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A semente da guerrilha

O ataque à Moncada foi o 1º capítulo da Rev. Cubana, onde os irmãos Fidel e Raúl foram presos. Isso levou à alguém que mudaria a história: Ernesto Guevara.

Por Eduardo Szklarz e Lilian Hirata
Atualizado em 7 mar 2023, 16h47 - Publicado em 19 abr 2018, 11h55

Enquanto pierrôs e colombinas brincavam nas ruas de Santiago, no dia 24 de julho de 1953, um grupo formado por 162 jovens de classe média chegava à cidade. Eles vinham da capital, Havana. Mas aquelas pessoas não tinham viajado quase 800 km para pular o carnaval (que, em Cuba, acontece no meio do ano). O objetivo era menos festivo: dar início a uma revolução que derrubaria o ditador Fulgêncio Batista. Liderados por Fidel Castro, recém-saído da faculdade de Direito, então com apenas 26 anos, eles pretendiam invadir o quartel Moncada – uma das maiores fortalezas do Exército de Batista, perto de Santiago. Os rebeldes instalaram-se num sítio alugado a 20 minutos de distância. E só sairiam de lá na alvorada do dia 26, prontos para o ataque.

Os rebeldes seriam divididos em quatro times, comandados por Fidel e por seu irmão, Raúl Castro, além de Abel Santamaría e Raúl Martinez Ararás. Em investidas sincronizadas, eles tomariam de assalto não apenas o quartel e sua estação de rádio, mas também o Palácio da Justiça e o Hospital Civil, ao lado da fortaleza militar. Enquanto isso, outro grupo rebelde iria se encarregar de impedir que o Exército enviasse reforços, neutralizando o quartel de Bayamo, um município vizinho.

No dia do ataque, tudo teria de funcionar com absoluta precisão. Às 5 horas da manhã, todos deixariam o sítio numa comitiva de carros, com uniformes iguais aos dos soldados de Batista. Fidel, a bordo de um Buick verde alugado, placa 169-361, tentaria se passar por general do Exército em visita. Seria um dos primeiros a entrar em Moncada. E o faria em grande estilo, pelo portão principal – onde as sentinelas já teriam sido rendidas. Assim que a rádio fosse ocupada, o poeta Raúl Gómez García leria um manifesto pedindo a volta da democracia e incitando a população à luta armada. O passo seguinte seria distribuir as armas do quartel entre civis dispostos a encampar a revolução.

Baixas além da conta

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Depois de revelados os detalhes do plano, poucas horas antes do início da operação, pelo menos dez integrantes do grupo pularam fora. Outros tantos, talvez 30 ou mais, declararam-se incapacitados para a tarefa – ou porque estavam doentes, ou porque as armas não eram suficientes para todos. Fidel compreendeu. Ele mesmo já tinha declarado a seus comandados que aquela seria uma missão suicida, e que não haveria represálias para quem desistisse. Só não contava com tantas baixas. Dos 162 rebeldes originais, restavam menos de 120.

Quando o dia 26 de julho começou a raiar, o que restou do bando de Fidel já não se aguentava de ansiedade. Às 5h, teve início a operação. Mas logo de cara dois acontecimentos colocaram tudo a perder. Os carros que levavam Fidel Castro e seus camaradas não convenceram no papel de “comitiva de general”. Resultado: foram interceptados antes de chegar ao quartel. O Buick de Fidel acelerou e partiu para cima dos soldados. Acabou espatifando-se contra um muro, mas o comandante escapou.

Enquanto isso, no portão principal do quartel, uma patrulha do Exército apareceu justo na hora em que os rebeldes se preparavam para render as sentinelas. Teve início um tiroteio infernal, com clara vantagem para os 400 soldados em serviço, munidos até de canhões. Rebeldes foram presos, é claro, entre eles Raúl Castro e Abel Santamaría. Mas a maioria escapou.

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Na investida contra o quartel Carlos Manuel de Céspedes, em Bayamo, a situação também fugiu ao controle. O morador local que conduziria rebeldes disfarçados para dentro do quartel sumiu na véspera. O jeito, agora, seria depositar todas as fichas no elemento-surpresa e atacar com a maior violência possível. Mas o avanço do grupo foi percebido de longe. A troca de tiros durou cerca de 20 minutos. De um lado, soldados do Exército aquartelados; do outro, rebeldes mal treinados e mal-armados, inteiramente expostos ao fogo inimigo. Somados os ataques a Moncada e Bayamo, 18 rebeldes morreram e quase 70 foram parar atrás das grades. 

Salvo por um tenente

Uma semana depois dos ataques frustrados, Fidel foi encontrado. Estava escondido numa pequena choupana em Sierra Maestra, uma região montanhosa, de mata fechada e acesso difícil. Tudo leva a crer que ele só não foi assassinado graças à intervenção de um integrante da Guarda Rural. “Ele era tenente, um homem negro, que levou Fidel à delegacia de polícia de Santiago de Cuba em vez de conduzi-lo ao quartel Moncada, onde certamente teria sido morto com os demais rebeldes capturados”, escreve o jornalista e historiador britânico Richard Gott no livro Cuba: Uma Nova História. O arcebispo Pérez Serantes, amigo da família de Mirta Díaz-Balart, primeira esposa de Fidel, pediu pela vida do foragido. E acabou operando um verdadeiro milagre. Em vez de fuzilamento, o líder rebelde teria de enfrentar um tribunal. Seu julgamento foi marcado para 21 de setembro.

