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Ciência

Sexualidade – Do peito da mãe aos prazeres da cama

Apesar de conservador, Freud ganhou fama de libertino por suas teorias da sexualidade.

por Alexandre Carvalho Atualizado em 17 ago 2020, 19h00 - Publicado em 12 abr 2020 11h18

Apesar de conservador, Freud ganhou fama de libertino por suas teorias da sexualidade. Para ele, crianças têm seus próprios jogos eróticos (às vezes envolvendo cocô) e fases de desenvolvimento psicossexual. E os adultos? Somos todos pervertidos.

Texto: Alexandre Carvalho | Edição de arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria | Imagens: Getty Images


“Moleque abusado pela babá vira guru do sexo” – essa seria uma manchete possível caso algum jornal sensacionalista publicasse a história. O próprio Freud foi a fonte dessa “versão romântica” sobre o despertar do seu interesse sobre a sexualidade. Referindo-se à mulher contratada para cuidar dele quando menino – uma senhora feiosa, mas bem saidinha, segundo o próprio –, ele disse: “Foi minha professora de sexualidade. Ela me dava banho com uma água avermelhada na qual ela mesma se lavara antes”. Cruzes! Mas a hipótese de que o comportamento da babá poderia dar cadeia vem de outra afirmação sua, uma que fez estudiosos de diversas épocas suspeitarem da velhinha como musa das teorias mais picantes da psicanálise: “A satisfação sexual é o melhor sonífero. É sabido que babás pouco escrupulosas fazem adormecer crianças que choram acariciando seus genitais”.

A afirmação está na obra mais polêmica de Sigmund Freud, considerada na época como obscena e pornográfica, e que deu a seu autor o estigma de velho tarado: Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, de 1905. No livro, Freud trata das manifestações psíquicas ligadas a essa sexualidade, das perversões sexuais e de toda uma teoria da libido. Mas o que escandalizou o mundo foi mais especificamente o segundo ensaio, A Sexualidade Infantil, que teve como base a observação dos seus filhos no dia a dia – e olha que ele teve seis –, além de estudos anteriores aos seus, os relatos de seus pacientes e o que Freud lembrava da própria infância. Nessa parte da obra, o autor revela que a criança tem atividades sexuais, brinca com suas zonas erógenas, direciona sua libido para a mãe ou o pai e (segure-se na cadeira) até prende o cocô por puro prazer anal.

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Uau! Era demais para a sociedade do século 19. É demais até para os pais modernos de hoje em dia. Principalmente os que não buscam compreender o que Freud estava querendo dizer com sexualidade. Ele nunca falou ou escreveu que as crianças passam a infância num eterno filme pornô, e sim buscando sensações de prazer. Fazem isso por meio de pensamentos e atitudes que um olhar menos perscrutador dificilmente associaria a atividades sexuais – como a tal retenção das fezes.

Pode até ser que a babá erótica do pequeno Sigmund tivesse culpa no cartório, mas os registros históricos apontam para outra origem do interesse do austríaco pelo que as crianças fazem com os pipis e popôs. Na rotina do seu consultório, usando a técnica da associação livre, Freud foi percebendo que muitos dos casos de estresse emocional de seus pacientes estavam relacionados a experiências reprimidas da infância, ligadas a questões sexuais – concluiu que as neuroses nascem do conflito entre a sexualidade do paciente e os padrões da sociedade.

Como já vimos neste dossiê, Freud esteve convencido durante um tempo de que todo mundo tinha algum trauma sexual de infância, associado a um abuso cometido por um parente próximo, frequentemente os próprios pais: a sua Teoria da Sedução. Mas a tese de que o planeta é habitado por bilhões de molestadores incestuosos não durou tanto – ele mesmo concluiu que parecia pouco factível. Ao longo das sessões de psicanálise, foi então percebendo que as memórias de traumas sexuais geralmente eram parte da fantasia criada pela mente dos pacientes.

