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Caso Dreyfus: A fraude que revoltou a França

A história da fraude jurídica armada pelo Exército francês que condenou um capitão à prisão perpétua.

Por Lauro Machado Coelho
Atualizado em 5 jan 2022, 11h48 - Publicado em 31 Maio 1994, 22h00

Texto originalmente publicado pela Super em 1994

Há 100 anos, o alto comando do Exército francês encenou um lance de espionagem e condenou um inocente. O capitão Alfred Dreyfus, acusado de vender informações secretas aos alemães, recebeu pena de prisão perpétua. O objetivo era desviar a atenção dos inimigos do verdadeiro segredo, um novo canhão, uma superarma de guerra. Mas tudo foi descoberto. Indignados, os cidadãos exigiram a revisão do caso. A França nunca mais seria a mesma .

Quando o capitão de Artilharia Alfred Dreyfus , oficial do Estado-Maior do Exército, foi sentenciado à prisão perpétua na Ilha do Diabo, Guiana Francesa, em 1894, não houve protesto. A opinião pública também o condenou. A França, recém-saída da guerra contra a Prússia, vivia um período de estabilidade política interna e a população encarava as Forças Armadas como as intocáveis guardiãs da Segurança Nacional. Quatro anos se passaram até que algumas ilustres personalidades resolvessem denunciar as inúmeras irregularidades do processo. Entre elas estavam os escritores Émile Zola e Anatole France, o poeta Charles Péguy e os compositores Alfred Bruneau e Albèric Magnard. Mas só em julho de 1906 sua inocência foi reconhecida e ele pôde ser reabilitado.

O centenário do Caso Dreyfus desencadeou a publicação, na França, de vários estudos que reavaliam a questão. Um dos mais interessantes, sem tradução em português, é Un secret bien gardé (Um segredo bem guardado), de Jean Doise, especialista em História Militar. Baseando-se em minucioso exame de toda a documentação existente — incluindo arquivos nunca antes abertos aos pesquisadores —, ele formula uma explicação coerente e com muita probabilidade de aproximar-se do que realmente aconteceu, mas que difere da comumente aceita por especialistas no assunto, como Jean-Denis Bredin, o respeitado autor de L’Affaire (O Caso).

Sempre se acreditou que o capitão fora acusado devido a um erro decorrente de uma perícia apressada. E que a esse erro se juntou o preconceito: Dreyfus era judeu, de origem burguesa, numa arma do Exército onde predominava uma elite aristocrática. A partir daí, e apoiado no anti-semitismo da opinião pública, sem poder admitir que escolhera o homem errado, o Exército teria feito tudo para condená-lo, a ponto de proteger o verdadeiro culpado.

Mas o especialista Doise é de opinião que o indiciamento do capitão não foi por acaso e sim uma escolha deliberada de seus superiores. Para ele, o anti-semitismo, embora tenha tido papel fundamental no decorrer do processo, não foi elemento significativo no início. O ponto de partida do Caso Dreyfus, diz ele, foi uma intox — abreviatura de intoxication, nome dado às operações com que o Service de Renseignements (SR, serviço de informações do Exército) semeava notícias falsas para despistar inimigos em potencial.

Passados 24 anos da derrota para os alemães na Guer-ra Franco-Prussiana, a França experimentava um período de prosperidade econômica, grande efervescência cultural e intenso desenvolvimento científico. No plano externo, graças à expansão colonial das décadas de 1880/90, recuperava também um papel preponderante entre as potências européias. Mas ainda havia ameaças: a aliança da Alemanha com a Itália e o Império Austro-Húngaro, e os atritos com a Grã-Bretanha devidos a litígios coloniais. Essa situação amedrontava os franceses com a possibilidade de que nova guerra viesse perturbar a calma daqueles últimos dias do século XIX, ao qual se dava o nome de Belle Époque — em que se imortalizaram, por exemplo, os belos cartazes do pintor checo Alfonso Maria Mucha.

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Por isso, o povo enxergava as Forças Armadas como a garantia da Se-gurança Nacional; e a necessidade de preservar os segredos estratégicos gerava uma febre de espionagem e uma fobia da traição. Entre esses segredos, continua Doise, o mais importante era o do canhão de 75mm dotado de um revolucionário freio que amenizava o recuo da peça após o disparo, tornando-a muito mais rápida e eficiente (o 75mm seria uma das causas principais da vitória francesa na batalha do Marne, durante a Primeira Guerra Mundial).

