Morte após a morte – como era o inferno na mitologia grega
Esperança era algo raro no reino de Hades. O inferno grego era uma região nevoenta, no interior da Terra, por onde as almas vagavam sem memórias.
Para os gregos antigos, as almas tinham um destino certo após a morte: o mundo subterrâneo, conhecido pelo mesmo nome de seu governante, Hades. Era um reino sombrio, com galerias úmidas e cavernas claustrofóbicas, onde os espíritos vagavam como zumbis, esbarrando uns nos outros sem nenhuma lembrança de suas vidas pregressas. “No reino dos mortos, os homens se tornavam meras sombras do que haviam sido na Terra.
Os gregos tinham uma visão bastante negativa sobre o além, como a maioria dos povos antigos. Os mesopotâmicos, por exemplo, achavam que as pessoas simplesmente se transformavam em barro depois de morrer”, diz o historiador Anderson Zalewski Vargas, especialista em Antiguidade clássica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Segundo o cristianismo, as almas obedientes sobem aos céus enquanto as más são castigadas no fogo do inferno. A visão dos antigos pagãos era diferente. No Hades, havia algumas punições e recompensas especiais, reservadas para casos ilustres – como os de Sísifo, Tântalo e outros que você conhecerá a seguir. Mas a maior parte dos espíritos não era castigada nem premiada: as almas passavam a eternidade sem dores, mas também sem alegrias nem memórias nem esperanças.
O inferno grego era banhado por cinco rios: Cócito, Letes, Flegetonte, Estige e Aqueronte. O mais caudaloso era o Estige, que marcava as fronteiras do reino de Hades: os outros rios eram seus afluentes. Quando um espírito descia ao submundo, devia pagar uma moeda a Caronte, o avarento barqueiro que conduzia os fantasmas até o outro lado do Estige. Quem não pagava o ingresso era deixado ao léu na margem do rio infernal, onde poderia passar séculos e séculos parado, apenas observando a travessia dos outros mortos.
No entanto, algumas das almas extraviadas acabavam voltando à superfície da Terra. Vem daí o antigo costume dos gregos de colocar uma moeda na boca dos cadáveres antes de enterrá-los: era uma maneira de assegurar que as almas fizessem a passagem na balsa de Caronte e nunca mais voltassem para assombrar o mundo dos vivos.
Os espíritos que cruzavam o Estige eram recebidos por Cérbero, o horrendo cão de guarda de Hades. Com três cabeças, o bicho tinha o tamanho de um leão e cumpria seu papel com uma fidelidade canina: era dócil com quem chegava, mas feroz e impetuoso com qualquer um que tentasse escapar para as terras dos vivos. Os únicos que tinham autorização para sair eram os insepultos. Hades não aceitava receber em seu reino os espíritos de pessoas que não houvessem sido enterradas com as devidas honrarias fúnebres e, nesse caso, abria uma exceção para que elas voltassem à superfície e reclamassem seus direitos. Por isso, deixar corpos sem sepultura era considerado um terrível tabu na Grécia antiga.
Após entrarem no Hades, os mortos eram levados a uma encruzilhada onde ficavam três juízes: Éaco, Radamanto e Minos, que um dia havia sido o rei de Creta. Quando vivo, Minos foi um monarca impiedoso: por isso mesmo, Hades colocou-o entre os juízes das almas, que deviam estabelecer sem pena o destino final de todos os espíritos.
A maioria das almas era considerada nem tão boa, nem tão ruim. O destino dessa grande multidão era passar a eternidade em uma região conhecida como Campo de Asfódelos, localizada logo após a entrada do Hades (asfódelos, por sinal, eram as flores que os gregos usavam para adornar túmulos).
As legiões dos mortos desocupados eram observadas pelo olhar impiedoso do rei dos infernos. Hades morava, com sua esposa Perséfone, em um palácio próximo ao Campo de Asfódelos. Nas vizinhanças da fortaleza, viviam as Erínias, horrendos espíritos alados, que só saíam do inferno para perseguir aqueles que derramavam sangue de seus próprios familiares.
As almas consideradas especialmente boas e virtuosas iam viver nos Campos Elísios, uma região que também ficava no interior da Terra, mas que estava fora da jurisdição de Hades. Espécie de paraíso subterrâneo, o lugar era clareado por uma luz mágica e primaveril, e cheio de música e festas inacabáveis.
No Campo de Asfódelos, o grande sofrimento era o tédio. “As almas dos heróis vagueiam entre multidões de mortos menos ilustres, que se trombam como morcegos cegos”, escreveu o autor inglês Robert Graves em Os Mitos Gregos. “Todos eles teriam preferido continuar vivendo como escravos no mundo dos vivos, do que serem reis no subterrâneo”. Mas para quem descesse ao andar mais profundo do além-túmulo, havia coisas bem piores que a monotonia.
O verdadeiro sofrimento acontecia no Tártaro, região localizada abaixo do Hades. Espécie de porão do inferno grego, era a parte mais temida do submundo, onde os titãs foram aprisionados por Zeus. Com gigantescos portões de bronze, o Tártaro também servia de calabouço aos malfeitores mais famosos, como Tântalo, Sísifo e Íxion, condenados a sofrer suplícios fantásticos. Para sempre.