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Se desistiu da hipótese dos abusos generalizados, Freud nunca abdicou da ideia de que a busca por prazer na infância, com seus êxitos e fracassos, tem reflexos fundamentais na formação da nossa personalidade. Junto com o funcionamento do inconsciente – conceito imprescindível em qualquer ideia que venha de Freud –, a sexualidade é o sustentáculo de toda a psicanálise. E essa safadeza começa antes do que parece.

Puro êxtase

Imagine degustar o seu drink predileto ao mesmo tempo que recebe uma massagem deliciosa nos ombros e nos pés. Diante de você, modelos lindas/lindos desfilam com pouca roupa – tudo ao som da sua banda preferida. Bom, né? Pois é exatamente assim que se sente um bebê sugando leite materno. Está ali o mamá quentinho que, além de alimentar, tem poder analgésico e antiestresse. A voz e até o cheirinho da mãe relaxam e acalmam. E o contato com o seio não é o sonho só de adolescentes espinhudos – para um bebê, é a melhor experiência tátil do mundo. A amamentação é uma explosão de estímulos – em todos os sentidos. “Quem vê uma criança largar satisfeita o peito da mãe e adormecer, com faces rosadas e um sorriso feliz, tem de dizer que essa imagem é exemplar para a expressão de satisfação sexual na vida posterior”, define Freud.

Segundo ele, o prazer múltiplo da mamada é justamente o primeiro passo na direção do que vai se tornar a série de estágios do desenvolvimento psicossexual infantil. Essa jornada começa no nascimento e, ao longo dos primeiros anos de vida, é marcada pelo autoerotismo, quando a criança obtém prazer com o estímulo das zonas erógenas do próprio corpo – a boca em contato com o seio materno, a genitália que recebe pomada na troca de fralda… tudo muito mais inocente do que o termo “erógena” poderia insinuar. Mas a festa de uma só pessoa é interrompida por volta dos 6 anos, idade em que meninos e meninas vão para a escola e arrumam outras distrações para a cabeça.

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<strong>Na primeira infância, mamar no peito seria o suprassumo do prazer.</strong>
Na primeira infância, mamar no peito seria o suprassumo do prazer. (Three Lions/Getty Images)

Esse intervalo, de abstinência, dura até a puberdade, quando então a sexualidade volta com força total – agora não mais centrada no próprio corpo, mas de olho nos objetos sexuais que abundam à nossa volta: outros meninos e meninas. Uma autoaprendizagem que deixa marcas para a vida inteira, pois, nas palavras do próprio Freud, esse é o “jogo das influências que governam a evolução da sexualidade infantil até o seu desenlace em perversões, neurose ou vida sexual normal”. E é o que veremos a seguir.

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Revolução Psicossexual

Uma das teorias que eternizaram o pensamento de Sigmund Freud nas discussões de mesa de bar é a que divide o desenvolvimento psicossexual infantil em cinco estágios – uma ideia que o austríaco tirou da biologia evolucionista.

Eles vão do nascimento à puberdade: as fases oral, anal, fálica, um período de latência e, enfim, a fase genital. Ao longo dessas passagens, segundo ele, a criança se dedica a atividades que são fontes de prazer e de autoerotismo.


1 • FASE ORAL
Vai do nascimento ao segundo ano de vida. E, sim, se você pensou no mamá da mamãe, sua resposta está absolutamente certa. É quando os atos de morder o seio, sugar e engolir o leite materno geram satisfação ao bebê. E não apenas por saciar a fome. É por prazer mesmo. “Só podemos relacionar essa obtenção de prazer à excitação da região da boca e dos lábios, partes do corpo a que chamamos, então, zonas erógenas, e o prazer alcançado no ato de sugar, nós o caracterizamos como sexual.” Não seria para menos, portanto, que bebês levam à boca praticamente tudo o que encontram – e que existe um objeto mágico, simulacro do seio materno, chamado chupeta.

