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A verdadeira história do verdadeiro Drácula

Drácula não morava na Transilvânia? Como um líder político virou uma lenda nas páginas de Bram Stoker? As respostas são sombrias e incertas. Mas podemos tentar esclarecer. Para isso, seguimos os rastros do verdadeiro Vlad III por mais de 700 km na Romênia.

Por Salus Loch
Atualizado em 13 nov 2020, 11h51 - Publicado em 1 jun 2015, 20h45

Aqui está uma lista de itens essenciais para quem quer conhecer o castelo do Conde Drácula na Romênia: passaporte em ordem, malas arrumadas, bateria da máquina fotográfica carregada, mapa da Transilvânia e um kit com alho e crucifixo para garantir. Agora a pergunta: um desses itens será completamente inútil nesta viagem. Adivinha qual é?

Jogue fora o guia da Transilvânia, ou recalcule a rota no GPS para o pequeno vilarejo de Arefu, no condado de Curtea de Arges, a cerca de 180 km de Bucareste, a capital romena.

Foi lá que o Vlad III Dracul, que era conde, mas fazia papel de príncipe, defendeu seu território contra ataques do Império Otomano no século 15. Na época, ele era governador da Valáquia, uma província que ocupava quase todo o sul da Romênia. Apesar de ter resistido bravamente durante anos – o que evitou que os turcos avançassem por aquela região da Europa – ele acabou derrotado pelos otomanos. Não sem antes ter matado, de forma cruel, dezenas de milhares deles, e construído uma reputação tão eterna quanto a pós-vida de um vampiro.

A lenda

Castelo Bran

Essa história de sugar o sangue e a vitalidade dos outros é uma lenda velha, que existe desde a Antiguidade. Não dá pra saber se algum dia a prática deixou de ser lenda. Se depender de Vlad III, a mania de chupar sangue alheio continua fazendo parte da ficção. Ele era cruel, é verdade. Mas sua prática favorita era o empalamento. Funciona assim: você pega uma estaca de madeira de mais ou menos uns três metros, introduz em posição vertical no ânus do seu inimigo e o assiste deslizar lentamente estaca abaixo até a morte por horas. Ou dias. Muita gente morreu desse jeito nas mãos de Vlad, inclusive conterrâneos que se viravam contra a corte. A fama era tanta que o conde ganhou um sobrenome-apelido: “Tepes”– literalmente “empalador”, em romeno.

A crueldade do conde, que seus inimigos políticos ajudaram a propagar, serviu de inspiração para o escritor irlandês Bram Stoker. “Drácula” foi publicado originalmente em 1897. E hoje, em número de publicações, só perde para a Bíblia. Assim, mais de 400 anos depois de morrer, Vlad Tepes virou celebridade, graças ao seu alterego literário.

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Também entra na conta de Bram Stoker a proeza de tornar famoso o Castelo de Bran, pequena cidade localizada no estado da Transilvânia. Isso tudo sem o escritor jamais ter posto os pés na Romênia. Mas o mérito da fama do castelo não é só dele. O setor de turismo romeno aproveitou que a fortaleza, construída em 1211, era parecida com a descrição de Stoker e a colocou na lista de sugestões para o roteiro dos viajantes. Agora, todo ano, cerca de 700 mil turistas visitam o local.

Agora, se Vlad III já pisou no tal castelo, ninguém sabe. Embora a relações públicas do Castelo de Bran, Alexandra Cojanu, garanta que ele tenha ficado pelo menos por 10 dias na condição de prisioneiro do rei da Hungria, Mathias Corvino, não há nenhuma prova da passagem do príncipe pelos aposentos palaciais. Aliás, a masmorra onde ele supostamente ficou preso nem está aberta aos visitantes. Alexandra explica que, justamente neste local, funciona o escritório onde ela trabalha. E a entrada é proibida.

O homem

Guerreiro e defensor do país ou torturador implacável? A história de Vlad Tepes tem capítulos dedicados a sustentar as duas imagens.

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Para a maior parte dos romenos, o conde representa coragem, bravura e amor pelo país. Definitivamente, ele é tratado como um herói nacional, que livrou, enquanto pode, a Romênia das espadas do Império Otomano. As dezenas de estátuas, nomes de ruas e demais distinções espalhadas pelas cidades da Romênia comprovam a impressão. Sobre seus métodos cruéis de extermínio, em regra, as respostas dos apaixonados conterrâneos mostram que os fins, de fato, justificam os meios. “Ele agia assim para defender o país, e utilizava tais métodos contra os inimigos turcos e traidores do estado”, tenta esclarecer a guia de turismo Mihaela. Para Alexandra Cojanu, as medidas eram necessárias e devem ser interpretadas sob a ótica do século 15. Ou seja, em tempos de guerra, vale tudo.

A 125 km de Bran está o vilarejo de Arefu. Lá está a Fortaleza de Poenari, que servia como ponto estratégico de observação durante conflitos, e também como refúgio para o Conde Vlad III. Diz a lenda que foi de uma das torres do castelo que a primeira esposa se jogou. O episódio foi devidamente registrado no livro de Bram Stoker e apareceu no filme Drácula (1992), de Francis Ford Coppola.

