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Aeroporto 2030

Os aviões do futuro precisarão levar cada vez mais passageiros gastando cada vez menos combustível. Mas tem um problema: onde colocar as janelinhas?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h24 - Publicado em 30 set 2007, 22h00

Texto Reinaldo José Lopes

Fazia décadas que o executivo aposentado não punha os pés num avião – desde a maldita crise aérea de 2007, para ser mais exato. Agora as coisas pareciam finalmente ter entrado nos eixos, e ele decidiu que estava na hora de fazer aquela viagem para Nova York. Entrou num avião igual a este aqui em cima e parou por um instante, de queixo caído. “Cadê as janelas?”, perguntou. O corredor da aeronave se espalhava para os lados, feito um auditório. Quando a esquisitice levantou vôo, seu silêncio era de assustar. Essa, aliás, era a parte boa: a ruim é que, sentado na ponta do megacorredor, qualquer perturbação fazia o sujeito subir e descer feito louco. “Isso está parecendo mais navio do que avião”, suspirou.

Esse episódio é ficção, claro. Mas ele pode muito bem acontecer num aeroporto perto de você em uns 20, 30 anos. Aeronaves com estrutura radicalmente alterada prometem dar uma solução decente para o aumento do número de passageiros que anda estrangulando a aviação comercial no mundo.

Essas novidades aéreas deverão carregar mais gente por vôo, usar combustível de forma mais eficiente e, de quebra, diminuir a culpa no cartório do aquecimento global que a aviação tem hoje. Afinal de contas, cada aeronave comercial que atravessa o Atlântico queima nada menos que 60 mil litros de querosene – em CO2, isso dá o que 560 mil carros soltam no ar em um ano. Ecologia à parte, tudo isso pode significar mais lucro para as empresas aéreas, que economizariam parte dessa fábula de combustível.

“Todos esses problemas são preocupações grandes da indústria hoje”, diz o especialista em aviação e mestre em engenharia aeronáutica Denis Balaguer, da Embraer. “As empresas estão estudando soluções, algumas simples, outras radicais. Mas o fato é que a arquitetura dos aviões é, bem ou mal, a mesma desde a época de Santos Dumont, e ela está no limite do seu desempenho.”

O fim do feijão-com-arroz

Não é que a indústria aeronáutica tenha ficado parada esse tempo todo, enquanto uma crise causada pelo excesso de passageiros se aproximava lentamente e a humanidade lançava mais e mais gases do efeito estufa. Estimativas da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Aita) indicam um bom aumento na economia de energia dos aviões dos anos 60 para cá. A aeronave de carreira que transportava os Beatles “bebia” proporcionalmente 40% mais combustível do que a responsável por carregar o U2 nas suas turnês hoje.

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Mas o duro é que existem sinais perturbadores de que a aviação não está mais evoluindo no ritmo desejado. Ainda segundo a Aita, enquanto os vôos comerciais crescem num ritmo de 5% ao ano, a eficiência energética aumenta numa taxa anual de apenas 2%. Nesse ritmo, segundo estimativas da fabricante de aviões Boeing, a distância média anual percorrida pelos passageiros em 2020 vai ser 4 vezes maior do que era em 1990 (de lá para cá, para dar uma idéia, esse número dobrou). É muita gente, e voando cada vez mais. Não é por acaso que os aeroportos não estão agüentando o tranco. E não só no Brasil, que ainda vive uma situação à parte por causa das tragédias da Gol e da TAM. O Escritório de Estatísticas de Transporte dos EUA, por exemplo, calcula que, no 1º semestre de 2007, um quarto dos pousos e um quinto das decolagens em território americano aconteceram com atrasos. Qualquer jeito de carregar mais pessoas por vôo (e, ao mesmo tempo, gastar menos querosene para transportá-las) ajudaria um bocado a aliviar esse problema – e ainda daria uma mãozinha contra o aquecimento global. Hora de conhecer as alternativas mais prováveis.

