Reportagem Vinicius Abbate e Bruno Garattoni | Ilustração Estevan Silveira | Design Carol Malavolta
Jackson Oswalt estava muito feliz. Aquele dia, 19 de janeiro, era seu aniversário. E o menino estava ansioso para brincar com o presente: um reator de fusão nuclear que ele mesmo construiu, usando US$ 10 mil em peças compradas pela internet. Além de dar o dinheiro, os pais do menino permitiram que ele montasse o reator, uma geringonça feita de válvulas, mangueiras e um cilindro de aço cheio de deutério (um isótopo do hidrogênio), na sala de jogos da casa da família, em Memphis, nos EUA. Mas quando Jackson se preparava para ligar o reator pela primeira vez, os Oswalt devem ter sentido um friozinho na espinha: o aparelho usa um transformador elétrico de 50 mil volts.
O garoto ligou a energia… e deu certo. O reator caseiro produziu uma reação de fusão que durou aproximadamente 1 minuto. Naquele momento, poucas horas antes de completar 13 anos, Jackson Oswalt fez história: tornou-se a pessoa mais jovem a produzir fusão nuclear. “Eu usei energia elétrica para ionizar o deutério e criar plasma, a substância da qual as estrelas são feitas”, explica [o plasma, que se forma quando um gás recebe eletricidade, é o quarto estado da matéria; sucede os estados sólido, líquido e gasoso]. Jackson repetiu o experimento alguns dias depois, e novamente obteve sucesso.
A fusão nuclear, quando dois átomos se transformam num só, também acontece dentro do Sol, onde a enorme força gravitacional comprime átomos de hidrogênio até que eles se fundam, gerando hélio – e liberando enorme quantidade de calor. Ao contrário da fissão nuclear, que usa elementos altamente radioativos e gera lixo nuclear, a fusão é um processo limpo e seguro [veja infográfico ao lado]. Tem potencial para gerar quantidades quase infinitas de energia: o hidrogênio contido em um copo d’água produziria tanta energia quanto um barril de petróleo.
É por isso que a fusão é o santo graal da ciência – que há décadas desenvolve reatores do tipo (o primeiro deles, o russo Tokamak T-1, foi construído em 1958). Mas, até hoje, eles ainda não se tornaram uma realidade comercial. Motivo: os reatores têm rendimento negativo, ou seja, consomem mais energia para iniciar o processo de fusão do que é liberada pela fusão em si. Logo, não têm serventia prática.
Isso também vale para o reator caseiro de Jackson Oswalt, que não gerou quantidade significativa de energia. Na verdade, foi o contrário: desperdiçou um caminhão de eletricidade. “A energia utilizada por Oswalt foi 420 watts, mais ou menos o consumo de uma torradeira. A produção foi de 0,0000003 watts, ou seja, houve perda na proporção de 1,4 bilhão para 1”, explica o engenheiro aposentado Richard Hull, um dos responsáveis pelo Fusor.net, fórum onde cientistas amadores trocam dicas sobre fusão nuclear. Jackson só conseguiu comprovar a fusão porque seu reator emitiu nêutrons, um subproduto típico [veja quadro abaixo].
Ele não é o único moleque a mexer com fusão nuclear. Na década passada o americano Taylor Wilson, de 14 anos, já conseguira produzir fusão nuclear (hoje, com 24 anos, ele trabalha como físico). Isso porque alcançar a fusão caseira, embora esteja longe de ser simples, também não é tão difícil quanto se imagina. O deutério, um gás que não é radioativo, pode ser comprado em lojas de suprimentos de laboratório. Dá para fazer a câmara de fusão numa oficina de metalurgia, e o transformador pode ser construído por alguém com conhecimentos básicos de eletrônica. Com US$ 3 mil já é possível montar um reator de fusão.
A façanha de Oswalt foi prontamente reconhecida pelo Fusor.net, que tem mais de mil integrantes e reconhece dois tipos de fusioneers (apelido dado àqueles que alcançam a fusão). A primeira categoria é chamada Plasma Club (“clube do plasma”), formada por pessoas que construíram um fusor (nome dado ao reator) e obtiveram a criação de plasma. Até agosto, faziam parte dessa lista 138 pessoas. A outra categoria reúne aqueles que conseguiram ir além e medir a emissão de nêutrons, provando que houve fusão nuclear. São os membros do Neutron Club, do qual fazem parte Oswalt, Wilson, Hull e mais 106 pessoas.
“O meu dispositivo produz nêutrons em níveis comparáveis aos fusores profissionais. E tem uma vantagem, seu design mais compacto e eficiente”, vangloria-se o engenheiro Garrett Young, de 36 anos, membro do clube do nêutron. Em fevereiro de 2017, ele se tornou o primeiro amador a ultrapassar a emissão de 1 milhão de nêutrons por segundo (a chamada TIER, Total Isotropic Emission Rate, ou taxa total de emissão de isotrópicos). Em julho deste ano, seu reator alcançou 23 milhões de nêutrons por segundo – valor acima do obtido pelos fusores que estão sendo desenvolvidos em empresas e universidades.
Young criou uma empresa, a Kineutro, para fabricar pequenos reatores de uso médico. Eles seriam usados na produção de radioisótopos (elementos radioativos usados em máquinas de raio X e radioterapia), e não para gerar energia.
Isso continua sendo um sonho distante. Todas as tentativas humanas de criar um pequeno sol artificial, e dele tirar energia infinita, até hoje só resultaram em grandes desperdícios de eletricidade, esforço e tempo. A fusão nuclear virou até alvo de piadinhas entre alguns pesquisadores, que costumavam dizer: “ela é a fonte de energia do futuro. E sempre vai ser”.
Mas, após décadas de impasses e decepções, isso começou a mudar – e há sinais de que podemos chegar lá.