Sim, maldade pura existe. Ela é pior do que você imagina. E pode começar já na infância.
Texto Eduardo Szklarz (edição Bruno Garattoni)
Reportagem originalmente publicada pela Super em maio de 2012
Sim, maldade pura existe. Ela é pior do que você imagina. E pode começar já na infância.
Texto Eduardo Szklarz (edição Bruno Garattoni)
Reportagem originalmente publicada pela Super em maio de 2012
“Para mim, isso era coisa de filme”. Do outro lado da linha, com a voz embargada, Jussara* conta à SUPER como percebeu coisas estranhas no comportamento do filho quando ele tinha apenas 6 anos. Embora o diagnóstico de psicopatia só possa ser feito formalmente aos 18 anos, é possível captar sinais bem antes disso.
As crianças psicopatas mentem muito, são manipuladoras, impulsivas e extremamente egocêntricas. Também são cruéis. Podem queimar um cachorro ou estripar um gato. Sufocar um irmão com um travesseiro sem sentir culpa ou remorso. Tentar queimar ou explodir coisas. Mais tarde, na adolescência, podem praticar vários tipos de crime, de simples roubos a atos de violência sexual e homicídios com requintes macabros. Tudo sem que haja um motivo ou fator causador, a não ser o puro instinto.
E tudo sem que os pais possam fazer muita coisa – pois estudos sugerem que a psicopatia pode ser causada por problemas estruturais no cérebro, e não pode ser anulada por uma boa educação. É como se os psicopatas já nascessem sentenciados a serem maus; suas famílias, a conviver com isso.
*nome fictício, como todos os outros marcados com asterisco nesta reportagem
Desde pequeno, Gustavo batia nos pais e em outras crianças. Era algo tão grave e tão constante que o levou a ser internado aos 13 anos num hospital psiquiátrico, onde ele ficou por um ano e meio.
O tratamento não surtiu efeito. Sua mãe, Natália*, se sentia culpada e humilhada pelas outras pessoas. “Diziam que eu permitia os abusos dele, que bastaria dar uns tapinhas”, afirma.
“Minimizavam a situação, falavam que Gustavo tinha apenas uma adolescência conflituosa.” O garoto roubou dinheiro da família, destruiu a casa 3 vezes, cortou a orelha do pai e golpeou as costelas da mãe, que foi parar no hospital por isso. “Às vezes, eu acordava no meio da noite e ele estava nos observando dormir. Percebi que nos mataria a qualquer momento”, conta Natália. “Enfrentei todas essas situações, esperei o que estipula a lei (protegê-lo até os 21 anos) e dei por terminado esse calvário.
Não o vejo mais.” Natalia tomou a decisão em 1993, após fazer terapia e decidir que o filho era irrecuperável. O casal acabou expulsando o garoto de casa – por puro medo de ser assassinado. “Muitas mães continuam carregando essa situação nos ombros. Outras morrem nas mãos de seus filhos”, afirma. Gustavo é a minoria da minoria. Há crianças que são agressivas e perversas como ele era na infância – mas não necessariamente se tornarão adultos problemáticos.
Elas batem nos irmãos e tiram objetos dos pais, por exemplo, mas tudo passa após uma etapa de ajuste. “Não podemos jamais concluir que crianças com distúrbios de comportamento serão psicopatas no futuro. Por isso, não se dá o diagnóstico de psicopatia antes dos 18 anos”, diz o psiquiatra forense Guido Palomba. Mas algumas crianças que apresentam esses distúrbios vão, sim, se tornar adultos psicopatas, por mais acompanhamento e tratamento que recebam.
É o caso de Gustavo: ele nasceu e vai morrer assim. Hoje, aos 40 anos, busca contato com os parentes – mas só para prejudicá-los. Roubou objetos dos pais na única vez que o deixaram entrar em casa. “Continuo em terapia porque a dor de perdê-lo foi dilacerante. Senti culpa e saudade, mas sei que para ele eu não valho nada”, diz Natália.
Os pais de Gordon* suspeitaram cedo de seu caráter amoral. “Desde que ele mamava no peito, eu percebi que não estabelecia um vínculo afetivo. Mas ele era agradável com as outras pessoas, tão charmoso e atraente, não me preocupei muito”, diz Barbara*, a mãe. “Aos 7 anos, vi que algo realmente estava mal: eu tinha de mantê-lo longe dos dois irmãos mais novos para evitar que os agredisse. E o peguei abusando sexualmente da gata do vizinho”, diz ela.
