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A (indiscreta) história da pornografia

Dos gregos que elegiam as melhores

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h20 - Publicado em 31 mar 2005, 22h00

Marco Antônio Lopes

Os gregos se divertiriam muito se visitassem um sex shop. Os habitantes de Atenas, há cerca de 2 500 anos, adoravam ver representações de sexo e nudez. As ruas eram decoradas com estátuas de corpos bem definidos. Nas casas, cenas eróticas enfeitavam vasos. Em procissões, famílias erguiam peças fálicas como se fossem imagens sagradas, cantando hinos recheados de palavrões cabeludos. Depois do evento, muita gente ia para casa fazer festinhas em que o deus do vinho, Dionísio, era venerado na prática.

Os homens tinham outra maneira de se divertir: concursos com mulheres nuas. O que mais chamava atenção era uma específica parte do corpo, “as nádegas de Vênus”, que eram avaliadas e recebiam notas de juízes. Para os mais cultos, o teatro contava histórias picantes. Em Lisístrata, de Aristófanes, a personagem principal convoca as atenienses à greve de sexo enquanto durar a Guerra do Peloponeso. “Nenhum amante se aproximará de mim com ereção”, brada uma personagem. “Não erguerei ao teto minhas sandálias persas”, berra outra. Desesperados, os guerreiros encerram o conflito.

Atenas deixou o protagonismo na história, mas a sacanagem não. Toda civilização deu um jeito de manifestar seus ímpetos sexuais. Coube aos gregos definir a devassidão. O termo “pornográfico” apareceu pela primeira vez nos Diários de uma Cortesã, em que Luciano narra histórias sobre prostitutas e orgias – a palavra pornographos significa “escritos sobre prostitutas”. “Aos poucos, qualificou-se como pornográfico tudo o que descrevia as relações sexuais sem amor”, afirma o historiador francês Sarane Alexandrian, em História da Literatura Erótica.

O sentido da palavra mudou. Hoje, nos dicionários, pornografia é a expressão ou sugestão de assuntos obscenos. E por que a maioria de nós gosta de ver pornografia? O proibido e “o buraco da fechadura” podem explicar esse hábito que há mais de 30 mil anos sobrevive a todas tentativas de repressão em nome da moral e dos bons costumes.

Primeiras orgias

O registro mais antigo de um objeto representando o nu é uma peça com aparência nada sensual: a Vênus de Willendorf, encontrada em 1908 na cidade austríaca de mesmo nome, à beira do rio Danúbio, esculpida em calcário por volta do ano 30 000 a.C. Alguns padrões de beleza definitivamente mudaram de lá para cá: a ninfa das cavernas tem peito e quadris enormes, barriga saliente e lábios grossos (veja no quadro ao lado). Há outras peças arqueológicas parecidas, do mesmo período, encontradas na África, Américas e Oceania. Curiosamente, todas com formas exageradas. Provavelmente eram objetos de culto – parte da pornografia da época vinha sob o manto da adoração aos deuses e deusas da fertilidade.

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Com o tempo, o homem parou de usar eufemismos religiosos para dar vazão às suas taras. Os romanos já não escondiam os verdadeiros intuitos de seus hábitos. Famosos pelas festas de sexo em banhos públicos, eles decoravam as casas com esculturas eróticas. Luminárias em forma de falo não faltavam numa sala de classe alta – o pênis ereto era considerado símbolo da sorte. Nos muros de Pompéia, arqueólogos encontraram grafites com frases obscenas e desenhos de transas. Nas paredes do templo ao deus da virilidade Príapo, em Roma, os fiéis deixavam textos pornográficos. A decoração inusitada foi idéia do imperador Augusto, que governou entre 27 a.C. e 14 d.C., e gostava de que seus súditos venerassem Príapo. Um dos textos é assinado por uma dançarina, que reza pedindo ao deus: “Que uma multidão de amantes fique excitada como a Sua imagem”.

Havia até escritor especializado em vida sexual. Em Ars Amatoria (“A Arte de Amar”), Ovídio descreve, intimamente, seu casamento e suas escapadas: “Feliz daquele que esgota o duelo amoroso! Façam os deuses com que isso seja a causa de minha morte.” Ovídio elaborou um guia do sexo em Roma, como os que a revista Playboy publica hoje. Há sugestões de como e onde homens e mulheres da capital do império podem encontrar os mais belos parceiros, como abordá-los e como satisfazê-los. Também sugere como um amante deve proceder na cama para aumentar o prazer do outro, com direito a minúcias de especialista.

