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Sex Pistols: O meteoro punk

Sid Vicious compensava a falta de talento com suas performances absurdamente chocantes. Morto aos 21 anos, encarnou como ninguém a rebeldia do movimento punk

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 31 jul 2004, 22h00

Luciano Marsiglia

Em disco clássico, em que, segundo boatos, não tocou uma nota sequer. Uma carreira brevíssima, de pouco mais de três anos. Mesmo assim, Sid Vicious se tornou a figura mais emblemática do movimento punk. Sua cara de dopado e o corpo esquálido continuam povoando o imaginário de adolescentes rebeldes do mundo inteiro. A corrente no pescoço virou um acessório da memorabilia roqueira, a exemplo dos óculos redondos de John Lennon e o anel de caveira de Keith Richards. Passados 25 anos de sua morte, seu rosto continua estampando camisetas como um dos grandes ícones do rock. Poucos nomes do pop alcançaram a mesma influência com tão pouco material produzido. A fama, aparentemente inexplicável, foi tão meteórica quanto a carreira musical.

John Simon Ritchie nasceu no subúrbio londrino de East End, no dia 10 de maio de 1957, filho de Anne Randall e John Ritchie. Os pais se separaram quando ele ainda era bebê, e Anne o levou para Ibiza, na Espanha, onde ela ganharia dinheiro vendendo maconha. Em 1965, aos 8 anos, Sid voltou para Londres com a mãe. Na adolescência, conheceu John Lydon, seu colega de escola. Ganhou dele o apelido Sid Vicious, em “homenagem” ao hamster de estimação do pai de John. Aos 15, abandonou os estudos. Vagabundeando por bairros periféricos como West End e Bromley, conheceu jovens igualmente entediados e desajustados. O programa favorito deles era freqüentar a Sex, uma bizarra loja de roupas de sadomasoquismo localizada no número 430 da King’s Road. Era o início de 1975.

Proprietário da Sex, Malcolm McLaren adorou a garotada que usava camisetas com dizeres do tipo “eu odeio o Pink Floyd”. Empresário de uma banda que fazia covers de Small Faces e The Who, sentiu que havia uma comunhão de valores entre os músicos e aquela turma. Eram jovens que vestiam roupas rasgadas e perfuradas por alfinetes, cortavam os cabelos de um jeito esquisito, contestavam instituições como a monarquia e a Igreja e desprezavam o elaborado rock progressivo. Era a hora de catalisar a energia daqueles garotos rebeldes e gerar uma nova onda musical. Após um teste, Lydon, já conhecido como Johnny Rotten, foi aceito para os vocais, enquanto Glen Matlock (baixo), Steve Jones (guitarra) e Paul Cook (bateria) tratavam de compor as músicas. Estava formado o Sex Pistols, cujo primeiro show aconteceu no dia 6 de novembro de 1975.

Acompanhando atentamente a carreira do amigo, Sid conheceu um grupo de fãs do Sex Pistols que morava na periferia de Londres e do qual faziam parte Siouxsie Sioux e Steve Severin (depois membros do Siouxsie and The Banshees). Animado com a possibilidade de poder tocar rock sem conhecimento técnico, o trio formou sua própria banda. Sid já havia tocado no grupo Flowers by Romance, mas era mais conhecido pelos tumultos que causava nos clubes punks, seja por dançar o pogo (“passo” criado por ele que consistia em pular e chocar-se com o ombro de outras pessoas), seja por ter golpeado o jornalista Nick Kent com uma corrente, em junho de 1976. Sid traduzia o visual agressivo do punk com atitudes violentas. “Quando fico aborrecido ou irritado, preciso de um inimigo. Então, posso arrumar uma briga e descarregar”, dizia. A camiseta com a suástica era mais uma forma de chocar e incomodar. “Não tenho a menor intenção de agradar ao grande público. A maioria das pessoas que você vê na rua é ignorante, merda ambulante”, afirmava.

O punk ainda era novidade quando o single Anarchy in the UK saiu pela EMI, em novembro de 1976. Os integrantes do Sex Pistols foram convidados a participar do programa Today, apresentado pelo conservador Bill Grundy. Sob incentivos do tipo “Vamos lá, diga alguma coisa ultrajante”, o guitarrista Jones retrucou: “Velho fodido!”. Pela primeira vez o palavrão fuck foi pronunciado via satélite no país. No dia seguinte, o jornal Daily Mirror estampou a manchete: “O Lixo e a Fúria”.

Nessa época, um fato mudaria para sempre a vida de Sid. Ele conheceu a groupie americana Nancy Spungen, uma stripper de Nova York cuja razão de viver parecia ser dormir com roqueiros famosos. Nancy havia desembarcado em Londres atrás de Jerry Nolan, baterista da banda americana Heartbreakers, e acabou caindo nas graças de Sid. Os dois logo passariam a encarnar um John Lennon e Yoko Ono à maneira punk – mais propensos a fazer guerra do que amor.