Para evitar que os alemães nem sequer desconfiassem de que o 75mm estava sendo construído, era preciso montar uma intox, fazendo-os crer que as pesquisas referiam-se a outra arma: o canhão de 120mm, em estudos na época, mas longe de ficar pronto. Assim, o tenente-coronel Jean Sandherr, chefe do SR, plantou junto a Max von Schwarzkoppen, adido militar da embaixada alemã em Paris, um agente duplo: o conde Charles-Ferdinand Walsin-Esterházy. Este oficial, um nobre de origem húngara, totalmente arruinado, era um oportunista sem muitos escrúpulos, que faria qualquer coisa para se livrar da penosa situação financeira em que vivia. Esterházy procurou Schwarzkoppen, em julho de 1894, oferecendo-se para vender-lhe informações confidenciais.

Mas, para que essas informações parecessem realmente valiosas, era necessário apanhar e punir o “espião” que as oferecera: só assim os alemães se convenceriam de não estar comprando gato por lebre. Foi por isso, argumenta Doise, que o diretor do SR e seu adjunto, o comandante Hubert Joseph Henry, fabricaram, de comum acordo com Esterházy, o bordereau, uma carta sem assinatura, escrita no papel quadriculado usado pelo Estado-Maior, prometendo ao adido alemão vários segredos sem importância. Entre eles também estava o projeto do canhão de 120mm. Não interessava a Sandherr, porém, queimar seu agente duplo, Esterházy, que ainda lhe poderia ser útil. Por essa razão, procurou outro bode expiatório.

Por que, então, a escolha recaiu sobre Alfred Dreyfus? Primeiro porque ele não era popular entre seus pares, que desdenhavam de seu caráter intro-vertido, assim como do orgulho com que se referia a seus sucessos profissionais e à riqueza de sua família. O ressentimento era ainda mais forte numa época em que a desconfiança generalizada contra os estrangeiros, vistos como espiões em potencial, açulava o anti-semitismo, que tinha sua tribuna mais asquerosa no jornal La Libre Parole, dirigido por Édouard Drumont. Dreyfus era francês, mas nascera na Alsácia, anexada pela Alemanha em 1871. Além disso, era membro de uma família de industriais judeus-alemães, originária da Renânia.

A esses ingredientes, San-dherr, o chefe do SR, também alsaciano de Mulhouse como Dreyfus, acrescentou um elemento de acaso. No início de 1894, Sandherr recebera de sua terra uma carta anônima acusando um oficial não identificado — denominado pelo autor “esse canalha do D” — de ter feito contato com os alemães durante uma visita a Mulhouse, em dezembro do ano anterior. Ora, exatamente nessa época, sem se preocupar em pedir a autorização de seus superiores, o pouco simpático Alfred Dreyfus fora a Mulhouse para os funerais de seu pai. Sandherr enfureceu-se com a possibilidade de que um conterrâneo seu fosse um traidor e, sem sequer verificar a procedência da denúncia, resolveu puni-lo. Como não podia admitir publicamente que dispunha de uma rede de informantes em país estrangeiro, transferiu para Paris o local da pretensa traição, fazendo de Dreyfus o homem que queria vender a Schwarzkoppen o segredo do 120mm.

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Essa versão altera certezas que os historiadores tinham anteriormente. Por exemplo, a de que o bordereau fora encontrado na lata de lixo do escritório do adido alemão pela faxineira Marie Bastian, na verdade uma agente infiltrada pelo SR na embaixada. O mais provável é que o papel tenha ido diretamente da sala de Sandherr para as mãos do comandante Du Paty de Clam, que tinha a pretensão de entender de caligrafia e atestou ser aquela a letra de Dreyfus. Foi o que bastou para que o general Auguste Mercier, ministro da Guerra no gabinete do primeiro-ministro Charles Dupuy, ordenasse a prisão do suspeito. Em dezembro de 1894, aos 35 anos, Dreyfus foi inapelavelmente condenado à prisão perpétua. Da tal carta anônima vinda da Alsácia, sabe-se que fez parte do “dossiê secreto” do caso, mas desapareceu quando Sandherr morreu em 1896, em conseqüência de problemas nervosos.

A opinião pública, atemorizada pelos riscos de segurança que a traição poderia acarretar, e envenenada pela propaganda anti-semita de jornais como o de Drumont ou o católico La Croix, não estranhou as irregularidades do processo. Em nome da “razão de Estado”, a corte marcial violou arbitrariamente vários regulamentos. Os advogados de defesa, Fernand Labori e Charles Demange, não tiveram acesso ao “dossiê secreto” mandado preparar pelo general Mercier — decidido a obter a condenação a qualquer custo — e que conteria “provas irrefutáveis dos contatos do capitão com Schwarzkoppen”.

