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Por que os livros de Game of Thrones são tão populares, segundo a ciência

A saga de livros já vendeu mais de 70 milhões de cópias. Uma pesquisa destrinchou a estrutura narrativa e as interações dos mais de 2 mil personagens para tentar compreender esse sucesso.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 26 ago 2022, 11h50 - Publicado em 5 nov 2020, 20h30

2.007 personagens. 41.000 interações. Esses são alguns dos números de As Crônicas de Gelo e Fogo, saga de livros escrita pelo americano George R.R. Martin. Desde 1996, os cinco volumes já venderam 70 milhões de cópias e foram traduzidas para 45 idiomas. Ah, e claro: deram origem a Game of Thrones (2011-2019), da HBO, provavelmente a série de TV mais popular da história.

O sucesso da série fez com que milhares de fãs procurassem os livros e encarassem o desafio de lê-los – afinal, são verdadeiros calhamaços. Contudo, o que chama a atenção (e cativa os leitores) na obra de Martin não são apenas os elementos fantásticos, como dragões, magia e White Walkers. A joia da coroa é a interação social entre os personagens, que se adequa perfeitamente às expectativas do nosso cérebro.

Pelo menos, é o que defende uma pesquisa publicada na Proceedings of the National Academy of Sciences. Uma equipe de físicos, matemáticos e psicólogos usou ciência de dados para analisar o enredo da saga de Westeros e, assim, identificar padrões na narrativa e no comportamento dos personagens.

Perfil lotado

Os pesquisadores elaboraram um gráfico com os personagens mais relevantes – e as conexões entre eles. Veja:

Pesquisa usa ciência de dados para analisar os livros de Game of Thrones – e mostrar por que são tão bons
(Thomas Gessey-Jones et al. / PNAS/Divulgação)

A rede completa, naturalmente, é maior do que essa. Para montar a estrutura acima, o estudo levou em consideração personagens que interagissem em, ao menos, 40 capítulos da saga. É interessante notar, por exemplo, as várias conexões envolvendo nomes como Ned Stark e Robert Baratheon. Isso mostra a relevância que eles têm na trama, apesar de (desculpe o spoiler) morrerem logo no início .

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Dois mil personagens é uma lista grande de contatinhos, não? Mas, apesar da quantidade, os cientistas observaram que cada personagem se limita a, no máximo 150 interações – o que faz todo sentido biológico.

Pode esquecer os milhares de amigos do Facebook ou do Instagram: segundo um estudo da Universidade de Oxford, 150 é o número máximo de amigos que o nosso cérebro consegue manter ao mesmo tempo. Mais do que, isso fica impossível memorizar as informações (nome, personalidade, etc.) que serão acionadas quando você interagir com alguém. Para os cientistas, é uma questão evolutiva, já que o ser humano cresceu em pequenas comunidades – o Orkut é antigo, mas não tanto.

Além disso, a história é narrada por personagens diferentes – mostrar diversos pontos de vista particulares pode ajudar o leitor a construir melhor o enredo e as interações na sua cabeça. Ao todo, 24 indivíduos narram os capítulos da saga, sendo que Tyrion Lannister e Jon Snow são os mais recorrentes nessa função: 47 e 42 capítulos, respectivamente.

Licença para matar

Do Ned Stark decapitado ao Rei Joffrey envenenado, as (muitas) mortes de As Crônicas de Gelo e Fogo são uma das marcas da saga, seja pela forma inesperada com que acontecem (alô, Casamento Vermelho), seja pelas consequências que geram. Os pesquisadores, então, analisaram os assassinatos que acontecem na história, para entender o que há por trás deles.

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Para isso, foi preciso, primeiro, reordenar cronologicamente os acontecimentos que aparecem nos livros – apesar da trama principal se passar no intervalo de alguns anos, há histórias contadas no meio que rolaram séculos antes. 

Com uma linha do tempo feita por fãs no Reddit, os pesquisadores organizaram as mortes de acordo com o ano em que elas acontecem. Depois, contabilizaram as mortes que acontecem em cada capítulo, na estrutura feita por Martin, e compararam os dois gráficos.

Pesquisa usa ciência de dados para analisar os livros de Game of Thrones – e mostrar por que são tão bons
(Alexander Demianchuk/Getty Images)

Eles observaram que, quando as mortes são colocadas em ordem cronológica, há vários espaços de tranquilidade na trama, em que ninguém morre. Caso elas tivessem sido apresentadas dessa maneira, o ritmo dos assassinatos, segundo a pesquisa, tornaria-os previsíveis.

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Em resumo: é justamente o enredo organizado por Martin que faz com que as mortes sejam inesperadas.

“O estudo oferece evidências convincentes de que bons escritores trabalham com muito cuidado dentro dos limites psicológicos do leitor”, disse em um comunicado Robin Dunbar, psicólogo evolucionista da Universidade de Oxford e um dos autores da pesquisa.

“As pessoas entendem o mundo por meio de narrativas, mas não temos compreensão científica do que torna histórias complexas relacionáveis ​​e compreensíveis”, disse outro autor, Colm Connaughton, matemático da Universidade de Warwick, no Reino Unido.

Outro fator que contribui para a identificação dos leitores na histórias de Martin é o seu estilo de escrita. Ele é um “pantser”, termo que se refere aos autores que deixam os personagens guiarem a história. Esse tipo de escritor tem uma ideia de como a trama irá acabar – mas é a personalidade dos personagens, adquirida ao longo do tempo, a peça-chave para o desenrolar dos acontecimentos.

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Martin disse, inclusive, que escrever a saga foi como regar um jardim: para ele, os personagens são como sementes, que se desenvolvem naturalmente depois de um tempo. Para o filósofo Daniel Silverman, é justamente essa característica que ajuda a explicar, em parte, como o final da série de TV, escrita sob outra lógica, foi tão decepcionante. Você pode entender melhor neste texto da SUPER.

Vale dizer que não é a primeira vez que a ciência se debruça sobre o universo da saga. Em 2019, antes da última temporada de Game of Thrones, uma equipe da Austrália criou um algoritmo para tentar prever quais personagens morreriam. Dois anos antes, um engenheiro de software usou inteligência artificial para gerar novos capítulos da história.

Um esforço louvável, mas com um resultado insatisfatório. O jeito é esperar George terminar de escrever os dois livros restantes – mas sabe-se lá quando isso irá acontecer.

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