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5 mitos do futebol

Os números e a história deixam claro. Quem faz mais gols dificilmente ganha a Copa, a defesa do Brasil é tão forte quanto o ataque e nossos estádios são mais vazios que a Segundona da Inglaterra

Por Murilo Basso, Igor Natusch, Leonardo Ferro e Daniel Casso
Atualizado em 15 jun 2018, 18h13 - Publicado em 29 set 2014, 22h00
(ZU_09/iStock)

Mito 1: O Brasil é o país do futebol.

Verdade: Alemanha, Inglaterra e Argentina são mais.

Se o Brasil fosse o país do futebol, estaria lotando seus estádios, não? A média de público do Campeonato Brasileiro de 2018 é de 17.296 torcedores. É muito pouco. Menos até que a média de países que não dão a mínima para o futebol. Nos EUA, abençoados por Deus e torcedores de futebol americano e beisebol por natureza, são 20.778 pessoas por jogo. Em lugares que gostam de futebol, nem dá para comparar. Na Inglaterra e na Alemanha, a Segundona tem mais público que a Série A do Brasileirão. Mesmo se contarmos só os nossos clubes grandes, não adianta. O Corinthians, time que mais atraiu torcedores em 2016, aparece em 74º lugar do mundo, com média de 28.764 pessoas nos jogos como mandante. O “bando de loucos” é menor que a torcida do tradicional Seattle Sounders dos EUA, fundado em 2007. O líder desse ranking é o alemão Borussia Dortmund: média de 81.178 por jogo (100% de ocupação do estádio). Outras nove equipes alemãs estão entre as 30 primeiras da lista, com Bayern de Munique (4º colocado), Schalke 04 (6º), Hamburgo (9º) e Stuttgart (10º) figurando no top 10. Nesse quesito, a Alemanha é o país do futebol, seguida pela Inglaterra. E mesmo na América do Sul não dá para falar em hegemonia: o Campeonato Argentino leva mais torcedores (21.374 por jogo). E sua capital, Buenos Aires, dá uma lavada em qualquer cidade brasileira. Com 3 milhões de habitantes, a cidade tem 17 estádios de clubes profissionais. Em São Paulo, que abriga 11 milhões de pessoas, são só 12 estádios. Se continuarmos assim, nem com hexa vai dar para dizer que o país do futebol é o mesmo que emitiu o passaporte de Deus.

Mito 2: Quem não faz, toma.

Verdade: Quem não tenta muito, não faz.

Gol é que nem platina – um elemento raro. E obtê-lo é fruto de uma mistura de sorte e muita insistência. Os economistas americanos Chris Anderson e David Sally, autores do livro Os Números do Jogo, que disseca algumas estatísticas do futebol, ajudam a explicar. Eles pegaram a média das quatro principais competições nacionais da Europa (Espanha, Alemanha, Itália e Inglaterra) e observaram que é preciso nove conclusões em média para que uma delas se transforme em gol. Muita coisa.

Mike Hughes e Ian Franks, outra dupla de analistas, apontam que os times vencedores produzem, em média, um terço de chances a mais do que os perdedores. Ou seja: a insistência é tão importante quanto a eficiência. Quem insiste mais, quem chuta mais, acaba fazendo mais gols que o adversário. É óbvio e estatístico.

E mais: acreditar que quem não faz toma seria defender que existe uma relação estatística entre desperdiçar e sofrer gols – ou seja, que a ineficiência de um time será punida pela eficiência do outro, mesmo que o segundo crie bem menos chances que o primeiro. Não faz sentido. É contra as leis da física.

(PongsakornJun/iStock)

Mito 3: O forte do Brasil é o ataque.

Verdade: A defesa garantiu 40% dos nossos títulos.

Começou com a nossa primeira taça. O ataque de 1958 contava com Pelé e Garrincha, mas não foi o melhor daquele Mundial. Com média de 2,7 gols por jogo, ficou inalcançáveis sete tentos atrás da França, que marcou 23 vezes – média de 3,8 gols por partida. Os europeus também fizeram o artilheiro daquela Copa: Just Fontaine com 13, sete a mais que Pelé, o vice-artilheiro.

Já a defesa, com Bellini, Zito e Orlando, De Sordi na lateral-direita (substituído por Djalma Santos na final) e Nilton Santos na esquerda, foi a muralha da competição, com quatro gols sofridos em seis partidas (0,6 por jogo). Além disso, o ponta-esquerda Zagallo ficou famoso por sempre voltar para ajudar na marcação. Isso fortaleceu a defesa e ajudou a criar a função de ala – o sujeito que ocupa toda a lateral do campo de ataque.

No tetra, em 1994, a seleção teve a segunda menor média de gols sofridos da Copa: 0,4. O melhor ataque daquele mundial? Suécia, que não conseguiu furar nossa defesa na semifinal, e foi despachada para casa por um gol de Romário – o último que a seleção faria naquela Copa, já que a final contra a Itália foi zero a zero.

