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Pesquisadores encontram primeiro “fóssil de raio” na Amazônia

A descoberta ocorreu durante as gravações da série documental “Caça Tempestades”. Conheça mais sobre o projeto.

Por Manuela Mourão
Atualizado em 5 nov 2025, 19h22 - Publicado em 5 nov 2025, 19h00

Às margens do Rio Negro, uma equipe formada por cientistas, cineastas e jornalistas passaram dias em alerta. O objetivo: perseguir tempestades no país recordista em incidência de raios no mundo – o Brasil. São cerca de 50 milhões de descargas por ano.

A missão faz parte da série Caça Tempestades, produzida pela cineasta de ciência e meio ambiente, Iara Cardoso, em parceria com o físico Osmar Pinto Júnior, referência mundial no estudo dos raios e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e o jornalista Ernesto Paglia. A produção, que estreia hoje no canal History, une ciência, jornalismo e cinema para investigar o poder e o mistério das descargas atmosféricas amazônicas.

“A Amazônia é uma das três principais regiões do mundo em ocorrência de tempestades”, explica o cientista para a Super. “Mas, apesar disso, há pouquíssimos estudos detalhados sobre elas. Sempre foi nossa intenção entender o que diferencia essas tempestades das que ocorrem no Sul e Sudeste do Brasil, por exemplo.”

Entre as descobertas da expedição está o registro do primeiro fulgurito amazônico – uma estrutura formada quando um raio atinge um solo rico em sílica e funde a areia instantaneamente. Em outras palavras, são fósseis de raios. 

Imagem de um fulgurito.
(Storm/Divulgação)

“A temperatura média de um raio é de 30 mil graus Celsius”, conta Osmar. “Quando ele atinge a areia, derrete os cristais e forma essas esculturas frágeis no subsolo. Encontrar um fulgurito é como achar uma agulha no palheiro – escavamos com pincéis de pintor para não quebrar nada.”

O fóssil carrega informações sobre a história do planeta. Pesquisas recentes apontam que os fulguritos podem conter fósforo, elemento essencial para a formação dos primeiros compostos orgânicos na Terra.

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“Os raios podem ter sido fundamentais na origem da vida”, diz o cientista. “Eles quebram moléculas de oxigênio e nitrogênio, gerando aminoácidos e compostos que podem ter dado início à biologia como conhecemos. Se somarmos isso à presença de fósforo nos fulguritos, a hipótese ganha ainda mais força.”

A floresta das tempestades pequenas e intensas

Durante um mês, a equipe monitorou os céus amazônicos com equipamentos de alta precisão e câmeras de cinema. O que descobriram contrariou expectativas: as tempestades da floresta são menores e mais breves do que as do Sul do país – mas muito mais frequentes.

“Muitas vezes, quando chegávamos ao local indicado pelo radar, a tempestade já tinha morrido”, relembra Osmar, que cruzou Manaus de norte a sul no mesmo dia algumas vezes correndo atrás das chuvas. “Mas a frequência era tão grande que conseguimos registrar várias. O desafio era persegui-las no tempo certo e com segurança.”

A equipe conseguiu capturar em vídeo um super-raio, com descarga até seis vezes mais intensa que o raio comum. “Eles são raríssimos”, explica o pesquisador. “A cada 100 raios, apenas um é super-raio. Filmá-los exigia paciência e um pouco de sorte”. Além disso, não bastava apenas acontecer, era necessário uma boa dose de beleza cinematográfica no registro para a série. 

“Não era só filmar um raio em qualquer lugar, era um lugar bonito, um lugar de cinema, né?”

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O cinema como ferramenta científica

Para a diretora e produtora Iara Cardoso, “o audiovisual tem um poder único”, afirma. “Ele cria ícones… tem uma importância fundamental na história da humanidade”. E agora, segundo a diretora, o audiovisual tem uma responsabilidade com o futuro humano:

“Nesse momento, a humanidade está indo para a sexta extinção em massa, por uma ação que nós mesmos estamos fazendo. E esse curso da sexta extinção – eu sou uma pessoa muito otimista – pode ser mudado, porque assim como nós vamos ser extintos, talvez o planeta continue, mas vamos levar muitas espécies conosco”.

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“Então, vem a questão da responsabilidade que nós temos hoje nesse planeta. E eu acho que o conteúdo audiovisual consegue chegar aos corações, à mente das pessoas de uma forma diferente”. Para diretora, o cinema pode inspirar mudança.