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Em fevereiro de 1977, Sid foi convidado a entrar no Sex Pistols. McLaren estava de olho nele fazia tempo. Se Johnny Rotten era o cérebro do punk com suas letras mordazes, Sid era a imagem perfeita para o estilo. A personalidade inconseqüente, imprevisível e carismática compensava a falta de talento musical. Sid assumiu o baixo a tempo de assinar com a gravadora A&M, mas a banda foi dispensada uma semana depois, por causa do conteúdo de “God Save the Queen”, que insultava a rainha Elizabeth, chamando-a de “imbecil”. Com tempo de sobra e o dinheiro da rescisão do contrato com a A&M no bolso, Sid passava os dias com Nancy, namorando e consumindo heroína. A amizade com Rotten, com quem Sid dividia um apartamento, estremeceu devido ao romance. “Odiava tanto a coisa da heroína que, certa noite, limpei as unhas com suas seringas. Parece perigoso hoje, mas a idéia era colocar sujeira para que ela se matasse”, escreveu Rotten na autobiografia Rotten: No Irish, No Blacks, No Dogs (Picador, 1995). Além da presença de Nancy, Rotten começava a ficar incomodado com a atenção que Sid recebia da imprensa.

Rádios e lojas boicotaram God Save the Queen, lançado em 27 de maio de 1977 pela Virgin, mesmo assim o single chegou ao segundo posto da parada inglesa. No dia 7 de junho, a banda atravessou o rio Tâmisa tocando o sucesso antimonárquico em plena celebração dos 25 anos da ascensão de Elizabeth ao trono. A ofensa à realeza gerou manchetes nos tablóides, que pediam sua punição. Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols foi lançado em 28 de outubro, condensando toda a fúria punk em um álbum urgente e impecável. Para fugir da ira inglesa, McLaren agendou shows nos Estados Unidos.

A turnê do Sex Pistols pelo continente americano foi um turbilhão de drogas, confusões e brigas. Em San Antonio, no Texas, Sid foi recebido por uma chuva de latas de cerveja. Como se estivesse em transe, ele apareceu no palco com a frase gimme a fix (me dê um pico) talhada com lâmina no peito. Depois, provocou o público da cidade interiorana gritando ao microfone: “Todos os caubóis são viados”. O clima ficou mais hostil e ele acertou um espectador na cabeça com o contrabaixo. Em seguida, levou um soco de uma “fã” que fez o sangue escorrer pelo nariz. Não contente com o tumulto que havia provocado, Sid quebrou uma garrafa de cerveja e fez novos cortes no corpo, aumentando o sangramento.

As confusões o perseguiam também fora do palco. Em um restaurante, um caubói o provocou, desafiando-o a apagar um cigarro na mão. Sid sacou sua faca, fez um corte no braço e continuou a comer ovos mexidos enquanto o sangue escorria por cima. “Sid não procurava nada, mas era uma espécie de ímã”, definiu com precisão o fotógrafo americano Bob Gruen, que acompanhou a banda no país. No dia 14 de janeiro de 1978, diante de 5 mil pessoas em San Francisco, na Califórnia, o Sex Pistols fez seu último show. Dois dias depois, a banda, cujos integrantes já enfrentavam uma crise de relacionamento, acabou oficialmente.

Acreditando ter sido a principal estrela do Sex Pistols, Sid decidiu seguir a carreira solo. Ele e Nancy foram morar em Nova York, hospedando-se no quarto nº 100 do outrora chique Chelsea Hotel. Nancy agendou três datas na casa de shows Max’s Kansas City, em setembro de 1978. Mais resistente às rebordosas das drogas, era ela quem administrava os interesses do casal. Mas, nos poucos shows que fez em Nova York, Sid já se mostrava debilitado pela heroína. O público contribuía atirando papelotes com drogas ao palco. Inchado, Sid, em nada lembrava o raivoso baixista do Sex Pistols. “Estou feio e não consigo mais tocar”, disse a um amigo.

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No dia 12 de outubro, o casal convidou alguns amigos para uma festa no quarto do hotel. Desacordado após vários Tuinals – um tipo de barbitúrico -, Sid ocupava toda a cama. Na manhã seguinte, ligou para a recepção do Chelsea, pedindo socorro. Nancy foi encontrada morta no banheiro, dilacerada por uma das facas que comprara para Sid. Ainda sob o efeito de drogas, o roqueiro foi detido por policiais. No dia 18, foi solto sob fiança. Confuso, disse a amigos que encontrara Nancy morta e que o dinheiro que guardavam numa gaveta havia sumido.