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O Brasil é segunda seleção que mais vezes marcou na história das Copas: 221 gols (a Alemanha, muito graças ao 7×1, tem 224). Temos também a maior média por jogo, 2,12. Mas isso não significa que a defesa não foi fundamental ao longo da nossa trajetória. Das 20 edições da Copa do Mundo já disputadas, em três oportunidades a seleção teve a menor média de gols sofridos (1958, 1978 e 1986). É verdade que quando teve o melhor ataque da Copa, nós levamos a taça (1962, 1970 e 2002). Mesmo assim, o Brasil tricampeão de 70, dono da maior média de gols entre as campanhas canarinho campeãs, surge apenas na sétima colocação geral, com média de 3,2, entre todas as seleções.

Se analisarmos sob a mesma regra, mas limitando o universo entre as empreitadas das oito seleções que já conquistaram a Copa do Mundo (Brasil, Itália, Alemanha, Uruguai, Argentina, Inglaterra, França e Espanha), o título de 70 sobe algumas posições, mas mesmo assim fica aquém do esperado: 4º lugar, atrás da Alemanha de 54 (média de 4,1) e do Uruguai de 30 e 50 (3,7 em ambos os títulos da Celeste Olímpica). Tragicamente, o Mundial em que o Brasil marcou mais gols na história foi justamente o de 1950: 22 tentos. Dá 3,77 gols por partida – outro recorde. Pois é, não adiantou, perdemos. No fim das contas, a defesa brasileira foi no mínimo tão importante quanto o ataque nas Copas. É o que o próximo mito confirma. Vejamos.

(isitsharp/iStock)

Mito 4: A melhor defesa é o ataque

Verdade: A melhor defesa é a defesa mesmo. Pelo menos no futebol.

Das 20 edições da Copa, só em oito oportunidades (40%), o time com a melhor média de gols foi o campeão. E a seleção que detém esse recorde ficou sem o caneco: a mitológica Hungria de 1954, com 27 gols em cinco jogos. Puskas e cia. marcaram 5,4 vezes por partida (!), mas foram só vice-campeões.

A Espanha teve a melhor média de gols em 1998 e 2006. Em 2002 teve o segundo melhor ataque. Mesmo assim, nunca ganhou nada. Até 2010. Na África do Sul, enquanto os alemães davam espetáculo, fazendo 16 gols (média de 2,2 por jogo), os espanhóis foram comedidos. Perderam na estreia contra a Suíça e foram passando de fase aos trancos, sem convencer muita gente. A Fúria marcou míseros oito gols em sete jogos. Foi só a 12ª média de efetividade ofensiva daquela edição (1,1). E deu no que deu, foram campeões. A seleção com menos gols marcados e a menor média dentre todas as campeãs. Mas, depois de anos de espera, finalmente conquistaram a taça. Nenhum espanhol reclamou.

(jacoblund/iStock)

Mito 5: Times africanos são indisciplinados.

Verdade: a tática deles surpreendeu brasileiros no mundial de clubes.

Mesmo quando uma seleção africana vai bem em uma Copa, ela volta para casa com a pecha de irresponsável. Mas o futebol africano é mais disciplinado taticamente do que se imagina. Em 2010, Costa do Marfim, Camarões e África do Sul ficaram entre as dez melhores no quesito aproveitamento de passes. Gana fez mais desarmes por jogo que a Argentina, que tem fama de aguerrida.

Uma partida com muitos gols pode significar descompromisso com a marcação. Mas a Copa Africana das Nações tem média de gols equivalente ou até menor que a Copa do Mundo e suas equivalentes na Europa e na América do Sul. Dois exemplos para a tristeza dos torcedores do Atlético Mineiro e do Internacional: nas quatro vezes em que times brasileiros tiveram de enfrentar equipes africanas na semifinal do Mundial Interclubes, a parada foi duríssima. O Inter e o Corinthians venceram com dificuldades o Al-Ahly, do Egito, em 2006 e 2012, respectivamente. E, em 2010 e 2013, o mesmo Inter e o Galo tomaram aulas táticas e voltaram para casa mais cedo. O Mazembe, da República Democrática do Congo, venceu o Internacional com um sólido esquema 4-1-4-1 montado pelo técnico senegalês Lamine N’Diaye. O Galo foi surpreendido pela forte defesa e pelos rápidos contragolpes do Raja Casablanca, do Marrocos, que também venceu com autoridade.

A crescente preocupação com marcação e organização tática no futebol africano pode ser explicada também pela influência europeia. Além do fato de que as maiores estrelas africanas jogam nos clubes da Europa, é grande a presença de treinadores estrangeiros na África. Nas seleções do continente na Copa do Mundo da Rússia, três dos cinco treinadores não são africanos: o argentino Héctor Cúper dirige o Egito, o francês Hervé Renard é o técnico de Marrocos e o alemão Gernot Rohr comanda a Nigéria.

O mito de que o futebol africano é indisciplinado taticamente tem a ver com a recente influência europeia. A confusão entre ofensividade e desorganização tática embalou a importação de treinadores europeus e suas pranchetas para a África. O resultado teria sido negativo, na visão de muitos analistas. O futebol africano estaria perdendo o que tem de melhor – a criatividade e a ousadia – em nome de uma suposta necessidade de disciplina tática. Os números já mostram que isso vem acontecendo. Resta saber se o futebol alegre africano persistirá.

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