Ars Amatoria é contemporâneo a um trabalho semelhante, mas que ganhou fama internacional como estrela maior da pornografia. O Kama Sutra, escrito na Índia no século 2 d.C., tem passagens ainda mais detalhadas que as do livro de Ovídio. Na cultuada coletânea compilada pelo nobre Mallanaga Vatsyayana, há descrições de mais de 500 posições sexuais. O estudioso indiano selecionou textos milenares sobre sexo e fez uma defesa da liberdade sexual. Para ele, o sexo faz parte da criação divina, e por isso precisa ser venerado e praticado. Não é à toa que o livro faz sucesso até hoje.

Pecado capital

No início da Idade Média, por volta do século 6, clérigos católicos listaram a luxúria entre os pecados capitais. Na opinião deles, entregar-se aos prazeres carnais afastava o cristão da redenção espiritual. Aos tarados, sobrou apenas a opção de ouvir os “contadores de história”, como eram conhecidos os andarilhos que faziam aparições em tabernas narrando histórias picantes sobre mulheres insaciáveis, defloramento de virgens e orgias.

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A tolerância foi diminuindo até que, em 1231, a criação da Inquisição fez sumir da vista de todos a nudez e o sexo. A partir dali, homens e mulheres deveriam ser retratados com túnicas largas e longas. Nem mesmo o menino Jesus podia ser retratado do jeito que veio ao mundo. E os que narravam estripulias sexuais podiam ser condenados à fogueira ou ao exílio.

Foi o que aconteceu com um dos mais criativos autores da Idade Média. O florentino Giovanni Boccaccio, que escreveu o lendário Decameron entre 1349 e 1351, tornou-se uma espécie de Galileu da pornografia, um digníssimo mártir da carne. Seu livro tem cem histórias narradas por sete mulheres e três homens reunidos numa casa isolada, onde contam peripécias de sexo com sátiras à Igreja.

Numa delas, o personagem Filostrato descreve as peripécias de um jardineiro que se finge de mudo para conseguir emprego num convento de freiras. Contratado, ele transa com todas as religiosas. Em outro trecho, um monge seduz uma virgem durante uma prece. Para azar de Boccaccio, entre os poucos que tiveram acesso ao livro na época (adaptado para o cinema pelo italiano Píer Paolo Pasolini, em 1970) estavam alguns clérigos, que o acusaram de heresia. Boccaccio teve de fugir e se isolar no vilarejo de Certaldo, onde morreria em 1375. Só por volta do século 15, já no Renascimento, é que os artistas aproveitariam o afrouxamento do poder católico para deixar escapar uns pelados nas telas. Foi o que fez Sandro Botticcelli na pintura O Nascimento de Vênus, quadro clássico da época, que exibe no centro uma mulher nua e voluptuosa (veja no quadro da página seguinte).

Os libertinos

A tolerância renascentista não durou muito tempo e a censura voltou a operar com força durante a Reforma, no século 16, que tratou de reacender o lado carola do velho continente. Entraram em cena, então, autores “subversivos” que questionavam o moralismo religioso. Na França, em meados do século 18, surgiram os primeiros libertinos, artistas e intelectuais pró-liberdade sexual que se reuniam em organizações secretas como a Sociedade para a Promoção do Vício, Clube do Fogo do Inferno ou Ordem Hermafrodita, onde promoviam leituras ou encenações de livros eróticos que culminavam em orgias. Os franceses tinham à disposição mais de cem desses clubes, alguns com até 400 integrantes entre homens e mulheres.

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Oficialmente, o objetivo não era apenas o culto à carne. Quando dava tempo, os participantes também discutiam política. Mais tarde, alguns dos integrantes dessas organizações se juntariam ao pensamento iluminista – o mesmo que lutaria pelo fim da monarquia absolutista na Revolução Francesa. Outros viraram autores que atacavam a nobreza e a moral religiosa. Um deles, Donatien-Alphonse-François, o Marquês de Sade, entraria para a história como um ícone da pornografia.

