Texto Bruno Vaiano | Colagens Gabriela Sánchez | Design Juliana Caro | Edição Alexandre Versignassi
O lagostim-mármore é um crustáceo de 6 cm com oito patas, duas garras e um problema demográfico: toda a população consiste em fêmeas virgens. Isso não as impede de botar dúzias de ovos regularmente, todos contendo bebês. Esses bebês também são fêmeas, que, depois de maduras, vão gerar a própria prole de maneira assexuada. Assim, a população cresce exponencialmente, como um vírus, sem jamais precisar de um macho.
Essa infestação começou em 1995 – quando alguns lagostins da espécie Procambarus fallax, natural dos pântanos da Flórida, foram levados à Alemanha como pets de aquário. Graças a um óvulo ou espermatozoide anômalos, uma fêmea do fallax nasceu triploide, isto é: com três cópias de cada cromossomo, em vez das duas normais. Essa fêmea alcançou a vida adulta e, quando começou a liberar os próprios óvulos, eles também saíram triploides. Como já possuem a carga genética completa, não precisam de pai.
Hoje, vários rios alemães estão tomados pelos clones. Há colônias na Ucrânia e na República Tcheca. Alguns lagostins-mármore vivem na água do sistema de refrigeração de uma usina termelétrica na fronteira da Eslovênia com a Rússia. Levado para Madagascar, o bicho se espalhou sem querer e virou ao mesmo tempo um desastre ecológico e uma fonte de proteína valiosa no combate à fome crônica.
Esse é um caso raro de partenogênese – termo técnico para a capacidade de uma fêmea de se reproduzir por clonagem, sem que espermatozoides fecundem os óvulos. Além de alguns crustáceos, apenas 22 peixes, 23 anfíbios e 29 répteis são capazes de tal feito. Para comparar, existem aproximadamente 33 mil peixes, 7 mil anfíbios e 10 mil répteis sexuados. Entre insetos a tendência é a mesma: de 380 mil espécies de besouro, só 600 são assexuadas. Entre as plantas angiospermas, que produzem flores, só 0,1% das cerca de 300 mil espécies se reproduz sem fazer sexo. O sexo é muito popular na natureza.
Apesar disso, o sexo é um problema monumental. Se um animal está adaptado à sobrevivência no seu habitat, é mais vantajoso fazer um bebê clone do que arriscar misturar genes com os de outro indivíduo – gerando um bebê menos apto. Além disso, o animal corre o risco de pegar uma DST e de ter um filho com uma DST.
Por fim, para atrair parceiros, ele desperdiça tempo e nutrientes em ostentações desnecessárias – tipo uma cauda de pavão, que é custosa e atrai predadores (o mesmo vale para relógios caros e Ferraris). Tudo isso para transmitir só metade dos genes para a prole, e gerar metade dos bebês que uma população assexuada gera – afinal, os machos, que são 50% da população, não engravidam.
Assim, era de se esperar que os assexuados rapidamente superassem os sexuados em número. É seleção natural: quem tem mais descendentes domina o habitat e extingue a concorrência. Na prática, porém, o sexo é claramente o jeito mais vantajoso de se reproduzir; caso contrário, ele seria a exceção, não a regra.
Normalmente, a seleção natural não precisa de muito para favorecer uma característica. Uma capivara que fornece só um pouquinho de cálcio a mais para os dentões ganha uma capacidade ligeiramente maior de roer (digamos, de 2%). Assim, ela come um pouco mais, vive um pouco mais e tem mais bebês. Com o tempo, a população é tomada por bebês de dentes mais fortes. O gene que permitiu esse aumento se torna onipresente.
Favorecer o sexo é outra história, bem mais difícil. O biólogo John Maynard Smith percebeu na década de 1970 que um gene que favorece a reprodução sexuada só consegue se tornar onipresente na população se a vantagem que ele dá for superior ao prejuízo de 50% na fabricação de filhotes causado pela existência de machos. 50% é muita coisa. Se mesmo um traço obviamente benéfico (como dentões) gera uma vantagem de só 2%, o que dizer do sexo, que logo de cara já parece uma ideia tão ruim?
No colégio, aprendemos de maneira bastante genérica que o sexo existe para gerar variabilidade genética. Mas o que essa variabilidade teria de tão especial a ponto de compensar seu preço, tão alto? O sexo, é óbvio, não cria novos genes – só mutações fazem isso. Ele só pode misturar os genes que já existem. E aqui começa a conversa. Será que misturar genes, por si só, é algo tão importante?