Ruínas de Poenari

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O castelo foi construído no começo do século 13 e ampliado durante o governo de Vlad III, com a mão de obra de prisioneiros. Hoje, a construção está em ruínas. Uma parte dela desmoronou no fim do século 19 e caiu no leito do rio Arges, que corta a região. Mas o lugar guarda muita história. Foi em Poenari que, depois de um poderoso ataque turco em 1462, Vlad teria protagonizado uma de suas grandes escapadas. Uma passagem secreta ligava o castelo a um caminho escondido entre as montanhas rumo ao norte do país. Com a ajuda de moradores do vilarejo, o conde teria fugido por este túnel. Aparentemente, não é de hoje que os romenos apoiam seu bravo herói.

Visitar as ruínas não é fácil. Os turistas precisam pagar 5 lei (o equivalente a cerca de R$ 3,70) e subir 1480 degraus. Mas vale o esforço. Lá de cima, dá pra ter uma visão privilegiada das montanhas de Cárpatos.

E a Transilvânia? Onde entra na história?

Foi lá que Vlad III nasceu, em 1431. Mais precisamente na cidade de Sighişoara. Vlad era filho do nobre Vlad II “Dracul”, que governou antes dele a Valáquia. Aliás, foi daí que surgiu o apelido “Drácula”. Em latim, draco significa dragão – ordem à qual Vlad II pertencia, cuja principal função era defender a Europa cristã do Império Otomano. Drácula significa –  adivinhe! – filho do dragão. Mas, dependendo do tradutor que você consulta, também pode significar outra coisa. É que, em romeno atual, dracul significa diabo. Logo, Drácula é também “filho do diabo”. Dá pra ver por que Bram Stoker se inspirou nesse personagem.

Vlad III passou os primeiros anos de sua infância em Sighisoara e, em 1436, se mudou para a Târgoviste, capital do principado da Valáquia, quando seu pai assumiu a liderança da província. Em 1442 sua história mudou. Vlad III, então uma criança de 11 anos, e seu irmão mais novo, Radu, foram entregues ao sultão otomano Murad II, como garantia de que seu pai, Vlad II, iria “se comportar”. Ou seja, os reféns garantiriam que Vlad pai jamais bateria de frente com o Império Otomano. Com os turcos em Constantinopla (hoje Istambul), Vlad III aprendeu a língua, costumes e, conforme garantem os romenos, os hábitos cruéis. A acordo acabou em 1448, quando Vlad III foi informado da morte do pai e do irmão mais velho, Mircea. Mas, a essa altura, já fazia um ano que eles tinham sido assassinados pelos nobres da Valáquia, que supostamente deveriam estar do mesmo lado de Vlad pai.

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Com 17 anos, Vlad III deu início à série de guerras e lutas que marcariam sua vida. Seu irmão, Radu, todavia, optou por ficar ao lado do sultão, na Turquia. Determinado a recuperar o trono do pai, Vlad III retornou à Romênia e tomou o principado da Valáquia em 1448. Mas demorou um bocado até conseguir. Afastado do poder, ele juntou forças para, em 1456, aos 25 anos, ganhar definitivamente o trono que pertencera ao pai. Desta vez, o sucesso foi pleno (ele matou em batalha o então governante, Vladislav II) e comandou a província por seis anos.

Vlad Tepes, herói nacional

Foi neste período que Vlad III ganhou o apelido de Empalador. O reinado do príncipe marcou um dos mais importantes momentos de resistência contra os ataques do Império Otomano. É por isso que ele virou herói nacional.

A glória não durou para sempre. Os recursos da Valáquia para a guerra (que vinham do Império Húngaro) começaram a ficar mais escassos. Até que não deu mais para segurar. Um ataque otomano tirou Drácula do poder. Sabe quem estava no comando dessa investida? Radu, que passou a governar a região. #GameOfThronesfeelings.

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Vlad III não teve outra opção e fugiu para o Império Húngaro, onde ficou preso por 12 anos. Mas o regime da detenção não era muito rígido. Tanto que Vlad III se casou, teve filhos e chegou à condição de membro da família real – tudo isso enquanto ainda era prisioneiro. Anos depois, quando a moral do ex-príncipe já estava no alto e ele já não estava mais na lista de “mais procurados” dos turcos, Vlad III decidiu reconquistar a Valáquia pela terceira vez.

Ele contou com o apoio de forças húngaras e de seu primo, o príncipe da Moldávia, Estevão. Nessa época, Radu já tinha morrido, e quem mandava na Valáquia era Bassarabe, o Velho. Quando Vlad III chegou lá, o governante ficou tão assustado que preferiu fugir a encará-lo de frente. A reconquista, portanto, deu certo.

Só que, no mesmo ano, Vlad III morreu misteriosamente. Ele tinha 45 anos. Enquanto parte dos historiadores diz que ele morreu em batalha contra os turcos (que estavam tentando recolocar Bassarabe no poder), outra leva sustenta que ele sucumbiu numa emboscada armada pelos burgueses descontentes de seu próprio reino, assim como tinha acontecido com seu pai.

Os restos mortais do conde também geram discussões. Há quem garanta que eles estejam na ilha de Snagov, a cerca de 30 km da capital Bucareste. Mas já tentaram examinar uma ossada encontrada por lá e, aparentemente, não era a dele. Outros dizem que a cabeça de Vlad III, separada de seu corpo, teria sido levada pelos turcos a Constantinopla, como prova de sua morte. Nessa história, que tem capítulos mais mirabolantes do que qualquer saga de ficção, esse parece ser um final mais plausível. Ou a gente pode simplesmente acreditar que ele se desfez em poeira, como diz a versão de Bram Stoker.

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