Aos 12, Gordon foi acusado de abuso sexual contra uma mulher. Passou alguns anos detido por essa e outras 7 ações do mesmo tipo. Sempre negou a culpa. “Nós demos educação, carinho, viagens, imóveis – e ele arruinou tudo”, conta a mãe. “Ele tinha sempre um motivo para pedir dinheiro emprestado, que nunca devolvia. Nos extorquiu US$ 200 mil”, afirma ela.
Hoje, aos 24 anos, Gordon é pai de um menino de 4. “Meu maior temor é que ele faça mal a meu neto, que vive com a mãe a 3 200 km da cidade onde eu e meu filho vivemos”, diz Barbara, que teme até revelar a cidade onde mora. Hoje, Gordon tenta se abrigar na casa de desconhecidos, que conhece em pontos de venda de drogas. “Predadores são predadores, mesmo que sejam nossos filhos. Não importa o que você fizer, eles vão sempre desrespeitar, ameaçar, desprezar e odiar você. Negar esse fato só causa mais dor”, diz Barbara.
Ao contrário dela, a maioria das mães não consegue enxergar que o filho é um psicopata. Mas o transtorno de personalidade começa a dar sinais desde bem cedo, por volta dos 6 anos – em casos extremos, até antes. “A professora do jardim de infância nota que a criança não obedece a ordens, comete atos muito agressivos e age de forma independente do grupo”, explica o psiquiatra Hugo Marietan, da Universidade de Buenos Aires, que estuda psicopatas há 20 anos. “Isso acontece porque o psicopata é uma unidade em si mesmo. Enquanto as outras pessoas se apoiam em redes afetivas, seja de parentes seja de amigos, ele não necessita de ninguém.”
Gordon nunca teve um amigo verdadeiro. E isso faz todo o sentido: os psicopatas não entendem a amizade. Para eles, não passa de um sinal de fraqueza.
Em 1986, o americano Jeffrey Bailey Jr, de 9 anos, foi deixado sozinho com o amiguinho Ricky Brown, de 3. Jeffrey sabia que o menino tinha medo de água e não sabia nadar. Mesmo assim, levou-o para a piscina e o empurrou lá dentro. Ricky se debateu por vários minutos, gritando por socorro. “Em vez de estender o braço, Jeffrey puxou uma cadeira para assistir à morte do menino. Depois foi para casa”, diz a psicóloga forense Katherine Ramsland, da Universidade DeSales, nos EUA.
Ao se encontrar com um vizinho, Jeffrey perguntou “o que era a gosma branca” que sai do nariz de uma pessoa que se afoga. A polícia encontrou o corpo de Ricky às 18h40, cerca de 8 horas após o afogamento. “Foi um acidente”, mentiu Jeffrey. “Ao ser interrogado, o garoto se mostrou indiferente à morte do amigo. Ele estava mais preocupado em ser o centro das atenções do que em sentir qualquer tipo de remorso pelas coisas que havia feito”, conta Ramsland.
A história ajuda a entender a mente psicopata. É comum que crianças (normais) tenham dificuldade de lidar com emoções. Podem ser impulsivas, narcisistas ou agressivas, bater nos irmãos por ciúme ou egoísmo. “Mas quando uma criança comete atos assim por sadismo, e sem sentir remorso ou culpa, pode-se suspeitar de psicopatia”, diz o psicólogo forense americano Carl Gacono. “Outro elemento é a falta de empatia, a incapacidade de se colocar no lugar do outro.” Segundo Gacono, esses 4 sinais – sadismo, falta de remorso, falta de culpa e ausência de empatia – podem ser detectados entre 6 e 9 anos, quando a personalidade está se formando.
Aos 6 anos, Cássio* não demonstrava emoções nem vínculo afetivo. Só apatia. Depois o garoto se tornou agitado e manipulador. A mãe, Jussara*, o levou a vários médicos no ABC paulista. Todos disseram que era apenas ansiedade. E Cássio foi ficando cada vez pior – tentou suicídio 3 vezes. Depois dos 18, finalmente recebeu um diagnóstico concreto: transtorno de personalidade. “Eles [os médicos] disseram que meu filho não pode viver em sociedade.
Foi duro escutar isso.” Mãe de 4 filhas mais novas, Jussara diz que o melhor para Cássio seria permanecer internado. “O problema é que as clínicas não o aceitam. Além dos laudos médicos, já precisei de várias liminares para que o internassem”, afirma. Entre um hospital e outro, Cássio se envolveu romanticamente com duas enfermeiras, uma das quais o ajudou a fugir. “Ele nunca fez mal aos outros porque a família agiu desde cedo para contê-lo, com remédios e internações”, diz a mãe.