Segundo Freud, problemas nesse estágio de desenvolvimento, com uma satisfação precária ou excessiva desse prazer, podem ter consequências na vida adulta do indivíduo. No caso do excesso, “Tais crianças se tornarão, quando adultos, finos apreciadores de beijos, preferirão beijos perversos ou, sendo homens, trarão consigo um poderoso motivo para beber e fumar.” Já as mulheres, segundo Freud, terão nojo de comida. “Muitas de minhas pacientes com distúrbios de alimentação, constrição na garganta e vômitos foram enérgicas ‘chupadoras’ na infância.”

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2 • FASE ANAL
Ocorre entre os 2 e 4 anos e é a fase em que a criança descobre as mil e uma utilidades do próprio cocô. Mais especificamente, do ato de colocar esse cocô para fora – ou não. Segundo Freud, a criança tem sensações agradáveis ao esvaziar o intestino, e isso se desenvolve para uma obtenção de prazer pelo estímulo do ânus – outra zona erógena. “As crianças que utilizam a excitabilidade erógena da fase anal se revelam no fato de reter a massa fecal até que esta, acumulando-se, provoque fortes contrações musculares e, na passagem pelo ânus, exerça um grande estímulo na mucosa. Isso deve produzir, juntamente com a sensação de dor, uma sensação de volúpia.” Não à toa, Freud também chamou essa fase de sadoanal.

Mas essa fase é mais complexa do que a busca do prazer autoerótico. Freud afirma que a criança considera esse cocô como uma extensão do próprio corpo. E assim se depara com uma das grandes decisões de toda uma vida: fazer ou não fazer? A decisão está entre uma atitude narcisista – a de reter o cocô para ele mesmo – ou de amor ao próximo – já que considera que, ao defecar, está abrindo mão dessa extensão do corpo e dando um presente aos pais, os pobres coitados que tanto se afligem com a criança que não faz cocô e a enchem de iogurte de ameixa.

Quando você tiver de lidar com uma criança de 3 anos teimosa, relaxe: a culpa é dessa fase do desenvolvimento psicossexual. “Do erotismo anal procede, por emprego narcísico, a teimosia, como significativa reação do ego a exigências dos outros; o interesse dirigido às fezes se torna interesse por presente, e depois [já na fase adulta] por dinheiro”, teoriza Freud. Segundo a psicanálise, conflitos na fase anal também repercutirão na personalidade do adulto. Um sujeito “anal-expulsivo” gosta de desperdício e extravagância; o “adulto-retentor” vai na direção contrária: preza pela limpeza e a arrumação.

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3 • FASE FÁLICA
Depois de ter descoberto as alegrias do ânus, a criança, por volta dos 4 aos 5 anos, volta a sua atenção para o pênis – ou para a falta dele, com o complexo de castração de que falamos no capítulo anterior. É nessa fase que a criança percebe as diferenças anatômicas entre meninos e meninas, e também que passa a ter prazer ao manipular seus órgãos genitais. Associa o pênis a uma ideia de poder, já que quem tem pênis em casa é o pai, a pessoa mais poderosa da família – pelo menos, das famílias vienenses da virada do século 19 para o 20, nas quais Freud se baseou. Na fase fálica, essa percepção da presença do pai, numa relação que até então parecia exclusiva entre a criança e a mãe, desperta o complexo de Édipo.

4 • FASE DE LATÊNCIA
Dos 6 aos 11 anos, a criança dá um tempo na sua exploração do parque de diversões da sexualidade. Coincidindo com o período em que a escola fica mais séria, a libido – concebida por Freud como a energia sexual na vida psíquica, mas também como uma energia de vida, que nos leva para a frente – é direcionada para outras coisas. Principalmente para o desenvolvimento social e intelectual. É hora de interagir com os amiguinhos – pela primeira vez sem supervisão integral dos adultos –, de criar apego ao primeiro caderno… É tanta coisa nova na cabeça da criança que a sexualidade fica meio encostada. Talvez uma reunião de forças para a fase que virá em seguida: a puberdade. Sobre esse intervalo de alguns anos, Sigmund Freud comenta: “o período de latência parece ser uma das precondições da aptidão humana para desenvolver uma cultura superior”.