Ignorou-se também o direito de Dreyfus a uma pena mais leve, a de deportação para a Nova Caledônia, por ser réu primário e ter nível superior de escolaridade. Em vez disso, Dreyfus foi punido com trabalhos forçados, ao lado de presos de alta periculosidade, na hedionda Ilha do Diabo. Para lá o embarcaram, após a humilhante cerimônia de degradação a 5 de janeiro de 1895, em que seu sabre foi quebrado e ele se viu despojado do uniforme.

Num primeiro momento, ninguém pareceu dar-se conta de que ele fora vítima de tremenda injustiça. A comunidade judaica o condenou por imaginar que tinha respondido com traição à acolhida que a França lhe dera e à sua gente. Poucos acreditavam desde o primeiro momento na inocência do capitão — como o jornalista Bernard Lazare que, em novembro de 1896, publicaria na Bélgica o inflamado Um erro judiciário: a verdade sobre o Caso Dreyfus. O caso teria terminado aí se não ocorresse um episódio que veio mudar tudo.

Em março de 1896, o tenente-coronel Georges Picquart, que assumira a che-fia do SR após a morte de Sandherr, recebeu das mãos da senhora Bastian, a faxineira, o petit bleu. Assim chamado devido à cor do papel em que vinha impresso, o “azulzinho” era um pneumatique (carta expressa) onde Schwarz-koppen fazia referência a encontros com Esterházy. Picquart que, até então, acreditava piamente na culpa de Dreyfus, conseguiu acesso ao “dossiê secreto” e, dias depois, comunicou ao general Le Mouton de Boisdeffre, chefe do Estado-Maior e seu amigo pessoal, nada haver ali que incriminasse o capitão. Pior do que isso: a letra no bordereau não era dele, e sim de Esterházy. Bastou essa notícia vazar, em setembro, numa reporta-gem do jornal L’Éclair, para que Lucie Dreyfus entrasse com o pedido de revisão do processo do marido.

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Apesar disso, o prêmio para o íntegro Picquart, por ter tentado restabelecer a verdade, foi ser nomeado para um comando na Tunísia. Em seu lugar, à frente do SR, foi colocado Joseph Henry. Este, por excesso de zelo, acreditando com isso proteger Mercier e o falecido Sandherr, falsificou novo documento, em que o nome de Dreyfus era citado explici-tamente e com o qual pretendia incriminá-lo de forma definitiva.

Picquart, entretanto, não conseguiu ficar calado: revelou a autoria do bordereau a seu advogado, Georges Leblois, e este levou a informação a Auguste Scheurer-Kestner, vice-presi-dente do Senado. Kestner tentou inutilmente obter das autoridades militares a revisão do processo. Estas, porém, não quiseram ceder porque, em novembro de 1897, Mathieu Dreyfus, irmão do condenado, havia acusado Esterházy publicamente de ser o verdadeiro traidor. Era preciso convocar uma corte marcial para salvar a face do Exército. Nesse processo sumário, que durou somente dois dias, Esterházy foi unanimemente absolvido.

Em janeiro de 1898, dois dias depois dessa escandalosa absolvição e do encarceramento de Picquart, o jornal parisiense L’Aurore, dirigido por Georges Clemenceau — futuro primeiro-ministro, na época da Primeira Guerra — , estampava na primeira página uma carta-aberta ao presidente Félix Faure intitulada J’ccuse, Eu acuso, em francês. O autor de Eu Acuso era o renomado escritor Émile Zola. Desde que lera as revelações do Éclair, ele vinha hesitando em se envolver na campanha pró-Dreyfus, mas quando Esterházy foi absolvido, decidiu protestar contra as irregularidades.

A França, então, dividiu-se em dois campos que se digladiavam nos órgãos de imprensa. Os dreyfusards, partidários da revisão do processo, agrupavam republicanos, radicais, socialistas, maçons, protestantes, judeus progressistas, e os militantes da recém-fundada Liga dos Direitos do Homem (no bloco da esquerda, a única dissensão era a dos marxistas revolucionários, para os quais o proletariado não tinha de mobilizar-se em defesa de um burguês condenado por sua própria classe). No campo oposto estavam os anti-semitas e os conservadores, divididos em monarquistas, clericais e nacionalistas como Maurice Barrès e Charles Maurras.

