Apesar de conservador, Freud ganhou fama de libertino por suas teorias da sexualidade. Para ele, crianças têm seus próprios jogos eróticos (às vezes envolvendo cocô) e fases de desenvolvimento psicossexual. E os adultos? Somos todos pervertidos.
Texto: Alexandre Carvalho | Edição de arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria | Imagens: Getty Images
“Moleque abusado pela babá vira guru do sexo” – essa seria uma manchete possível caso algum jornal sensacionalista publicasse a história. O próprio Freud foi a fonte dessa “versão romântica” sobre o despertar do seu interesse sobre a sexualidade. Referindo-se à mulher contratada para cuidar dele quando menino – uma senhora feiosa, mas bem saidinha, segundo o próprio –, ele disse: “Foi minha professora de sexualidade. Ela me dava banho com uma água avermelhada na qual ela mesma se lavara antes”. Cruzes! Mas a hipótese de que o comportamento da babá poderia dar cadeia vem de outra afirmação sua, uma que fez estudiosos de diversas épocas suspeitarem da velhinha como musa das teorias mais picantes da psicanálise: “A satisfação sexual é o melhor sonífero. É sabido que babás pouco escrupulosas fazem adormecer crianças que choram acariciando seus genitais”.
A afirmação está na obra mais polêmica de Sigmund Freud, considerada na época como obscena e pornográfica, e que deu a seu autor o estigma de velho tarado: Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, de 1905. No livro, Freud trata das manifestações psíquicas ligadas a essa sexualidade, das perversões sexuais e de toda uma teoria da libido. Mas o que escandalizou o mundo foi mais especificamente o segundo ensaio, A Sexualidade Infantil, que teve como base a observação dos seus filhos no dia a dia – e olha que ele teve seis –, além de estudos anteriores aos seus, os relatos de seus pacientes e o que Freud lembrava da própria infância. Nessa parte da obra, o autor revela que a criança tem atividades sexuais, brinca com suas zonas erógenas, direciona sua libido para a mãe ou o pai e (segure-se na cadeira) até prende o cocô por puro prazer anal.
Uau! Era demais para a sociedade do século 19. É demais até para os pais modernos de hoje em dia. Principalmente os que não buscam compreender o que Freud estava querendo dizer com sexualidade. Ele nunca falou ou escreveu que as crianças passam a infância num eterno filme pornô, e sim buscando sensações de prazer. Fazem isso por meio de pensamentos e atitudes que um olhar menos perscrutador dificilmente associaria a atividades sexuais – como a tal retenção das fezes.
Pode até ser que a babá erótica do pequeno Sigmund tivesse culpa no cartório, mas os registros históricos apontam para outra origem do interesse do austríaco pelo que as crianças fazem com os pipis e popôs. Na rotina do seu consultório, usando a técnica da associação livre, Freud foi percebendo que muitos dos casos de estresse emocional de seus pacientes estavam relacionados a experiências reprimidas da infância, ligadas a questões sexuais – concluiu que as neuroses nascem do conflito entre a sexualidade do paciente e os padrões da sociedade.
Como já vimos neste dossiê, Freud esteve convencido durante um tempo de que todo mundo tinha algum trauma sexual de infância, associado a um abuso cometido por um parente próximo, frequentemente os próprios pais: a sua Teoria da Sedução. Mas a tese de que o planeta é habitado por bilhões de molestadores incestuosos não durou tanto – ele mesmo concluiu que parecia pouco factível. Ao longo das sessões de psicanálise, foi então percebendo que as memórias de traumas sexuais geralmente eram parte da fantasia criada pela mente dos pacientes.
Se desistiu da hipótese dos abusos generalizados, Freud nunca abdicou da ideia de que a busca por prazer na infância, com seus êxitos e fracassos, tem reflexos fundamentais na formação da nossa personalidade. Junto com o funcionamento do inconsciente – conceito imprescindível em qualquer ideia que venha de Freud –, a sexualidade é o sustentáculo de toda a psicanálise. E essa safadeza começa antes do que parece.
Puro êxtase
Imagine degustar o seu drink predileto ao mesmo tempo que recebe uma massagem deliciosa nos ombros e nos pés. Diante de você, modelos lindas/lindos desfilam com pouca roupa – tudo ao som da sua banda preferida. Bom, né? Pois é exatamente assim que se sente um bebê sugando leite materno. Está ali o mamá quentinho que, além de alimentar, tem poder analgésico e antiestresse. A voz e até o cheirinho da mãe relaxam e acalmam. E o contato com o seio não é o sonho só de adolescentes espinhudos – para um bebê, é a melhor experiência tátil do mundo. A amamentação é uma explosão de estímulos – em todos os sentidos. “Quem vê uma criança largar satisfeita o peito da mãe e adormecer, com faces rosadas e um sorriso feliz, tem de dizer que essa imagem é exemplar para a expressão de satisfação sexual na vida posterior”, define Freud.
Segundo ele, o prazer múltiplo da mamada é justamente o primeiro passo na direção do que vai se tornar a série de estágios do desenvolvimento psicossexual infantil. Essa jornada começa no nascimento e, ao longo dos primeiros anos de vida, é marcada pelo autoerotismo, quando a criança obtém prazer com o estímulo das zonas erógenas do próprio corpo – a boca em contato com o seio materno, a genitália que recebe pomada na troca de fralda… tudo muito mais inocente do que o termo “erógena” poderia insinuar. Mas a festa de uma só pessoa é interrompida por volta dos 6 anos, idade em que meninos e meninas vão para a escola e arrumam outras distrações para a cabeça.
Esse intervalo, de abstinência, dura até a puberdade, quando então a sexualidade volta com força total – agora não mais centrada no próprio corpo, mas de olho nos objetos sexuais que abundam à nossa volta: outros meninos e meninas. Uma autoaprendizagem que deixa marcas para a vida inteira, pois, nas palavras do próprio Freud, esse é o “jogo das influências que governam a evolução da sexualidade infantil até o seu desenlace em perversões, neurose ou vida sexual normal”. E é o que veremos a seguir.