Pipa de aço

O avião aqui em cima é um projeto da Iniciativa de Aeronaves Silenciosas, que reúne pesquisadores da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT (EUA), e conta com o apoio de boa parte da indústria aeronáutica. O termo técnico para descrever a aeronave que eles planejam é flying wing, ou, literalmente, “asa voadora”. É como se o avião inteiro virasse uma grande asa mesmo. A idéia é usar o formato de arraia para conseguir carregar mais passageiros (cerca de 800) usando uma envergadura só um pouquinho maior e uma aerodinâmica mais eficiente que a dos Boeings (e Airbuses e Embraeres…) de hoje. A própria Boeing, aliás, está estudando uma versão um pouco menos radical da idéia, apelidada de blended wing body – nesse caso, o avião continua a ter pelo menos um resquício de seu tradicional corpo em forma de charuto, mas amplia seu espaço interno e muda sua aerodinâmica com as grandes asas-corredores que ganha.

O objetivo da equipe era simplesmente fazer um avião menos barulhento, como diz o nome do projeto. “O ruído das aeronaves tem um impacto sério na qualidade de vida de quem mora perto dos aeroportos, e é um problema que vai ficar ainda mais premente quando o tráfego aéreo dobrar ao longo dos próximos 20 anos”, diz James Hileman, pesquisador do MIT e um dos engenheiros-chefes da Iniciativa de Aeronaves Silenciosas. O curioso é que, segundo Hileman, os pesquisadores achavam que diminuir o barulho ia exigir mais combustível ainda, e não economizar querosene.

Mas o time teve uma bela surpresa: quando todos os elementos do design estavam no lugar e foram testados, a redução de barulho se converteu em redução de gastos também.

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O SAX, como é chamado o design da equipe, aproveita o fato de que quase toda a sua estrutura (e não só as asas) ajuda a sustentar o avião, o que tanto diminui o barulho como economiza de combustível, já que o avião fica mais aerodinâmico e não depende tanto dos motores para sustentar-se no ar – é justamente por isso que os bombardeiros americanos B2 têm esse desenho, já que eles precisam voar meio mundo sem reabastecer. “Finalmente, incorporamos uma operacionalidade de baixo ruído, que inclui fazer a aproximação final mais devagar e tocar o chão mais para o final da pista”, conta Hileman.

Se o design funcionar, a economia de combustível ficará em torno de 20% – isso, é claro, se as pesquisas conseguirem resolver probleminhas como a dificuldade de pressurizar as cabines de formato “auditório” (lembre-se de que a pressão natural do ar a 10 mil metros de altitude é muito baixa e precisa ser compensada artificialmente) e superar uma possível resistência cultural à falta de janelas.

“Essa é uma barreira psicológica, com certeza”, considera Balaguer. “Uma alternativa para minimizar isso é colocar telas mostrando o lado de fora para cada passageiro.” Outro problema que precisa ser resolvido antes que esses aviões possam ganhar os céus é o da estrutura dos aeroportos, segundo o especialista brasileiro, portões de embarque e pistas de pouso teriam de estar prontos para lidar com uma frota de aeronaves com formato bem diferente do tradicional. Balaguer diz que o mais realista é esperar que versões comerciais dos flying wing estejam disponíveis dentro de 15 ou 20 anos, “o que na verdade é o médio prazo para uma indústria tão fortemente regulada quanto a aeronáutica, onde tudo precisa ser testado em várias instâncias”.

Justamente por isso existem alternativas menos mirabolantes que a arraia voadora. São planos para a construção de aviões menores, com o jeitão dos de hoje, só que menos perdulários no quesito combustível. Eles têm duas coisas em comum. Primeiro, são aviões de ponte aérea, feitos para percorrer trajetos curtos. Segundo, e mais interessante, têm uma alma retrô.

