja mais de 250 línguas vivas, entre crioulas, afro-brasileiras, de imigrantes, indígenas e até de sinais).
Precarização
Documentar, proteger, conservar… Quando se trata de patrimônio, não é só questão de boa vontade. Essas atividades envolvem dinheiro. É preciso pagar gente para fazer pesquisa documental, é preciso de investimento para manter de pé edificações do período colonial, é preciso pôr grana para promover o forró no exterior.
Mas quem quer colocar a mão no bolso para preservar nossa história e nossa cultura quando há outros interesses econômicos envolvidos? O tombamento – ainda em fase provisória – do complexo que abrange o Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, contrariou os interesses do governo João Doria, que pretendia conceder o espaço à iniciativa privada para a construção de torres comerciais e um shopping center.
Na esfera federal, então, o presidente extinguiu o Ministério da Cultura, jogando o instituto que ele desconhecia nas mãos do ministro do Turismo, Gilson Machado – aquele que toca sanfona em lives de Bolsonaro. Coincidência ou não, em 2021 o Iphan teve seu menor orçamento dos últimos dez anos. Segundo a plataforma Siga Brasil, vinculada ao Senado, as verbas para preservar cidades históricas afundaram 81% desde o primeiro ano do atual governo: de R$ 143 milhões para R$ 26 milhões.
Questionado sobre a precarização do cuidado com nossa história, o ministro-sanfoneiro disse que o governo tem feito a parte dele: “Reformamos dois museus de igreja e uma praça”.