Mas ele também tem uma explicação mais “psicanalítica” para a formação desse período. É quando o complexo de Édipo da fase fálica se esvai. A autoridade do pai é incorporada inconscientemente na personalidade da criança, e o resultado disso é a formação do núcleo do superego (de que falaremos mais adiante), assumindo para si a severidade paterna e perpetuando a proibição contra o incesto.

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Assim, segundo Freud, “as tendências libidinais pertencentes ao complexo de Édipo são em parte dessexualizadas e sublimadas”. Sublimação, no contexto da psicanálise, é o direcionamento das energias sexuais e destrutivas para outras atividades, que não tenham sexo e porrada no meio. Ou seja, quando a criança para de focar na sexualidade, sua libido – sua energia – fica liberada para servir a outros aprendizados. E saímos da fase de latência como seres humanos melhores.

5 • FASE GENITAL
Com a manifestação da puberdade, a partir dos 11 anos, a sexualidade volta a mil por hora. Nem haveria como ser de outro modo, já que meninos começam a ter ereções a torto e a direito, ejaculam dormindo ou no chuveiro, os seios das meninas crescem, eles e elas começam a se masturbar… A identidade infantil é deixada para trás – o estágio genital se prolonga para o resto da vida –, e isso acarreta um fenômeno decisivo: a percepção do outro.

Até então, nas chamadas fases pré-genitais, Freud diz que a sexualidade na criança é narcísica, voltada para si mesma – ela sente prazer estimulando a própria boca, o ânus, seu pênis ou clitóris. Já na fase genital, esse narcisismo diminui, e a libido é direcionada para outras pessoas, com as quais o indivíduo quer obter sua satisfação. “A pulsão sexual, que era predominantemente autoerótica, encontra um objeto sexual”, diz Freud.

E a boa notícia é que esse objeto está, agora, fora do núcleo familiar: serão as pessoas que você elegerá como potenciais parceiros de cama. Sem pai e mãe na história.

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Doutor em Taras

Freud criou um tratado sobre podolatria, voyeurismo, sadismo… E chegou à conclusão que, sem exagero, não fazem mal a ninguém.

A vida privada de Sigmund Freud sempre seguiu um estilo conservador. Em casa, tinha faxineira, governanta, uma criada para abrir a porta aos pacientes e também uma cozinheira. Era rígido quanto ao horário das refeições, não admitia palavrão, oferecia flores às mulheres – especialmente gardênias – e jogava xadrez. Tolerou como um mal necessário uma das novidades do fim do século 19: o telefone. Mas preferia mesmo se corresponder por carta – atividade a que se dedicava todos os dias e que deixou para a posteridade muito do que sabemos sobre o pensamento freudiano. Sua esposa era a típica dona de casa faz-tudo, responsável por gerenciar todos os assuntos do lar enquanto o marido bancava o Sherlock Holmes da mente – trabalho em que ele se empenhava como um operário chinês, só encerrando o expediente após 16 horas de labuta.

Ninguém que o visse saindo do barbeiro – aonde ia todos os dias, religiosamente, para manter a barba impecável – poderia imaginar que aquele senhor era o grande teórico revolucionário da sexualidade, visto por muitos de seus colegas como libertino – para usar o termo mais educado. E é justamente por esse perfil conservador no dia a dia que é de se admirar a perspectiva libertária com que Freud tratou as questões do sexo na mente das pessoas. Além de tratar o desenvolvimento psicossexual das crianças com frieza clínica, isenta, Freud debruçou-se de mente aberta em outra questão suscetível ao julgamento preconceituoso da sociedade: as perversões sexuais.

