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Peter Sloterdijk – Contando a história em esferas de pensamento

Em obras ambiciosas que se tornam best-sellers, Peter Sloterdijk pretende reconstruir o legado da filosofia.

Por Thales de Menezes
Atualizado em 4 nov 2019, 12h00 - Publicado em 4 nov 2019, 11h00

Alemanha é a terra da filosofia. Pela linhagem de pensadores relevantes através de séculos, pela excelência de centros de estudos, pela penetração das discussões de ideias na mídia. Por isso, ser best-seller no mercado alemão com um livro de filosofia não é para qualquer um. Mas é tarefa para alguém como Peter Sloterdijk.

Ele conseguiu isso com um “tijolo” de quase mil páginas, Crítica da Razão Cínica, seu primeiro ensaio filosófico, publicado em 1983. O livro foi elogiado por Jürgen Habermas, que considerou a obra “o mais importante trabalho filosófico desde 1945”. Bateu o recorde de vendas de um livro de filosofia escrito em alemão depois da Segunda Guerra Mundial, com 100 mil cópias, sendo traduzido para 32 idiomas.

Partindo de uma reflexão sobre Crítica da Razão Pura, de Kant, lançado 200 anos antes, Sloterdijk critica a modernidade e tenta reconstituir o legado da filosofia ocidental de cunho racionalista e progressista. Ele oferece uma análise extensa da cultura da Alemanha de Weimar, na qual localiza a origem do cinismo do século 20. O cinismo que Sloterdijk descreve é um fenômeno que cresce pós-década de 1960, e a receita que ele oferece é um retorno aos valores sessentistas da espontaneidade cultural à descoberta do corpo. Ele rompe com moldes clássicos de argumentação de Adorno e Horkheimer, de Sartre e de Foucault.

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Sloterdijk nasceu em Karlsruhe em 1947. Estudou filosofia, história e filologia germânica em Munique e Hamburgo, de 1968 a 1974. Lecionou em Frankfurt e Viena, antes de ser nomeado professor de filosofia e estética na Escola Superior de Artes Aplicadas de sua cidade natal, assumindo ali em 2001 a posição de reitor.

Formado sob as diretrizes da Escola de Frankfurt, Sloterdijk reconhece como mestres em sua trajetória nomes como Adorno, Bloch, Osho, Nietzsche e Lacan. Em muitos eventos, ele foi questionado sobre essa variedade de influências e, principalmente, sobre sua relação com Osho. Sloterdijk viajou várias vezes à Índia para estudar com aquele que os detratores chamam de “o guru do sexo e dos Rolls-Royce”.

“Quando eu era muito jovem, não tínhamos mestres e não usávamos esse conceito. Quando li Adorno, Husserl e Bloch, tive a sensação de conhecer verdadeiros mestres. Depois fui à Índia, que era uma forma de autoexploração. A fama discutível de Rajneesh Osho nunca me preocupou. Para ele, os escândalos eram uma forma de relações públicas. Citar Osho como uma influência torna você suspeito. Mas sempre me interessaram as possibilidades inaceitáveis. Gosto da capacidade de provocação espiritual de Rajneesh. Faz parte de uma longa tradição de crítica ao ego metafísico.”

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Apesar das críticas que acumulou por décadas em vários embates, ele se recusa a ser rotulado como um “pensador polêmico”. Suas ideias rejeitam a existência de dualismos, como corpo e alma, sujeito e objeto, civilizacão e natureza. Sloterdijk procura desenvolver um novo humanismo, às vezes chamado de pós-humanismo. Essa busca o levou a propor a criação de uma “constituição ontológica”, que incorporaria como “elementos” os humanos, os animais, as plantas e as máquinas.