Nascido em 1740, o nobre foi oficial do exército e se casou aos 23 anos. Como libertino que se preze, apaixonou-se pela empregada da casa, Juliette, a quem dedicou o romance que leva o nome dela. Quando Juliette morreu, Sade partiu para a libertinagem desenfreada, nos clubes secretos. Experimentou num deles aquilo que o tornaria célebre – juntar brutalidade ao sexo, prática conhecida mais tarde por sadismo. Acabou preso na Bastilha, acusado de estuprar e açoitar uma mulher de 36 anos e participar de orgias com flagelações. Foi nessa época que escreveu suas obras mais famosas, Os 120 dias de Sodoma e Os Crimes de Amor. Morreu num hospício, um final de vida comum para os pornógrafos do passado. “Sade soube retratar, com precisão, o que acontecia na época. E nesses eventos, os participantes muitas vezes incorporavam práticas de brutalidade e tortura ao sexo”, diz a professora da PUC-SP Eliane Robert de Moraes, autora de Marquês de Sade, Um Libertino no Salão dos Filósofos.

Pornografia digital

A fotografia e as máquinas de impressão, que tornavam a produção em série mais barata, deram força à pornografia a partir da segunda metade do século 19. Fotos de modelos nuas e livros ilustrados começaram a ser vendidos nas principais cidades do mundo. A onda chegou ao Brasil por volta de 1870 e ganhou milhares de fãs. No Rio de Janeiro, circulavam centenas de títulos com histórias picantes. “No final do século, metade dos 500 mil habitantes da cidade sabia ler. Muitos compravam livros eróticos importados. Os editores perceberam o filão e lançaram autores nacionais”, diz a antropóloga Alessandra El Far, autora de Páginas de Sensação, que conta a trajetória da literatura pornô brasileira entre 1870 e 1924. Os livros que tratavam de sexo, ou “romances para homens”, falavam de adultério, padres que largavam a batina, aventuras em prostíbulos ou incestos. Os autores, anônimos, morreram desconhecidos. Mas deixaram alguns títulos históricos – entre os melhores, Memórias do Frei Saturnino; Amar, Gozar, Morrer; As Sete Noites de Lucrécia e o enigmático Camarões Apimentados.

No fim do século, mais uma vez a tecnologia seria peça fundamental para a popularização pornográfica. Agora, a novidade era o cinema. Em 1896, apenas um ano após os irmãos Lumière estrearem seu invento com a exibição de A Saída dos Operários da Fábrica, cineastas já utilizavam a novidade para fins sacanas. Os filmes tinham nomes como Wonders of the Unseen World (“Maravilhas de um mundo não visto”) e mostravam strippers tirando a roupa para a câmera. Um escândalo. Com o sucesso – e o lucro – desses filmetes, produtores resolveram ir além e exibir cenas de sexo explícito. Uma das mais antigas de que se têm registro está em Free Ride, de 1915, sobre um sujeito que dá carona em seu calhambeque a duas mocinhas – com quem transaria depois, sob uma árvore. Chamadas de stags films (“filmes para rapazes”), as fitas tinham de 7 a 15 minutos e eram filmadas na França, Estados Unidos e Argentina, um dos primeiros pólos mundiais de produção cinematográfica erótica. Os diretores não aliviavam no repertório de opções: havia sexo oral, lesbianismo e ménage à trois, sempre em cenas reais. A ousadia pode ser explicada porque os censores ainda não haviam atentado para o “perigo da imoralidade pornográfica”.

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Nas décadas de 1930 e 1940, os americanos aprovaram a primeira lei sobre censura no país e as fitas escassearam. O explícito deu lugar à insinuação. Assim entraram em moda os peep shows, onde o espectador pagava para assistir a um filme com mulheres dançando e tirando a roupa – mas não tudo. Poucos produtores arriscavam e faziam circular fitas de sexo explícito, exibidas em prostíbulos, cinemas clandestinos ou festas de ricaços moderninhos. Eram rodadas na Suécia, que permitia a pornografia.

O clima hippie de paz e amor e as passeatas por mais liberdade sexual nos anos 60 contribuíram para que os fãs dos filmes de sexo explícito pudessem, enfim, ser felizes para sempre – ainda que escondidinhos em cinemas de qualidade duvidosa. Em 1972, pela primeira vez uma produção pornográfica fez sucesso comercial. Era Deep Throat, a Garganta Profunda, história louquíssima de uma ex-engolidora de espadas que tem o clitóris na traquéia e procura solução para o problema transando com o médico, amigos e namorados. O filme arrecadou cerca de 600 milhões de dólares e fez de Linda Lovelace, a atriz principal, uma celebridade.

