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Única Palma de Ouro do Brasil ficou dez anos trancada em um cofre que ninguém sabia a senha

Conheça a história de "O Pagador de Promessas", que conquistou o prêmio máximo do Festival de Cannes em 1962.

Por Rafael Battaglia
22 Maio 2025, 18h00

Até o dia 24 de maio, acontece a 78ª edição do Festival de Cannes, um dos eventos mais importantes do calendário do cinema mundial. Movidos a (muito) champanhe, celebridades passeiam pela Riviera francesa, produtores firmam acordos internacionais e críticos assistem à centenas de filmes – cujas sessões costumam terminar com longos minutos de aplausos.

Dentre as mostras e competições de Cannes, o principal prêmio é a Palma de Ouro, escolhida por um júri que muda todos os anos – o de 2025 é presidido pela atriz francesa Juliette Binoche.

O único brasileiro na disputa atual é O Agente Secreto, novo longa de Kleber Mendonça Filho, que tem um bom histórico em Cannes: em 2019, Bacurau, que Kleber codirigiu com Juliano Dornelles, venceu outra importante láurea do festival, o Prêmio do Júri.

Entregue desde 1955, a Palma de Ouro já premiou filmes de 23 países. Os maiores vencedores são Estados Unidos, com 12 troféus, e a França, com quatro.

O Brasil tem uma Palma: ela foi conquistada em 1962 pelo filme O Pagador de Promessas, dirigido por Anselmo Duarte. Trata-se de uma história que nasceu da mente de um dos maiores escritores brasileiros e que conquistou o júri francês – mas que também recebeu fortes críticas negativas de outros cineastas; dentre eles, Glauber Rocha. Vamos entender por quê.

Os bastidores do filme

O Pagador de Promessas conta a história de Zé do Burro, um homem humilde do interior da Bahia que vive com o seu burro, Nicolau. Um dia, o animal adoece, e Zé faz uma promessa: caso Nicolau viva, ele andará até Salvador carregando uma pesada cruz de madeira.

Dito e feito: o burro melhora e Zé parte na companhia de sua mulher, Rosa. A caminhada, porém, causa um alvoroço na cidade, sobretudo porque a Igreja tenta impedir Zé, já que a promessa foi feita inicialmente em um terreiro de candomblé.

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O criador dessa história é Dias Gomes (1922-1999), um dos maiores dramaturgos da história brasileira. Ele é o autor, por exemplo, de novelas como Roque Santeiro, O Bem-Amado e Saramandaia. O Pagador de Promessas estreou no teatro em 1960 e, de cara, chamou a atenção de um dos artistas mais famosos daquela época: Anselmo Duarte (1920-2009).

Duarte era um ator e roteirista de cinema que, nos anos 1950, havia sido o maior salário da Vera Cruz, estúdio de cinema que apesar da vida curta (funcionou de 1949 a 1954) teve um papel importante na história do audiovisual brasileiro, distribuindo filmes para dezenas de países e lançando artistas como Amácio Mazzaropi.

Em 1957, Anselmo estreou na direção com Absolutamente Certo. Pouco tempo depois, traçou um plano ambicioso: trazer a Palma de Ouro para o Brasil. Para isso, claro, precisava de uma história potente – e aí entra Dias Gomes.

Duarte convenceu Gomes a autorizar a adaptação da peça para as telas. Para o papel de Zé do Burro, escalou Leonardo Villar, que já interpretava o personagem no teatro. Já Rosa foi vivida por Glória Menezes, em seu primeiro trabalho no cinema.

As gravações aconteceram em locações reais, como a Igreja do Paço, uma das mais antigas de Salvador. Ela foi fundada em 1736 e fica no ponto mais alto do centro histórico da cidade (ela reabriu em 2018 após passar duas décadas em restauração).

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A recepção

O Pagador de Promessas estreou na 15ª edição do Festival de Cannes, que rolou em maio de 1962. A competição era forte: no páreo para a Palma de Ouro estavam diretores como o americano Sidney Lumet, o italiano Michelangelo Antonioni e a francesa Agnès Varda. O filme brasileiro não era o favorito e surpreendeu ao vencer a disputa.

De volta ao Brasil, Duarte e a equipe do filme foram recebidos com festa. O filme estreou por aqui em agosto e recebeu boas críticas. No ano seguinte, representou o País no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Fotografia do Anselmo Duarte exibindo a Palma de Ouro conquistada por seu filme O Pagador de Promessas.
(Wikimedia Commons/Reprodução)

“É um conto trágico sobre como, às vezes, dramas humanos reais podem se perder em meio às narrativas dos mais poderosos para se manter no poder”, disse Max Valarezo, criador do canal Entre Planos, em um vídeo sobre o filme. O Pagador de Promessas critica o modus operandi da Igreja, da força policial e até dos meios de comunicação.

Esse reconhecimento, porém, não é unânime. Há quem fale do filme desde o seu lançamento.

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Um dos mais ferrenhos críticos ao trabalho de Duarte foi Glauber Rocha (1939-1981), um dos mais importantes cineastas brasileiros, autor de filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em Transe (1967). Rocha ajudou na produção de O Pagador… e chegou a se aproximar de Anselmo. Mesmo assim, desaprovou o resultado final.

Glauber é um dos expoentes do Cinema Novo, um movimento que se distanciou do modo de produzir de Hollywood (na qual comédias, dramalhões e musicais brasileiros se apoiavam) para fazer obras de denúncia social com uma linguagem inovadora, próxima de um documentário, similar à nouvelle vague francesa. Para Rocha, O Pagador de Promessas era um filme que falava sobre as mazelas do Brasil, mas que se baseou na estética clássica dos filmes americanos.

Não só: Anselmo era o rosto principal das comédias e romances do estúdio Vera Cruz – um tipo de filme que os diretores do Cinema Novo rechaçavam. Estava instaurada a discórdia: Anselmo, que morreu em 2009, passou a vida distante dos cineastas do movimento.

Apesar da treta e das críticas, O Pagador da Promessa se confirmou como um clássico do audiovisual brasileiro com o passar das décadas. Em 2015, a Associação Brasileira de Críticos de Cinema o elegeu como a nona melhor obra da história do cinema nacional.

E o tal cofre?

Em 2022, uma reportagem da TV TEM contou uma história pra lá de inusitada: a Palma de Ouro de O Pagador de Promessas teria ficado uma década guardada dentro de um cofre que ninguém sabia a senha.

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O cofre pertencia ao antigo prédio da prefeitura de Salto, cidade no interior de São Paulo e terra natal de Anselmo Duarte. Foi lá, inclusive, que ele começou sua carreira na sétima arte, ajudando na projeção de filmes do cinema local.

Uma réplica da Palma de Ouro fica exposta no Centro de Cultura de Salto, mas a original permaneceu no cofre, em meio a documentos, cheques e outras quinquilharias. Como ninguém sabia a senha, foi preciso chamar um especialista, que levou uma hora e meia para abrir. Um dos filhos de Anselmo acompanhou tudo à distância, por vídeo.

O G1 deu mais detalhes dessa história. Você pode conferir aqui.

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