Veja as obras de arte danificadas pelos invasores dos Três Poderes
Especialistas acreditam que a maioria das obras podem ser recuperadas – mas não todas. Confira o estrago.
Hoje (9), a escultura “A Justiça”, do mineiro Alfredo Ceschiatti, amanheceu com um “perdeu, mané” pichada no peito. Inaugurada em 1961, ela fica na parte externa do prédio do Supremo Tribunal Federal e retrata Têmis – a personificação da Justiça na mitologia grega. Tem valor estimado entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões, e é só uma das várias obras de arte que foram destruídas ou danificadas na invasão criminosa à sede dos Três Poderes deste domingo (8).
“O valor do acervo que foi destruído é incalculável por conta da história que ele representa. O conjunto de obras é a representação de todos os presidentes que representaram o povo brasileiro durante este longo período que começa com JK [Juscelino Kubitschek]”, disse Rogério Carvalho, diretor de Curadoria dos Palácios Presidenciais, em comunicado.
Há vidros quebrados, tapetes molhados e cadeiras jogadas para longe nos três edifícios. O estrago é grande – mas, segundo Carvalho, será possível realizar a recuperação da maioria das obras vandalizadas. Confira abaixo algumas delas:
“As Mulatas” de Di Cavalcanti
“As Mulatas” é uma das obras mais importantes da carreira do pintor Di Cavalcanti (1897-1976), que ajudou a construir a Semana de Arte Moderna de 1922. Esta era a principal peça do Salão Nobre do Palácio do Planalto, no terceiro andar do edifício. Agora, a tela está com sete rasgos. Segundo nota do Planalto, o quadro tem valor estimado de R$ 8 milhões. Mas ele poderia alcançar um valor cinco vezes maior em leilões – algo comum para obras dessa magnitude.
Relógio Balthazar Martinot
Balthazar Martinot era o relojoeiro do rei francês Luís 14. De suas criações, restaram apenas duas: uma está exposta no Palácio de Versalhes (antiga residência real francesa); outra, com o dobro do tamanho, é esta da imagem acima.
O relógio de pêndulo do século 17 foi um presente da Corte Francesa para Dom João VI – o rei português que abriu caminho para a independência do Brasil após deixá-lo nas mãos de seu filho, o príncipe-regente Dom Pedro I. A peça, cujo valor é considerado incalculável, ficou muito danificada. Carvalho estima como “muito difícil” a restauração do Relógio de Balthazar Martinot.
“A Bailarina”, de Victor Brecheret, e outras esculturas
“A Bailarina”, escultura de bronze de Victor Brecheret (1894-1955), amanheceu fora de seu pedestal depois da caótica invasão deste fim de semana. Ela é uma criação dos anos 1920 do ítalo-brasileiro Brecheret, um dos principais escultores do Brasil e um dos maiores representantes do movimento modernista por aqui. A escultura faz parte do acervo da Câmara dos Deputados e é avaliada em R$ 5 milhões.
Pior é o estado de uma escultura de parede em madeira feita pelo artista Frans Krajcberg (1921-2017), que nasceu na Polônia e se naturalizou brasileiro. Estimada em R$ 300 mil, ela estava no terceiro andar do Palácio do Planalto. Os galhos de madeira que compõem a obra foram quebrados e jogados longe.
A escultura “Vênus Apocalíptica”, criada pela artista argentina Marta Minujín (1943), também estava no Planalto – e apareceu jogada no chão, do lado de fora do prédio.
Outra escultura de bronze, “O Flautista”, do artista plástico Bruno Jorge, foi encontrada totalmente destruída. Datada de 1962, a obra ficava exposta em uma das salas do Congresso e tem valor estimado de R$ 250 mil.
Salão Nobre do STF
No prédio do Supremo Tribunal Federal, os invasores destruíram bustos de figuras importantes da República brasileira, como o de Rui Barbosa, responsável pela criação da Corte no modelo atual, e do abolicionista Joaquim Nabuco. Mas o estrago é ainda mais notável no Salão Nobre do edifício, como mostram as imagens abaixo. Lá estavam mais itens de valor histórico, como um tapete que pertenceu à Princesa Isabel, filha do imperador D. Pedro II e responsável por assinar a Lei Áurea, que acabou com a escravidão no país.
Salão nobre do STF antes e depois do terrorismo bolsonarista. Desolador. pic.twitter.com/ZSngQ4KRKm
— Thiago Cipriano (@thiagocipriano) January 8, 2023
Cadeira do STF
Também no STF, a cadeira da presidente Rosa Weber, desenhada pelo arquiteto e designer Jorge Zalszupin, foi danificada – e jogada para fora do edifício, com o brasão do STF. A primeira versão da cadeira apareceu nos anos 1960, mas Zalszupin criou uma série especial para o Supremo.
Vitral Araguaia, de Mariene Peretti
O vitral, que remete ao curso de um rio, é criação de 1977 da artista franco-brasileira Mariene Peretti. Ele estava no Salão Verde do Congresso Nacional e também foi danificado pelos invasores.
Retrato de José Bonifácio
Invasores também danificaram a obra de autoria desconhecida que retrata o Patrono da Independência do Brasil, José Bonifácio. Ele ganhou um bigode semelhante ao de Adolf Hitler, como você pode ver na imagem acima.
“Bandeira do Brasil”, de Jorge Eduardo
A pintura de 1995 estava no andar térreo do Palácio do Planalto e retrata a bandeira nacional hasteada em frente ao edifício. Ela serviu de cenário para pronunciamentos dos presidentes da República e apareceu, depois da invasão, em meio à água que inundou todo o andar depois que os invasores utilizaram os hidrantes do local. No mesmo andar do prédio, a galeria com fotos dos ex-presidentes foi totalmente destruída.
Rastro de destruição
Este levantamento foi possível a partir de imagens feitas por jornalistas ou publicadas nas redes sociais. O Palácio do Planalto já divulgou uma lista preliminar dos objetos destruídos, mas o Supremo Tribunal Federal e o Congresso não o fizeram até a publicação deste texto.
Não só as obras citadas acima sofreram com a invasão à sede dos Três Poderes. As próprias edificações ficaram danificadas. Elas foram projetadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer e tombadas em 2007 pelo Iphan – órgão responsável pela preservação de nossa história e cultura.
Os invasores também danificaram a escultura Evolução, de Haroldo Barroso, e retiraram diversas pinturas das paredes nos Palácio do Planalto. No Congresso Nacional, danificaram um tinteiro de bronze da época do Império e painéis do artista Athos Bulcão. Até o crucifixo que fica em uma parede do STF não escapou e foi encontrado fora do lugar.