Teco-tecos e hélices

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Sabe aqueles aviões da 1ª Guerra Mundial? Então. Todo mundo conhece os antigos biplanos, ou teco-tecos, que voa-vam com dois pares de asas paralelas. Nada é mais antigo que isso no mundo da aviação: o 14 Bis, de 1906, e o Flyer, dos irmãos Wright, de 1903, tinham asas duplas. Elas foram abandonadas lá na década de 1920, quando os motores ganharam força suficiente para manter o avião no ar sem a necessidade de tantas asas. Mas, no que depender dos pesquisadores do Instituto Politécnico da Virgínia, nos EUA, os biplanos vão fazer um retorno triunfal.

Eles estão desenhando um avião de asas múltiplas – mas com desenho moderno, com as asas de baixo integradas ao resto da fuselagem (veja nesta página). Essa estrutura permite fazer asas menos robustas, diminuindo o peso total do avião. Desse jeito, ele economizaria até 25% de querosene.

Outra proposta é apelar para a boa e velha hélice. Bom, mais ou menos. A idéia é fazer um híbrido de jato e rotor externo, deixando as pás da turbina do lado de fora do cilindro que a envolve. Aí o avião ganha hélices mais rápidas que as dos velhos Electra, que povoavam Congonhas e Santos Dumont nos anos 70, e um terço menos beberronas que as turbinas comuns. Esse projeto vem sendo testado por empresas de aviação e universidades desde os anos 80. Só que para virar realidade precisa superar um problema: as pás fazem muito barulho. Os trabalhos para dar um jeito de abafar o ruído continuam.

Há uma terceira abordagem entre as mais pé-no-chão: consertar a maneira como o ar interage com a aeronave. Assim como a água escorrendo por um cano fica turbulenta, o ar que atinge um avião também desliza de forma pouco ordeira pela fuselagem. Isso aumenta o atrito entre a aeronave e o ar, fazendo o avião beber mais combustível.

Para lutar contra essa turbulência, a mudança não precisa ser radical. Com alterações relativamente sutis no corpo do avião já dá para fazer com que ele economize até 10% de combustível (veja como na página seguinte).

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Mas ei, e se em vez de reformar a aeronave não trocássemos o querosene por uma alternativa mais limpa? O problema é que ainda não dá. O álcool, por exemplo, é 60% mais pesado que ele e ocupa um volume 64% maior (precisaríamos de tanques grandes demais para um jumbo). Com o hidrogênio, o mais limpo dos combustíveis, é pior ainda: ele exigiria tanques 4 vezes maiores. Resumindo, deixa pra lá, pelo menos por enquanto.

Vida fácil

Enquanto os novos designs não chegam, avanços inspirados pelos videogames podem facilitar a vida de pilotos e controladores de vôo. Essa, pelo menos, é a expectativa do Centro de Pesquisa Langley, da Nasa, e da Administração Federal de Aviação dos EUA. As duas instituições estão trabalhando no desenvolvimento do Sistema de Transporte Aéreo da Próxima Geração, a ser implantado por volta de 2025. O projeto quer dar aos pilotos uma reconstrução virtual completa do ambiente e do tráfego aéreo, de forma que eles consigam enxergar em qualquer condição, faça chuva ou sol.

Esse sistema deve usar sinais emitidos por todos os aviões que estão em uma determinada região, bem como uma reconstrução tridimensional da área por onde eles estão passando, montada com a ajuda de imagens de satélite, como um Google Earth melhorado. Em vez de controladores de vôo falando por rádio com os pilotos, cada avião receberá diretamente em seu cérebro eletrônico as instruções de que precisa para chegar tranqüilo ao destino. O computador de bordo também teria acesso a dados climáticos em tempo real e montaria uma estrada aérea virtual, fácil de seguir.

Quão fácil? Essa talvez seja a questão mais interessante. Dependendo do grau de automatização que o sistema alcançar, alguns especialistas do Centro Langley imaginam que aquele século 21 dos Jetsons finalmente vai chegar. Se tudo evoluir da forma que eles imaginam, pilotar um avião não irá exigir mais prática e habilidade do que dirigir um carro. E o preço quase empataria. A estimativa é que, com a produção em massa, essas máquinas voadoras custariam uns US$ 75 mil – não mais que um carro de alto padrão.