A resposta do ministro da Guerra, general Billot, foi processar Zola por difamação. Condenado a um ano de prisão, em fevereiro de 1898, o escritor apelou à Corte de Cassação, que revogou a sentença. Um novo julgamento, realizado no mês de julho, confirmou a condenação, e o autor de J’Accuse teve de se exilar na Inglaterra.

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Uma vez mais, tudo parecia terminado — e talvez fosse assim, se não fosse um deslize dos militares. É que o novo ministro da Guerra, Godefroy Cavaignac, abertamente hostil aos revisionistas, resolveu pedir um reexame dos autos do processo que lhe permitisse expor, perante o Parlamento, por que Dreyfus não deveria ser inocentado. Mas no discurso que acabou fazendo aos deputados cometeu um erro fatal, que lhe custaria a carreira e tornaria a revisão inevitável: mencionou uma carta que o chefe do SR, Joseph Henry, falsificara cerca de um ano antes com o objetivo de ligar Dreyfus aos alemães.

O problema é que Cavaignac desconhecia o andamento do reexame dos autos que ele próprio pedira. E seu ajudante-de-ordens, o capitão Louis Cuignet, depois de estudar atentamente o documento, concluíra que era forjado. Assim, quando o ajudante botou debaixo do nariz do chefe as provas da grosseira falsificação, Cavaignac não teve outra alternativa. No dia 30 de agosto de 1898, convocou a seu gabinete o desventurado Henry, que, encostado na parede, confessou a fraude e na noite de 31 abriu a garganta com uma navalha. Três dias depois, Lucie Dreyfus voltava a exigir a revisão do processo de seu marido.

Não havia mais como recusá-la. O suicídio de Henry amotinara a nação. Pessoas demais em altos escalões estavam comprometidas, e a questão se tornaria nitidamente política. Dreyfus, que havia quatro anos penava na Ilha do Diabo, foi trazido à França e autorizado a envergar novamente o seu uniforme para assistir, em Rennes, a seu segundo julgamento. Ainda assim, o Exército não podia admitir tê-lo sacrificado injustamente. Apesar da imparcialidade do juiz, coronel Albert Jouaust, que votou a seu favor, e da vontade evidente do governo do primeiro-ministro René Waldeck-Rousseau de reparar a injustiça, sua culpa foi reafirmada, embora com atenuantes.

Ele foi condenado a dez anos numa prisão militar, mas ao mesmo tempo foi-lhe oferecida a possibilidade de ser agraciado pelo presidente Émile Loubet, se renunciasse à apelação. Líderes dreyfusards como Picquart, Clemenceau e Labori queriam continuar lutando; mas Alfred estava tão cansado e desejoso de reencontrar a família, que aceitou. Os revisionistas, assim, se indignaram com a anistia assinada em dezembro de 1900 por Loubet, que pôs Mercier e outros a salvo de punições.

A fase final do caso se iniciou em 8 de abril de 1903, quando o general De Pellieux, que tivera participação ativa no processo contra Zola, pediu remoção para a reserva. Na carta que enviou ao novo ministro da Guerra, general André, dizia “ter perdido a confiança em seus superiores ao descobrir que estes o obrigaram a trabalhar com documentos falsificados”. Por isso, André solicitou novo inquérito, e confirmou a existência no “dossiê secreto” de documentos forjados, que tinham escapa-do aos juízes anteriormente. Enfim, no dia 25 de abril Dreyfus pediu nova revisão e, em 12 de julho de 1906, as três câmaras da Corte de Cassação o declararam inocente.

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Dez dias depois, aos 46 anos, ele voltou à esplanada da Escola Militar, onde fora degradado, para ser solenemente reabilitado e receber a Cruz de Cavaleiro da Legião de Honra. Alfred Dreyfus serviu o Exército francês por mais um ano. Ao atingir o posto de major, passou à reserva (o que não impediu que fosse reconvocado ao serviço ativo durante a Primeira Guerra). Depois, aos 59 anos, aposentou-se e viveu discretamente em Paris. Morreu em julho de 1935, aos 76 anos.

As conseqüências imediatas do Caso Dreyfus foram a vitória eleitoral republicana e a aprovação da lei que separou a Igreja e o Estado. A aliança entre radicais, republicanos de esquerda, progressistas e socialistas, na fileira dos dreyfusards, facilitou a criação do Bloco das esquerdas que, nas eleições de abril e maio de 1902, conquistou 465 cadeiras na Assembléia Nacional, contra 124 da Ação Liberal, de direita.