Iara explica que o projeto nasceu do reencontro com o jornalista Ernesto Paglia e o próprio Osmar, com quem havia trabalhado há 13 anos na série País dos Raios, exibida no Fantástico. “Agora, queríamos algo diferente – um formato híbrido, entre documentário e reality, que mostrasse o risco, a emoção e a ciência em tempo real.”

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O desafio, no entanto, era traduzir a complexidade da física atmosférica para o público sem perder o encantamento visual. 

A solução foi optar por uma “linguagem híbrida”. Na prática, isso significa “emprestar ferramentas do cinema de ficção, mesclando com o jornalismo e a ciência”, explica a produtora. O grupo buscou “o que tem de melhor de cada formato para fazer algo único e que realmente chegue ao coração e à mente das pessoas”.

Um processo que ajudou na tradução do cientifiquês foi o contato que Iara teve com vários grupos de pesquisa da região. “Tanto em termos de cientistas, quanto em termos de comunidades, ribeirinhas, indígenas,  quisemos trazer toda essa realidade para dentro do projeto”.

A diretora brinca que fez um trabalho parecido com o filme Twister, em que caças tempestades buscam tornados nos Estados Unidos. A versão brasileira Herbert Richers, no entanto, corre atrás de raios. 

“Era importante que o público sentisse o que é estar na Amazônia, sob uma tempestade de 120 km/h, cercado por relâmpagos”, diz ela. “Ao todo, registramos 88 mil raios durante as gravações. Mas mais do que números, o que importa é o alerta: as tempestades estão ficando mais fortes e mais frequentes por causa das mudanças climáticas.”

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Para Cardoso, a série é um alerta dessas mudanças, não só do que a gente vive hoje, mas do que está por vir.

Pensando nisso, o Grupo Storm, produtora audiovisual responsável pela série, levará quatro painéis para a COP30, em Belém – três deles sobre Caça Tempestades – com a intenção de “mostrar a responsabilidade que temos com a nossa floresta, que exige investimentos, que exige muitas questões, por exemplo, de monitoramento da floresta, para a gente conseguir caminhar para esse futuro sustentável”. Além disso, os painéis devem divulgar o futuro da série – alô, segunda temporada? 

Entre ciência e sobrevivência

No Brasil, os raios mataram cerca de 100 pessoas por ano entre 2018 e 2022, segundo dados do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat), vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – o número que já foi quase o dobro na virada dos anos 2000. 

A redução, segundo Osmar, está diretamente ligada à divulgação científica. “Com informação, as pessoas se protegem melhor”, diz. “Mas ainda há quem subestime o perigo. Quando a imprensa fala que a chance de ser atingido por um raio é de uma em um milhão, trata-se da média nacional. Na praia, durante uma tempestade, por exemplo, a chance é de uma em cem.”

Para ele, a educação é o verdadeiro para-raios social. “A gente precisa ensinar isso nas escolas, desde cedo – falar de tempestades, enchentes, vendavais. Não para assustar, mas para proteger.”

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Outro desafio é a falta de recursos. “É difícil hoje fazer ciência só com uma caneta e uma folha de papel. Você tem que ter computadores, equipamentos para registrar, filmar – e tudo isso envolve dinheiro”. Ele lamenta que, à medida que os anos se passam, não é perceptível o aumento de investimentos. “Nós ainda temos recursos escassos muitas vezes para fazer pesquisa.” 

“O raio é um fenômeno muito intenso, muito rápido e cada raio tem uma história no céu. Você não consegue tomar dois raios iguais”. Mas falta entender mais esse fenômeno, reflete Osmar. “A ciência tem essa vertente de conhecer, mas, obviamente, ela precisa também trazer um retorno concreto, no sentido de melhorar a vida das pessoas desse planeta.”

O fim – por agora – da caça

No fim da jornada, entre as margens do Negro e o Encontro das Águas, a equipe percebeu que caçar tempestades é, também, uma metáfora sobre entender o planeta e nós mesmos.

Para Osmar, uma das principais relevâncias pessoais do projeto é a possibilidade de entender melhor a natureza que ele estuda. “À medida que a gente se aprofunda, a gente vai encontrando lacunas no conhecimento. O cientista é envolvido pela paixão de estudar esse processo”. 

“A gente vive cercado por consequências da ciência. Para tudo que é lado. Em todo sentido. É só parar e pensar o que o mundo seria se não tivesse ciência”.

Iara concorda, e vai além. “A natureza vive em equilíbrio e nós precisamos manter essa balança. As tempestades, por exemplo, se conectam de uma forma única para existirem. Eu realmente acredito nesse milagre científico […] a gente pode fazer a diferença para esse nosso amanhã.”

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