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Mais importante que o sonho do avião próprio, no entanto, é a segurança extra que os sistemas capazes de torná-lo realidade podem trazer para o piloto. A solução é basicamente tirar das mãos dele as decisões mais perigosas e difíceis e deixá-las na mão dos inteligentes computadores de bordo. “Nosso objetivo é otimizar a percepção das situações de vôo e reduzir a probabilidade de falha humana”, explicou Steve Young, pesquisador do Centro Langley, em entrevista à revista americana Popular Mechanics.

O apelido dado pelo pessoal do Langley a um dos sistemas atualmente em teste é revelador: refuse to crash (“recusa-se a bater”). Os pesquisadores comparam o sistema a um meio de transporte de baixa tecnologia, o cavalo. Quem já montou um alazão treinado sabe que o bicho (pelo menos quando está de bom humor) se encarrega de manter o cavaleiro em cima do próprio lombo, mesmo que o humano faça uma besteira. Os aviões equipados com refuse to crash fariam a mesma coisa: toda vez que o avião detectasse uma situação de perigo grave ou “sentisse” que o piloto está perdendo o controle, seus sistemas internos assumiriam.

Depois do avião sem janelas, até que aquilo parecia fácil. A chácara no interior tinha acabado de ganhar uma minipista. Ele deu uma olhada no mapa 3D que a tela mostrava e, com o mouse, clicou no ponto de destino: sua casa de praia. O avião traçou a rota no espaço aéreo virtual e se preparou para a decolagem. Aquilo ia ser mais divertido do que ele tinha imaginado.

Novas (e velhas) idéias ganham asas

Videogame e Internet moldam o controle de tráfego do futuro. Na pista, aviões antigos inspiram alternativas econômicas

ASA VOADORA

O que ele tem: O corpo é a asa, e vice-versa.

Economia de combustível: 25%.

Como funciona: Com este desenho de pipa, sustenta-se no ar com mais facilidade, exigindo menos dos motores. Espaçoso como um auditório, consegue levar mais de 800 passageiros.

SUPER HÉLICES

O que ele tem: Motores que combinam turbina e hélice.

Economia de combustível: 30%.

Como funciona: As hélices são mais potentes que as dos aviões antigos e consomem menos querosene que os jatos comuns. Mesmo assim, ainda são hélices: o avião chegaria a no máximo 675 km/h, contra 900 km/h de um jato. É uma alternativa econômica para viagens curtas.

FLIGHT SIMULATOR

O piloto vai ver na tela do cockpit quais aviões estão no céu perto dele. Para driblar problemas de visibilidade nos pousos e decolagens, ele contará com uma simulação 3D do terreno em volta.

BIPLANO

O que ele tem: Asas múltiplas, mais leves que as comuns.

Economia de combustível: 25%.

Como funciona: O segredo aqui é cortar o peso das asas em um terço sem que elas percam a eficiência. Aí entram as asas adicionais, que além de segurar as outras, ajudam a sustentar o avião durante o vôo.

CÉU ONLINE

Os controladores de vôo não precisarão mais falar com os pilotos. Qualquer informação da torre vai aparecer direto no cockpit da aeronave, sem margem para mal-entendidos.

Céu de brigadeiro

Sistema economiza combustível diminuindo a turbulência, mas ninguém usa

O ar não passa pelo avião com suavidade. Ele forma uma camada turbulenta perto da superfície da fuselagem. E esse agito vale por 40% de toda a resistência que o ar imprime ao avião. Para acabar com isso, engenheiros desenvolveram um sistema de sucção na parte da frente das asas. Esse pedaço fica cheio de furinhos, e uma bomba puxa a camada de ar revolto para dentro da fuselagem. Isso destrói boa parte da turbulência, melhora a aerodinâmica e, assim, faz o avião economizar 10% do combustível. Isso existe desde os anos 70, mas os fabricantes não querem adotar. Acham que a economia não vale o custo do sistema.

Para saber mais

Iniciativa de Aeronaves Silenciosas

silentaircraft.org

Centro de Pesquisa Langley, da Nasa

https://www.larc.nasa.gov

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