Foi em meados do século 19 que a psiquiatria formou um leque de práticas sexuais consideradas desvios dos padrões normais na época: zoofilia (desejo sexual por animais), pedofilia (por crianças), fetichismo (interesse sexual focado em algum objeto ou parte específica do corpo do parceiro), sadomasoquismo (associação dos prazeres sexuais ao sentir e infligir dor física), coprofilia (prazer com aquilo que as pessoas costumam depositar na privada), necrofilia (desejo de transar com cadáveres), exibicionismo (prazer sexual em exibir a própria nudez), voyeurismo (praticamente o contrário da última: prazer em ver nudez ou imagens eróticas), incesto (desejar pai e mãe, ou irmãos), travestismo (prazer em se vestir seguindo o padrão do sexo oposto) e até homossexualidade, que na época era vista como desvio sexual.

<strong>Na psique dos podólatras, há a substituição de um objeto sexual (a pessoa inteira) por uma parte dele (pé ou sapato). Para Freud, é um exagero que acha irresistível qualquer coisa que venha da pessoa desejada.</strong>
Na psique dos podólatras, há a substituição de um objeto sexual (a pessoa inteira) por uma parte dele (pé ou sapato). Para Freud, é um exagero que acha irresistível qualquer coisa que venha da pessoa desejada. (UniversalImagesGroup/Getty Images)
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Sigmund Freud constatou que não conseguiria elaborar uma teoria completa da sexualidade humana se não tratasse da perversão – na terminologia psiquiátrica, essa palavra ainda pode ser substituída por “parafilia”. Mas, diferentemente de seus antecessores e contemporâneos, o mestre de Viena não dá a esses desvios uma conotação pejorativa nem os aborda com preconceito. Para ele, são apenas outras facetas da mente humana se manifestando no âmbito da sexualidade. Embora mantenha a ideia de que são desvios, no entendimento de que não se destinam à reprodução, Freud rejeita a noção de que essas práticas sejam coisa de gente degenerada.

Para ele, a má fama dos pervertidos vem do fato de que a experiência médica lida com casos extremos, o que propicia a confusão entre “o desvio sexual” do indivíduo e um sintoma patológico. É pelos doentes que os médicos são procurados, não pelas pessoas que vivem bem com uma ou outra perversãozinha. Daí a impressão equivocada de que todos os perversos seriam doentes mentais – um erro que não sobrevive na psicanálise freudiana. Freud acredita que as exceções, que não têm como deixar de ser consideradas patológicas, são “aquelas em que a pulsão sexual realiza coisas assombrosas (lamber excrementos, abusar de cadáveres) na superação das resistências (nojo, vergonha, dor, horror)”.

A perversão acabou ganhando tal importância nas investigações de Freud que ele a insere numa estrutura tripartite, ao lado da neurose e da psicose: enquanto a neurose é o resultado de um conflito interno entre os desejos e a adequação à realidade, e a psicose é a reconstrução de uma realidade alucinatória, a perversão surge como uma fixação na sexualidade infantil.

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Objetos e metas sexuais

Para a análise das perversões, Freud recorre a dois termos que vão ajudar você a diferenciar cada tipo. Objeto sexual é a pessoa da qual vem a atração, enquanto meta sexual é a ação, o objetivo da coisa. Perversos têm desvios em relação ao objeto ou à meta. Ou aos dois.
Uma meta sexual normal, segundo a visão freudiana, é “a união dos genitais no ato denominado copulação, que leva à resolução da tensão sexual e temporário arrefecimento da pulsão sexual (satisfação análoga a saciar a fome)”. Enfim, é a cópula, o coito por excelência: pênis introduzido numa vagina.