Hoje com 24 anos, o rapaz está desaparecido há um mês*. “Provavelmente virou um andarilho”, acredita Jussara, que teme ser responsabilizada por atos violentos do filho contra outras pessoas. “E se amanhã acontecer alguma coisa na rua, como os casos monstruosos que vemos na TV, a culpa vai ser de quem?”
*reportagem publicada em maio de 2012.
André* tinha 3 anos quando começou a fazer terapia. Segundo Claudia*, a mãe, era muito arteiro. “Ele queimava os brinquedos e depois apagava com água e terra. Aos 4, queimou um armário inteiro que ficava fora da casa. Uma vez colocou fogo debaixo do carro usando papel e fósforo, e por sorte não houve uma explosão. Eu e meu marido demos uma bronca, como qualquer pai faria”, diz Claudia. Os especialistas disseram que o menino era hiperativo com déficit de atenção. Ele era simpático e conversador, mas mentia demais, e com extrema convicção.
Aos 15 anos, André entrou numa fase mais agressiva. “Ele nos xingava e dizia que ia nos matar. Que explodiria uma bomba em casa. Tentava montar artefatos com fios e adubo do jardim. Eu dormia trancada no quarto com meu marido e o outro filho”, diz a mãe. “Uma vez, ele pegou uma faca e veio andando em nossa direção completamente surtado. Foi necessária a intervenção da polícia, que é despreparada para lidar com pessoas nesse estado.”
Já adulto, André foi diagnosticado com transtorno antissocial – equivalente, no caso dele, a psicopatia. “Ele tem atitudes inesperadas. Age como uma pessoa normal e tem inteligência admirável. O problema é quando explode”, diz Claudia. Segundo ela, o pior de ter um filho problemático é a incerteza constante. “Uns dias são melhores, outros piores, e você nunca sabe o que virá”.
“Não está escrito na testa que eles são psicopatas. Passarão pela vida sem que as outras pessoas saibam. Nós, como pais, só queríamos que fossem pessoas capazes de conviver em sociedade, trabalhar, criar e manter suas famílias. Principalmente, que fossem felizes.” Hoje, aos 33, André trabalha como técnico em computação e ainda mora com os pais. “Ele tem ficado mais tranquilo com o tempo. Rezo para que continue assim”, diz Claudia.
Ele sofreu anóxia (falta de oxigênio) durante o parto. Dezesseis anos mais tarde, arquitetou o assassinato do casal de namorados Liana Friedenbach, de 16, e Felipe Caffé, de 19. Roberto Cardoso é o Champinha, autor de um dos crimes mais famosos do Brasil recente. Qual a ligação entre as duas coisas? Ele é considerado um pseudopsicopata, ou seja, uma pessoa que se comporta como psicopata devido a um dano físico sofrido pelo cérebro – no caso, a anóxia.
Champinha estuprou Liana por 5 dias e depois a matou a facadas. Felipe recebeu um tiro na cabeça. Os comparsas de Champinha foram condenados a 177 anos de prisão. Como era menor, ele foi para a Fundação Casa e em 2007 foi internado na Unidade Experimental de Saúde (UES), em São Paulo, onde está até hoje. No ano passado declarou, por meio de seu advogado, que não vê “sentido” em ficar preso e gostaria de estudar para ser veterinário. Sua rotina na UES se resume a comer, dormir e assistir aos jogos do Corinthians.
Pessoas como ele poderiam um dia ser reintegradas à sociedade? Talvez não. A maioria dos especialistas acredita que a psicopatia tenha um componente genético. Segundo essa teoria, uma boa educação não seria capaz de impedir que a criança se tornasse má. No máximo atenuar o transtorno. Em vez de assassino, o indivíduo poderia virar um executivo inescrupuloso ou um político corrupto, por exemplo.
O pequeno Steven cresceu cercado pela violência. “Meu marido me batia e eu revidava”, contou a mãe, Cathy, ao jornal britânico The Guardian. “Steve era um dos meus 7 filhos. Ele era o meu queridinho. E ainda é. Apenas se meteu em problemas.” Aos 11 anos, o menino começou a roubar e foi levado a um lar para menores infratores, onde ficou até os 18.
