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Tom de Shepard: o som que sobe eternamente sem subir de verdade

O recurso usado no game Super Mario 64 e por Hans Zimmer na trilha sonora do filme Dunkirk causa uma tensão hipnótica e paralisante.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 11 jun 2021, 18h10 - Publicado em 5 jun 2021, 19h32

Você já deve ter visto uma rosca-sem-fim, inventada por Arquimedes – o mesmo grego que gritou “eureka!”. Caso não tenha, nem vale a pena explicar por escrito. O jeito mais legal é de entender é olhando o GIF abaixo. A caixa de câmbio de um carro é repleta desses parafusos, e todo instrumento musical de cordas usa roscas sem fim nas cravelhas, para afinação.

Tom de Shepard: o som que sobe eternamente sem subir de verdadeTom de Shepard: o som que sobe eternamente sem subir de verdade

Existe um equivalente sonoro da rosca-sem-fim, chamado “tom de Shepard”. É um som que transmite a ilusão de se tornar cada vez mais agudo – ou cada vez mais grave –, mas na verdade está parado; não caminha nem para cima nem para baixo.

Antes de explicar o tom de Shepard em si, vamos explorar algumas curiosidades bacanas sobre passagem ascendentes e descendentes na música.

Sequências de notas que sobem ou descem rapidamente são um recurso comum para gerar sinestesia. Um exemplo bacana está no comecinho de “Riders on the Storm”, a última faixa do último álbum do The Doors. A canção rola toda sobre um som de chuva ao mesmo tempo aconchegante e fantasmagórico. Então, o piano elétrico toca uma cascata descendente que… Bem, ouça. Repórter da Super não é poeta para fazer uma descrição dessas.

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Em desenhos animados ou sitcoms dos anos 1960, quando um personagem está sendo hipnotizado ou caindo no sono, geralmente surge uma espiral preta e branca (que nada mais é que uma rosca-sem-fim):

Tom de Shepard: o som que sobe eternamente sem subir de verdade

O bacana é que a espiral vem acompanhada de um piano tocando repetidamente uma sequência de seis notas, da mais grave para a mais aguda. Essas seis notas têm todas exatamente um tom de distância entre si. Isso significa, para os não músicos, que elas são o equivalente às marcações de centímetros em uma régua. A próxima nota é sempre mais aguda que a anterior por uma quantidade fixa de cents, que é uma unidade de medida usada para aferir distâncias sonoras.

Ouve só – o som rola no minuto 1:10 do vídeo a seguir:

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A música como a conhecemos – a música do Ocidente – se baseia em criar tensão e resolver tensão. Alguns acordes têm sons mais dissonantes e geram ansiedade, outros têm sons mais estáveis e decididos. Isso é possível porque as notas usadas para montar os acordes têm distâncias diferentes entre si. Algumas notas ficam na beira do precipício, quase caindo em outras, e seu ouvido espera que isso aconteça.

O truque por trás do som clichê de hipnose que você ouviu acima é que ele impede nosso cérebro de criar expectativas. Quando as notas são todas equidistantes, nenhuma delas se estabelece como o centro – como o vale mais baixo para onde o rio da música tende a fluir. A música se torna nebulosa e perde o rumo, como um sonho.

O tom de Shepard é um passo além na mesma ideia. Vamos ouvi-lo:

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Bizarro, né? Naves alienígenas decolando, abduções, a atmosfera de outros planetas – o tom de Shepard é usado no cinema sempre que é preciso gerar desconforto. É um dos recursos favoritos de Hans Zimmer, que usa o dito-cujo em trilhas famosas de Chistopher Nolan, como DunkirkInterestelar. 

Mas quem cresceu jogando videogame nos anos 1990 ou 2000 vai se lembrar do tom de Shepard em outro lugar – a escadaria infinita do Super Mario 64. Olha só:

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Há um limite para o quão agudo um som pode ser. A audição humana está limitada a um intervalo entre 20 Hz e 20 mil Hz – os valores exatos variam conforme a idade do ouvinte e quanto ele preservou seus tímpanos ao longo da vida. E também há um limite físico mais óbvio: mesmo um piano, o instrumento comum com o maior alcance, não pode ter um teclado infinitamente longo.

Por isso, o que o tom de Shepard faz é sobrepor várias vezes um som ascendente. Ou seja: um som grave começa a subir e vai se tornando progressivamente mais agudo. Quando ele alcança um certo limite superior, ele faz um fade-out discreto – vai diminuindo de volume até sumir – enquanto um outro som grave já está vindo lá embaixo e se tornando novamente mais agudo. Repetindo esse ciclo inúmeras vezes, cria-se a ilusão de que estar subindo constantemente. Mas é como andar numa esteira de academia: na verdade, você nunca saiu do lugar.

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