E no ânus, pode? Freud não vê nada de ruim no sexo anal e diz que “é o nojo que marca essa meta sexual como perversão”. Crê ainda que o nojo que algumas pessoas sentem à ideia de usar o “órgão excretor traseiro” para o sexo não tem mais fundamento que aquele que se sente diante do pênis, “que serve para urinar”.

Os podólatras, por exemplo, no que direcionam seu interesse sexual para o pé ou o calçado de alguém, estão substituindo o objeto sexual normal (a pessoa inteira) por uma parte dele (o pé) ou algo associado a ele (o sapato de salto alto). Isso por causa de uma superestimação sexual, que acha maravilhoso tudo o que diz respeito à pessoa desejada e que, dessa forma, é incapaz de restringir-se à meta sexual da união dos genitais.

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Em outros casos de fetichismo, o objeto sexual deve responder a uma precondição para que a meta sexual seja alcançada. Por exemplo, vestir-se de enfermeira ou fantasiar-se de policial ou bombeiro. “Na escolha do fetiche se revela a contínua influência de uma impressão sexual geralmente recebida no começo da infância”, define Freud, fazendo menção a uma época em que nos vestiam de caubóis, índios ou bailarinas e achávamos o máximo.

Voyeurs, exibicionistas e até pessoas que sentem prazer sexual ao assistir a alguém fazendo xixi ou cocô são perversos fixados em metas sexuais provisórias, que não vão chegar à meta sexual definitiva – a cópula. Essa meta temporária faz parte do processo da meta normal, já que um dos primeiros estímulos no ato sexual é a visão da nudez do parceiro, mas vira uma perversão quando a pessoa não quer saber de mais nada além de ficar ali, só nessas preliminares.

Sádicos, para Freud, são os indivíduos nos quais um componente agressivo – natural no impulso sexual – ganha vida própria, é exacerbado e se torna meta sexual, um fim em si.

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E os masoquistas? Freud aponta que são uma derivação do sentimento sádico – voltado, no caso, para si mesmo. Para o pai da psicanálise, mais do que sádicos e masoquistas, o que há são sadomasoquistas, pessoas que incorporam atividade e passividade diante da dor. No entanto, a realidade dos clubes S&M parece mostrar uma distinção entre mestres e servos. Freud explica: o fato de haver os que gostam mais de bater e os que curtem apanhar até sair sangue é só, segundo o gênio austríaco, o lado ativo ou passivo da perversão prevalecendo.

O fato é que, com seus livros e ensaios, Freud acabou revelando que o objetivo da sexualidade – apesar dos dogmas religiosos – não é a procriação, e sim a obtenção de um prazer que é seu próprio caminho e fim. E isso não é uma questão cultural de uma sociedade secularizada. Os homens das cavernas já partiam para cima das mulheres, e de outros homens, atrás de satisfação sexual – não estavam pensando “oba, vou fazer uns cinco filhos hoje”.

Freud ainda demonstrou que a masturbação, para a criança, é tão natural quanto buscar o seio da mãe. É uma procura de sensações prazerosas. E que, portanto, não deveria ser motivo de recriminação ou de intervenção médica nenhuma. Disse ainda que todo mundo tem um pouco de perversão – e que, na dose certa, isso não faz mal a ninguém. E que a homossexualidade é apenas um lado de uma bissexualidade inata – da humanidade inteira.

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Sem cura Gay

Freud dizia que a homossexualidade é uma escolha psíquica inconsciente. E que somos todos bissexuais.

Sigmund Freud incluiu os homossexuais na categoria pouco lisonjeira dos “perversos” em sua teoria da sexualidade. Afirmou que tinham um desvio no que diz respeito ao objeto sexual – que, segundo o padrão vigente, deveria ser o sexo oposto. Aliás, embora o termo homossexualidade já vigorasse na Europa no começo do século 20, o pai da psicanálise ainda se referia ao interesse sexual entre pessoas do mesmo sexo como inversão, e aos homossexuais como invertidos. Era um reflexo da mentalidade conservadora de cem anos atrás. Mas, se estivesse vivo hoje, Freud seria considerado simpatizante da causa gay. Pelo menos do ponto de vista teórico.