A mãe diz que ele sofreu abusos lá (tanto que a instituição acabou sendo fechada). A partir daí, Steven viveu entrando e saindo da prisão: foram 38 condenações por roubos e posse de drogas. Até que em 1993, aos 23 anos, finalmente saiu do limite: estrangulou e queimou Thomas Kelly, de 18, num terreno abandonado de Suderland, na Inglaterra.
No ano seguinte, fez o mesmo com David Hanson e Gavid Grieff, ambos de 15. Foi condenado à prisão perpétua em 1996. Segundo o promotor, Steven matou os meninos para que parassem de dizer que ele era gay. Diante da mãe, no entanto, Steven nunca confessou o crime. “Sei que ele não vai sair da prisão enquanto eu estiver viva. Mas eu ainda o amo. Nunca poderia ir contra ele porque é meu filho.”
O americano Jason Massey tinha 9 anos quando matou o primeiro gato. Gostou. Nos anos seguintes, dissecou dezenas de outros, que pegava perto de casa. Psicopatas como ele têm uma curiosidade mórbida por animais domésticos. Espetam os olhos de tartarugas, estripam pássaros para saber o que há dentro, botam fogo num cão só para vê-lo correr. E não se horrorizam com isso. Na verdade, desfrutam do sofrimento alheio – e não se importam em carregar a imagem de sádico. Jason tinha essa fama. Um exemplo: “Na adolescência, supostamente matou o cachorro de uma garota que não quis ser sua namorada”, diz a psicóloga forense Katherine Ramsland.
Em seu diário, Jason registrou fantasias de estupros e canibalismo com mulheres. Seu ídolo era Ted Bundy, famoso psicopata americano que seduzia jovens para depois estuprá-las. Bundy matou pelo menos 30 mulheres antes de ser executado na cadeira elétrica, em 1989. Jason queria superar essa marca. Em julho de 1993, aos 20 anos de idade, foi apresentado por um amigo a Christina – de apenas 13 anos. Confessou ao amigo que gostaria de matá-la. Roubou uma arma calibre 22 e comprou munição, facas e algemas.
Poucos dias depois, Jason convenceu Christina a passear com ele de carro no meio da noite pelo interior do Texas. Christina levou junto o amigo Brian, de 14. Foi o último passeio deles. “Brian levou dois tiros. Christina foi desmembrada. Sua cabeça e suas mãos desapareceram”, conta Ramsland. A garota levou dezenas de facadas. Teve as vísceras removidas e os mamilos cortados. Jason foi julgado pelos crimes e condenado à morte por injeção letal, em 2001.
A ciência ainda tenta explicar o que está por trás de condutas tão extremas. E algumas pistas têm surgido. O médico forense Guido Palomba examinou vários indivíduos com distúrbios de comportamento. E observou uma característica peculiar nos cérebros de pessoas sádicas. “A constituição anatômica era igual à do cérebro de um epiléptico, com assimetria entre as duas metades”, diz Palomba. Isso sugere que comportamentos radicalmente violentos podem
ter raiz neurológica – e genética.
Aos 9 anos, o paulista Bernardo* enforcou a empregada de sua casa usando uma gravata que pertencia ao pai. Ele passou a gravata em torno do pescoço da mulher, fez um laço num cano e puxou. Bernardo não chegou a suspender sua vítima. Ela desmaiou e acabou se enforcando com o próprio peso. Um ato de crueldade inimaginável – e que se encaixava na personalidade psicopata do garoto.
“O menino apresentava um distúrbio de comportamento violentíssimo. Esfregava fezes na parede ou as atirava nas pessoas. Também tinha perversões sexuais com crianças do mesmo sexo”, revela, sob anonimato, o médico que o atendeu. “O garoto não era vítima de pedófilos maiores de idade. Ele é que tomava a iniciativa das ações sexuais. Pegava pedaços de madeira para empalar outras crianças, por exemplo.” O caso da empregada foi abafado pela família, e não houve punição para Bernardo.
Assim como ele, os psicopatas têm uma gama de sentimentos reduzida. Não sentem ternura, amor, solidariedade ou tristeza. “Vivem num pêndulo entre duas emoções básicas: o entusiasmo (para buscar os objetivos) e a ira (quando se frustram por não realizá-los)”, diz o psiquiatra Hugo Marietan. “Mas estudam os sentimentos das outras pessoas com o objetivo de manipulá-las”. O eventual choro do psicopata não é espontâneo, e sim puro teatro para conseguir alguma coisa. E quando eles conseguem, os resultados podem ser tão terríveis quanto os que vimos nesta reportagem.
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