A enciclopédia caótica
Viajante contumaz e apaixonado por digressões, Heródoto alonga-se por páginas e páginas na descrição de terras longínquas, costumes inacreditáveis e meticulosas genealogias.
Francisco Botelho
Escrita no século V a.C., a História, de Heródoto (Prestígio), é a mais antiga obra-prima conhecida da prosa européia – até então, a poesia era a forma obrigatória da boa literatura. O objetivo declarado do livro é expor as origens e o desenvolvimento das Guerras Pérsicas, nas quais as pequenas Cidades-Estado da Grécia derrotaram o gigantesco império de Dario e Xerxes; o autor, entretanto, não parece muito preocupado em respeitar a delimitação do seu tema.
Viajante contumaz e apaixonado por digressões, Heródoto alonga-se por páginas e páginas na descrição de terras longínquas, costumes inacreditáveis e meticulosas genealogias; a extensão do seu furor enciclopédico vai desde a morfologia dos nomes persas até a fauna dos desertos da Líbia. Em meio a essa fascinante confusão, encontram-se momentos de intrigante beleza dramática – como a parábola do rei Creso e a magnífica descrição da batalha das Termópilas.
Jorge Luis Borges escreveu, certa vez, que a obra do historiador britânico Edward Gibbon (Declínio e Queda do Império Romano) deveria ser lida como um imenso romance, tendo por personagens as gerações humanas e o tempo como única medida. O mesmo poderia ser dito a respeito da História. Além de ser o primeiro estudo “investigativo” na historiografia ocidental, a obra de Heródoto oferece a visão de um mundo vívido e quase fabuloso, que bem poderia ter saído da imaginação de um exaltado ficcionista.