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Em 16 de outubro de 1953, após quase um mês de julgamento, saiu a sentença: Fidel Alejandro Castro Ruz e seu irmão Raúl estavam condenados a 15 anos de prisão. Mas as penas seriam transformadas em apenas 22 meses de detenção, a serem cumpridos no presídio da ilha de Pinos. Depois de libertados, os irmãos Castro partiriam para o México.

Bons tempos do exílio 

O México serviu de trampolim para a Revolução Cubana. Foi lá que os irmãos Castro conheceram o jovem Ernesto Guevara e convenceram-no a participar da empreitada. Também foi lá que Fidel reuniu outros exilados cubanos e reorganizou o Movimento 26 de Julho, para derrubar o ditador Fulgêncio Batista. E foi lá que o Exército Rebelde recebeu treinamento de guerrilha para os combates que viriam pela frente em Sierra Maestra. Por que a revolução acabou sendo gestada em território mexicano? A resposta começa em maio de 1955, quando Fidel e Raúl Castro deixaram a cadeia em Cuba.

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Libertados depois de 22 meses de prisão, por terem comandado os ataques aos quartéis de Moncada e Bayamo, os irmãos acreditavam que, se permanecessem na ilha, acabariam assassinados pela ditadura. Preferiram o exílio e encontraram, no México, o ambiente perfeito para planejar uma nova investida contra o regime de Batista. O país, na década de 1950, era um santuário de exilados latino-americanos. Essa tradição começara 15 anos antes, quando os mexicanos haviam recebido de braços abertos os refugiados da Guerra Civil espanhola. “Se você precisasse ir para algum lugar no continente, esse lugar era a Cidade do México, a grande metrópole para onde fluíam as ideias, as pessoas e a cultura”, diz o jornalista americano Jon Lee Anderson, biógrafo de Guevara. Que ganharia o apelido de “che” por, como bom gaúcho argentino, usar esse pronome o tempo todo para se referir aos seus interlocutores.

Recém-chegados

Nos primeiros meses de sua estada no México, Che Guevara fez de tudo: fotografou os Jogos Pan-Americanos para uma agência de notícias argentina, descolou um bico num hospital, viajou pelo país e reencontrou exilados que conhecera em suas andanças – entre eles o amigo cubano Ñico López, integrante do ataque fracassado ao quartel de Bayamo.

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Foi López quem o apresentou a Raúl Castro, outro recém-chegado ao México. “Quando Che soube do plano de invadir Cuba, soltou uma gargalhada: ‘Esses caras não têm solução!’”, relata o jornalista argentino Hugo Gambini na biografia El Che Guevara (sem tradução no Brasil). Mas nasceu ali uma profunda simpatia pela causa dos irmãos Castro, e Guevara a abraçaria imediatamente.

Em julho de 1955, Fidel finalmente chegou à Cidade do México. Desceu do ônibus vestindo um terno usado, sem um tostão no bolso e com sede de ação. Ele tinha pressa para reunir os exilados e retomar a luta contra o regime de Fulgêncio Batista. Em poucos meses, Fidel juntou exilados cubanos e reorganizou o Movimento 26 de Julho (M-26-7, data do assalto ao quartel Moncada), que ele havia fundado pouco antes em Cuba, na clandestinidade. O primeiro objetivo do grupo era desembarcar na ilha com um contingente bem-armado e fazer um chamado aos camponeses, para que se unissem à revolução.

Uma vez garantido o respaldo popular, Fidel esperava levar adiante seu programa de governo. Pretendia eliminar funcionários corruptos, iniciar a industrialização do país, assentar 100 mil pequenos agricultores, limitar o tamanho das fazendas e repartir o excesso de produção entre famílias camponesas. Em busca de recursos, viajou a Tampa, Miami e Nova York, divulgando a revolução entre exilados cubanos. Angariou cerca de 50 mil dólares, dinheiro prontamente convertido em armas e munições para embrião do Exército Rebelde – que, àquela altura, já contava com mais de 80 voluntários. “Esse valor, é claro, foi doado por cubanos ricos que acreditavam muito mais na queda de Fulgêncio Batista do que no programa social de Castro”, afirma Gambini.

De volta ao México, Fidel achou o homem ideal para treinar seus recrutas: o cubano Alberto Bayo, antigo oficial do Exército Republicano espanhol. “Durante três meses, Bayo ensinou os segredos da guerrilha”, diz Gambini. “Eles aprenderam a dar tiros; fabricar bombas; localizar e derrubar aviões; camuflar-se e esconder-se; transportar e atender feridos; e andar pela selva sem ser descobertos.” Embora sofresse de asma, Guevara foi o melhor aluno da turma.

Em fins de 1956, Fidel e Raúl decidiram que já era hora de tentar tomar o poder em Cuba. Compraram um barco e deixaram silenciosamente o cais do rio Tuxpan, em Veracruz, levando na popa uma bandeira vermelha e preta – as cores do Movimento 26 de Julho. A proa embicava rumo à costa leste de Cuba. Era lá que Fidel, Che Guevara, Raúl Castro e o resto da tropa colocariam em prática tudo o que haviam planejado no México. 

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