Esse resultado permitiu aos socialistas colocar em prática o projeto de revogação da Concordata de 1801, que estabelecera a união Igreja/Estado. O sentimento antimilitarista também se fortaleceu: o SR foi desmantelado e os gastos militares reduzidos. Numa fase em que a Alemanha estava em plena corrida armamentista esse corte teve efeito prejudicial durante a Primeira Guerra. A ascensão da esquerda provocou o crescimento do nacionalismo com fortes tintas xenofóbicas e, em especial, anti-semitas: em 1899, Charles Maurras fundara a Ação Francesa, movimento de ideologia claramente pré-fascista.

O rancor azedo dos antidreyfusards seria ainda maior quando, em 1936, as eleições foram ganhas pelos esquerdistas da Frente Popular, liderados pelo judeu Léon Blum. O antagonismo entre esses dois campos gerou a divisão interna que, nas décadas seguintes, enfraqueceria o país politicamente, plantando a semente do desastre na Segunda Guerra. O debate sobre a culpa ou inocência do capitão Alfred Dreyfus põe à prova a noção de “direitos humanos”, formulada durante a Revolução de 1789, em termos modernos. Só isso bastaria para garantir enorme atualidade ao seu centenário, como matéria de reflexão e ensinamento a ser incorporado ao nosso presente.

 

O mundo agitado da Belle Époque

A virada do século XIX foi bastante tumultuada: descobertas científicas que mudariam conceitos estabelecidos se mesclavam a movimentos políticos revolucionários e às agitações culturais

1894

• Batido o recorde de velocidade de 21 quilômetros por hora na corrida de automóveis Paris-Rouen

• O presidente da França Sadi Carnot é assassinado pelo terrorista italiano Sante Caserio

1895

• Em artigo publicado no Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, o jurista e ex-senador baiano Rui Barbosa, em Londres, protesta contra a injustiça imposta a Dreyfus

• Criada na França a Confederação Geral do Trabalho (CGT)

• Louis e Auguste Lumière realizam, no Grand Café de Paris, a primeira sessão de cinema

1896

• O francês Antoine-Henri Becquerel descobre a radioatividade

1897

• A atriz francesa Sarah Bernhardt estréia em Paris a peça La Samaritaine, de Edmond Rostand; o cartaz é do pintor Mucha

1898

• O casal Pierre e Marie Curie descobre o elemento químico rádio

1899

• Ernest Rutherford, neozelandês, descobre a radiação alfa e beta

• Giovanni Agnelli funda em Turim, Itália, a fábrica de automóveis FIAT

1900

• Inaugurada em Paris a Exposição Universal, que recebe mais de 50 000 visitantes

• Começa a funcionar o metrô de Paris

1901

• O japonês Jokichi Takamine isola a adrenalina

• O italiano Guglielmo Marconi envia a primeira mensagem radiotelegráfica da Europa para a América

• O inglês Hubert Cecil Booth inventa o aspirador de pó

1902

• O Bloco das esquerdas vence as eleições na França e Émile Combes, escolhido primeiro-ministro, luta pela separação entre Estado e Igreja

1903

• O russo Ivan Pavlov descobre os reflexos condicionados

• Pela primeira vez registra-se em disco uma ópera: Ernani, de Giuseppe Verdi

• O holandês Willem Einthoven inventa e constrói o eletrocardiógrafo

1904

• Eduardo VII, da Inglaterra, propõe a Entente Cordiale com a França, para resolver todos os litígios entre os dois países

1905

• O físico alemão Albert Einstein apresenta ao mundo sua Teoria Especial da Relatividade, que subverte as idéias fundamentais da Física clássica

1906

• O físico alemão Albert Einstein apresenta ao mundo sua Teoria Especial da Relatividade, que subverte as idéias fundamentais da Física clássica

Militares ainda não reconhecem o erro

Até hoje os franceses convivem mal com a lembrança da injustiça cometida contra o capitão Dreyfus. Quando, em 1986, o ministro da Cultura, Jack Lang, o incluiu entre as personagens históricas a serem homenageadas pelo governo socialista de François Mitterrand, com monumentos em praça pública, o Exército se opôs terminantemente a que a estátua de Dreyfus, do escultor polonês Louis Mitelberg, fosse colocada na esplanada da Escola Militar, onde ele foi degradado em janeiro de 1895. E a Justiça tampouco aceitou que ela se erguesse na praça diante do tribunal onde ele foi condenado. Só após dois anos de polêmica a estátua pôde ser inaugurada — e assim mesmo num cantinho escondido do Jardim das Tulherias, onde não chama a atenção dos passantes.

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