O inverno está chegando
Em Game of Thrones, os nobres da Casa Stark vivem avisando faz milênios: o inverno está chegando. Acontece que o bordão dos senhores do norte de Westeros poderia muito bem servir como lema da mitologia nórdica, que também prevê a chegada de uma estação fria de consequências cataclísmicas em um futuro distante.
Pelo menos, é isso o que dizem os principais textos míticos escritos em islandês antigo, como a Edda em Prosa, compilada pelo erudito Snorri Sturluson, no fim do século 12, começo do 13. Segundo Snorri, as divindades de Asgard (o mundo onde vivem os deuses vikings), como Thor e seu pai Odin, tinham tomado conhecimento de profecias assustadoras sobre o Ragnarök, a Perdição dos Deuses, que destruiria não apenas o palácio divino deles, mas também todos os Nove Mundos que formam o cosmos.
Como os inimigos jurados de Asgard eram os gigantes do gelo e os monstros gerados pelo deus trapaceiro Loki (que também tem sangue de gigante), a ordem cósmica seria rompida inicialmente por uma onda de frio severo, o chamado Fimbulvetr (“inverno extremo”, em islandês). Com uma duração equivalente a seis invernos normais – que já não são nenhuma moleza na Escandinávia, como a gente sabe –, o Fimbulvetr ajudará a desencadear guerras que não respeitarão nem os elos sagrados entre parentes. Com o mundo enfraquecido por esses desastres, os gigantes do gelo e Loki atacarão os deuses de Asgard com força máxima e acabarão com toda a Criação, segundo a profecia.
Continua após a publicidade
Repare agora como Martin alterou alguns dos elementos do mito para dar dramaticidade à sua história. Em primeiro lugar, Westeros vive sob a ameaça permanente do ciclo meio doido de longos verões e longos invernos – não é incomum que muita gente acabe morrendo de fome e frio durante os períodos invernais “comuns”.
Além desse risco mais prosaico, porém, os habitantes dos Sete Reinos, em especial nos domínios dos Stark, conhecem bem o mito da Longa Noite. Nesse inverno sobrenatural, que sobreveio entre 6 e 8 mil anos antes do início da cronologia da série, os temidos Outros teriam atacado os domínios dos seres humanos e só foram derrotados aos 45 minutos do segundo tempo, digamos, graças a uma aliança entre os Primeiros Homens (a mais antiga raça humana a habitar o continente de Westeros) e os misteriosos filhos da floresta. Tudo indica que, nas temporadas finais da série, vamos assistir a um repeteco da Longa Noite.
Ou seja, em Westeros, a Longa Noite já aconteceu e vai se repetir. Nos mitos escandinavos, o Fimbulvetr e o Ragnarök também têm uma natureza cíclica. Nos momentos finais do desastre, uns poucos deuses sobreviventes da luta contra Loki, como os filhos de Thor, conseguem se safar, junto com um derradeiro casal humano, e são esses sortudos que repovoam o cosmos. O ciclo de destruição e criação, portanto, é bastante similar na mitologia antiga e na moderna. (Sem falar nos gigantes: você notou que em Game of Thrones eles também reapareceram assim que o tempo começou a esfriar?).