Linda tinha 23 anos quando filmou Garganta Profunda e recebeu 1 250 dólares de cachê. Ninguém poderia imaginar que, após Linda, as atrizes pornôs seriam multimilionárias e teriam trânsito livre em festas badaladas. Entre as estrelas da pornografia, ninguém supera a húngara radicada na Itália Ilona Staller, a Cicciolina. Em 1987, após fazer campanha mostrando os seios, ela foi eleita deputada. No Parlamento, defendeu projetos como a liberação da pedofilia e atuou entre militantes pela paz. Na primeira Guerra do Golfo, ofereceu uma solução ao seu estilo para o conflito: transar com George Bush e Saddam Hussein. “Um de cada vez!”, dizia.

Muito do sucesso de Cicciolina aconteceu graças à invenção do videocassete. A conexão é simples: com as fitas em VHS, os apreciadores do pornô não precisavam mais se expor na porta de salas sujas e lotadas. Podiam se divertir na privacidade de casa. “Com a chegada do vídeo, o pornô passou a ser produzido em larga escala, como uma linha de montagem. E isso marcou uma transformação significativa do produto”, diz Nuno César Abreu, autor do livro O Olhar Pornô. O videocassete também barateou a produção pornô e fez o mercado erótico se multiplicar. Milhares de fitas com cenas de sexo, nas mais variadas modalidades, lotaram as locadoras. Hoje, estima-se que o mercado de DVDs, fitas VHS e canais de TV a cabo pornô movimente, anualmente, cerca de 14 bilhões de dólares no mundo – equivalente às vendas anuais de armamentos dos Estados Unidos.

O maior símbolo da fase “erótico em casa” é o americano John Stagliano, o Buttman (ou o “homem-bunda”). Dono de um império comercial, ele inventou um gênero conhecido como “porno-humorístico”, em que manipula a câmera e, com ela ligada, conversa e faz piadinhas com os atores em cena. Muitas vezes, sai dos bastidores e participa da ação. A fórmula fez de Stagliano o maior vendedor mundial de filmes nas duas últimas décadas, lançando títulos como Exercícios de Buttman, As Férias Européias de Buttman e Buttman Vai ao Rio – ele adora filmar no Brasil, apesar de ter contraído aqui o vírus HIV. Buttman ficou milionário e sua empresa, a Evil Empire, é umas das gigantes do gênero, editando revistas e distribuindo filmes dele e de outros diretores para o mundo todo. “Sou um voyeur incansável. Adoro mostrar o sexo desse jeito divertido”, costuma dizer. Será que os gregos gostariam desse estilo?

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Pornô em seis imagens

1. Esculpida no Paleolítico, a primeira imagem erótica conhecida mostra uma deusa da fertilidade com seios, coxas e nádegas fartas

2. Na Grécia antiga, famílias decoravam a casa com cenas de sexo, como nesta ânfora do século 5 a.C.

3. Escrito originalmente no século 2 a.C., o Kama Sutra compilou pelo menos 500 posíções sexuais praticadas pelos nobres indianos

4. O Renascimento foi uma fase de tolerância aos nus após as “trevas” da Idade Média. Boticelli pintou O Nascimento de Vênus, obra-prima da época

5. A imagem de autor anônimo ilustrou um livro no século 18, quando os libertinos franceses começaram a escrever, debater – e viver – a pornografia

6. Pôster de Garganta Profunda, primeiro sucesso comercial pornô. O filme sobre uma engolidora de espadas com o clitóris na traquéia faturou 600 milhões de dólares

Para saber mais

Na livraria:

Erótica: Antologia Ilustrada da Arte e do Sexo – Charlotte Hill e William Wallace, Ediouro, 2003

Páginas de Sensação – Literatura Popular e Pornográfica no Rio de Janeiro – Alessandra El Far, Companhia das Letras, 2004

O Olhar Pornô – Nuno César Abreu, Mercado de Letras, 1996

O que é Pornografia – Eliane Moraes e Sandra Lapeiz, Abril Cultural/Brasiliense, 1985

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