Deprimido após a morte de Nancy (há relatos de que tentou se suicidar), Sid arrumou uma nova namorada, Michelle Robinson. E mais confusão. Acertou uma garrafada na cabeça do irmão da cantora Patti Smith e teve sua liberdade condicional revogada. Passou o fim de ano preso, o que ajudou na sua desintoxicação. Ao sair da cadeia, com aparência mais saudável, declarou que pretendia largar as drogas. Alguns dias depois, porém, Sid pediu dinheiro à mãe para comprar cocaína e saiu com o baterista Jerry Nolan. Ambos voltaram a tempo de jantar e beber algumas cervejas. Então, um traficante apareceu e lhe deu heroína. Ao sair do banheiro, Sid estava pálido. Desmaiou, recobrou a consciência e dormiu. Na manhã de 2 de fevereiro de 1979, sua mãe o encontrou morto na cama. Era o fim de um dos mais polêmicos astros do rock, que foi seduzido pela máxima “viva rápido, morra jovem” e não teve tempo de ser julgado pela morte de Nancy. Ingênuo e narcisista, Sid buscou a todo custo ser um punk “de verdade” – mesmo sem nunca talvez ter compreendido exatamente o que isso significava.

“Quando fico aborrecido ou irritado, preciso de um inimigo”

Sid Vicious

 

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Futebol, samba e punk rock

Estilo contestador logo cruzou o Atlântico e chegou ao Brasil

O sincronismo dos punks nacionais com os ingleses e americanos foi admirável. Em 1978, o Brasil já podia se orgulhar (ou não) de ter seu primeiro grupo punk, o Restos de Nada, do qual faziam parte Clemente e Ariel, que hoje tocam nas bandas Inocentes e Invasores de Cérebro. O primeiro disco punk brasileiro, a coletânea Grito Suburbano, com Cólera, Olho Seco e Inocentes, saiu em abril de 1982, mesmo ano em que a inofensiva Blitz ensaiava “Você Não Soube Me Amar”. Grande parte dos grupos paulistanos que formaram a primeira geração, como Lixomania, Ratos de Porão, Hino Mortal e Fogo Cruzado, participaram do festival O Começo do Fim do Mundo, no Sesc Pompéia, em 1982. Calado por um tempo, o punk retornou com força no início dos anos 90, impulsionado pelo grupo Nirvana e o fenômeno grunge. O gosto pelo som rápido, simples e divertido, chamado de hardcore, é a principal característica da nova geração. Enquanto bandas pioneiras como Cólera e Ratos de Porão seguiram o caminho independente, nomes como CPM 22 e Dead Fish pularam para o grande mercado fonográfico, alcançando imensa popularidade.

O melhor de Sid

O baixista deixou parco legado
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Cultuar a discografia de Sid Vicious não é fácil. Oficialmente, o Sex Pistols lançou só um álbum – e consta que Sid nem tocou nele. Mas o baixista exerceu seu lado crooner em algumas apresentações registradas de forma caseira. As músicas se repetem em diversos títulos, exigindo cuidado para não levar, sob capas diferentes, o mesmo show para casa.

Sid Sings

Primeiro lançamento solo póstumo de Sid Vicious, pe-la Virgin. Contém “Belsen Was a Gas”, que alguns acreditam ser a única composição da qual ele realmente participou.

Better (to Provoke a Reaction than to React to Provocation)

Gravado no Max’s Kansas City, em 1978. Acredita-se que ele foi acompanhado por Johnny Thunders (guitarra), Walter Lure (guitarra), Billy Rath (baixo) e Jerry Nolan (bateria), membros do New York Dolls.

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Live at the Electric Ballroom

Antes de se mandar para os Estados Unidos, Sid arrecadou algum dinheiro com essa apresen-tação com The Vicious White Kids, banda especialmente criada para a ocasião. É seu melhor registro ao vivo.

Saiba mais

Livros

Chaos – The Sex Pistols, de Bob Gruen, Omnibus Press (em inglês)

A caótica passagem da banda pelos Estados Unidos.

O Que É Punk, de Antonio Bivar, Editora Brasiliense

Um tanto sentimental, captou os primeiros anos do movimento no Brasil.

Mate-me Por Favor – Uma História Sem Censura do Punk, de Legs McNeil e Gillian McCain, L&PM Editores

Os últimos dias de drogas e a decadência de Sid Vicious em Nova York. Essencial.

Filmes

The Great Rock’n’roll Swindle, dirigido por Julian Temple

Filme irregular em que Malcolm McLaren revela como criou o punk. Uma das melhores cenas mostra Sid cantando “My Way”.

Sid & Nancy – O Amor Mata, dirigido por Alex Cox

Um tanto desprezado pelos próprios punks, faz um romance do tipo Romeu e Julieta do punk rock.

O Lixo e A Fúria, dirigido por Julian Temple

Excelente documentário, narra o início e o fim do Sex Pistols, com cenas exclusivas.

Site

https://www.philjens.plus.com/sid/

Bem completo, traz entrevistas com o roqueiro, além de fotos e documentos.

 

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