É preciso lembrar que Freud colocava nesse cesto dos pervertidos toda a sexualidade não voltada para a reprodução. E isso não tinha nada a ver com dogmas religiosos – ninguém mais longe disso que ele. Era simplesmente uma questão de opor uma série de interesses e comportamentos sexuais ao que se considerava a norma em seu tempo. E, se você não vê gays assumidos apresentando telejornais ou protagonizando novelas, é porque os homossexuais ainda vão ter muita luta pela frente.

Perversos, sim. Mas não “degenerados”, como muita gente via os homossexuais – e ainda os vê. A explicação de Freud para isso é bem estruturada. Diz que, para um indivíduo ser degenerado, ele precisa ter vários desvios se apresentando simultaneamente. Além disso, precisaria ter sua capacidade de “funcionamento e existência” seriamente comprometida por causa da perversão. E Freud argumenta que a homossexualidade é identificada em pessoas que não têm outros desvios de normas – incluindo gente de vida muito pacata, aliás – e que há abundância de gays expoentes da cultura e do mundo intelectual, gente que “funciona e existe” muito bem.

“O que lhe interessava de imediato não era valorizar, inferiorizar ou julgar a homossexualidade, porém compreender suas causas, sua gênese e sua estrutura, do ponto de vista de uma nova doutrina do inconsciente”, explica Elisabeth Roudinesco, sua biógrafa. Por isso, ao tratar dessa condição do ser humano, Freud tirou dela tudo o que pudesse ser encarado como pejorativo ou associado a uma “doença da alma”.

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Seguindo sua linha de investigação, quis conceber a homossexualidade como uma escolha psíquica inconsciente e conferiu igualdade aos homossexuais em relação a seus pares héteros. “A investigação psicanalítica opõe-se à tentativa de separar os homossexuais dos outros seres humanos como um grupo particularizado”, escreveu. Considerou ainda que a homossexualidade é consequência da bissexualidade psíquica presente em todas as pessoas. Para ele, somos todos bissexuais, e tornar-se hétero ou homossexual depende de como a repressão atua na mente. Homens héteros reprimem o que há de feminino em sua vida psíquica; homens gays, não.

Mas por que alguém é gay? Em 1920, Freud apontou que esse “desvio” nos homens se dá no momento de o indivíduo eleger seu objeto sexual, quando então prevalece uma fixação infantil na figura da mãe – além de um sentimento de decepção com o pai. Um ano depois, em sua obra Psicologia das Massas e Análise do Eu, Freud contextualiza a instauração da homossexualidade após a puberdade. Mas ainda como reflexo de uma situação da infância: o vínculo forte entre o menino e a mãe. Após as turbulências do complexo de Édipo, em vez de o garoto se aproximar da figura paterna, mantém a associação com a mãe – não mais como seu amante inconsciente, mas agora se identificando com ela.

Essas “causas” da homossexualidade sugeridas por Freud não fogem tanto assim do que muita gente pensa. O que impressiona mesmo é sua perspectiva moderna diante da homossexualidade, afirmando inclusive que a terapia psicanalítica não deveria jamais tentar “curar” homossexuais.

Em 1935, escrevendo para uma mãe americana, que se lamentava por ter um filho gay, Freud deu esta declaração, muito à frente de seu tempo: “A homossexualidade não é uma vantagem, evidentemente, mas nada há nela que se deva ter vergonha: não é um vício nem um aviltamento, nem se pode qualificá-la de doença. Diversos indivíduos respeitáveis, nos tempos antigos e modernos, foram homossexuais, e dentre eles encontramos alguns dos maiores de nossos grandes homens (Platão, Leonardo da Vinci etc.). É uma grande injustiça perseguir a homossexualidade como um crime, além de ser uma crueldade”.

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