No final da década de 1990, Sloterdijk começou a publicar os três volumes de sua monumental obra Esferas, sua proposta de narrar a história da humanidade. Para tanto, começa pelas perguntas mais simples: como as pessoas reconhecem que estão em casa numa esfera, num globo? Em Bolhas, primeiro volume da série, Sloterdijk investiga o homem e sua relação com seus semelhantes e o entorno, a partir da noção de “espaços íntimos”, que seriam como bolhas. Já na concepção, o feto se desenvolve numa primeira bolha, que é o útero materno. Depois, o homem precisa viver sob a proteção de uma nação – para Sloterdijk, a metáfora de uma eterna busca pela caverna protetora de seus ancestrais.

O autor recorre a referências na mitologia, na psicologia, na filosofia e na literatura. Visita textos de Platão, Sócrates, Lacan, Guattari, Deleuze, Nietzsche, Freud e Heidegger.

O segundo volume de Esferas é Globos. Sloterdijk mostra que todas as manifestações relacionadas à globalização estão sofrendo até agora de miopia. Para ele, a globalização começa com os gregos, que já representavam o Universo por meio da imagem da esfera.

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Isso também está na base das representações de ordem dos impérios pré-modernos. O autor conta, assim, “a verdadeira história da globalização; da geometrização do céu em Platão e Aristóteles ao giro da última esfera, a Terra, por navios, capitais e sinais.”

Para Sloterdijk, o conceito atual de globalização carece de perspectiva histórica. Na sua opinião, é apenas a terceira onda de um processo de grandes eventos em que os humanos superam distâncias. A primeira onda é a globalização metafísica da cosmologia grega, e a segunda a globalização náutica do século 15. A diferença, na opinião do filósofo, é que, enquanto a segunda onda criou o cosmopolitismo, a terceira está criando um provincialismo global.

Em Espumas, o terceiro volume, o conceito antropológico de esfera refere-se à tese fundamental do autor, segundo a qual a vida é uma questão de forma, com esferas contendo outras, expondo a natureza do vínculo que une os indivíduos, formando o que a tradição sociológica chama de sociedade.

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Como tem seu foco nas questões urgentes dos dias atuais, esse terceiro volume pode ser entendido sem a necessidade da leitura dos livros anteriores. Alguns acadêmicos até recomendam a sua leitura como entrada para conhecer a trilogia Esferas.

Em setembro de 1999, Sloterdijk publicou uma palestra intitulada “Regras para o Parque Humano: uma resposta à Carta de Heidegger sobre o Humanismo” no semanário Die Zeit, que deu origem a mais uma polêmica. O filósofo propôs uma reflexão sobre o humanismo, a genética e os problemas colocados pelo que ele chama de “domesticação do ser humano”.

Sloterdijk é considerado um pensador emocionante e eclético, que se dirige corajosamente aos problemas. Ele se preocupa com a religião, a fé na revolução política e as outras grandes motivações que dão forma e direção para a vida humana. Transita na vanguarda intelectual, contribuindo para debates públicos sobre engenharia genética, economia e política.

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Acompanhar Sloterdijk reserva surpresas. Enquanto seus livros têm uma linguagem complexa, que acomoda seu fluxo de pensamento, mas às vezes se mostra de entendimento muito difícil para os leitores, quando conversa sobre sua obra ele despeja nos interlocutores algum humor, muito cinismo, e declarações que utilizam uma narrativa inusitada. São pérolas pop que também aparecem em seus textos escritos, mas escondidos em trechos pontuais.

Sloterdijk também não resiste a incursões no que poderia ser chamado de autoajuda filosófica. No livro Você Deve Mudar Sua Vida, ele aponta a hipótese da autoconstrução do humano, a partir dos efeitos causados por ações ligadas a sentimentos, trabalho, comunicação e, principalmente, rituais e repetições.

“Se o homem produz genuinamente o homem, não é precisamente por meio do trabalho e resultados concretos, nem mesmo o ‘trabalho sobre si mesmo’ tão amplamente elogiado nos últimos tempos, quanto mais pelos fenômenos alternativamente invocados de ‘interação’ ou ‘comunicação’: ele surge por meio da vida em formas de prática. A prática é definida aqui como qualquer operação que forneça ou melhore a qualificação do ator para a próxima execução da mesma operação, seja declarada como prática ou não.”

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