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Celular: a arma que mudou o PCC

Como um sequestrador canadense preso no Carandiru montou um sistema de comunicação clandestino que revolucionou o Primeiro Comando da Capital

Por Ricardo Lacerda
Atualizado em 12 fev 2020, 12h22 - Publicado em 28 mar 2018, 12h50

Condenado pelo sequestro do empresário Abilio Diniz, o canadense David Spencer, ex-membro do Movimento da Esquerda Revolucionária do Chile (MIR), cumpria pena no Carandiru em 1998. E foi ali que ele ajudou a transformar o modus operandi do PCC. Amigo próximo dos chefões, Spencer montou um sistema de comunicação por telefone celular para que os membros da facção pudessem conversar entre si. No esquema, listou os equipamentos necessários para criar um PABX do crime.

Estruturadas nas casas de esposas e parentes dos presos, as centrais clandestinas revolucionaram o dia a dia e os negócios do PCC. Com elas, os bandidos de uma prisão em São Paulo conseguiam se comunicar com outros no Rio de Janeiro, no Mato Grosso ou em qualquer outro lugar. Com a popularização dos celulares e as conexões ilegais, os detentos ficavam horas nessas salas improvisadas de bate-papo. Nas conversas, discutiam ações conjuntas, debatiam os rumos da organização e aproveitavam para conferir a féria da venda de drogas em suas respectivas áreas de domínio.

Clonados, pré-pagos ou comprados com documentos falsos, os telefones entravam nas cadeias de diversas maneiras. Além dos funcionários corruptos, muitas mulheres escondiam aparelhos nas partes íntimas – às vezes, mais de um. Em 1999, cada telefone rendia R$ 200 à entregadora. Com as centrais consolidadas, o PCC instalou centenas de bases fixas. Em cinco anos, a polícia estourou mais de 300 delas – numa, a conta telefônica de um mês chegava a R$ 70 mil.

Monopólio do pânico

Em 5 de julho de 1999, 17 homens invadiram a agência central do Banespa, em São Paulo. Liderados por Edson Massari, o “Tao”, e Flásio Trindade, contaram com a colaboração de um funcionário para roubar R$ 37,5 milhões. Meses depois, com o bolso cheio, Tao e Flásio mandaram R$ 100 mil de presente a Sombra, que usou o dinheiro para subornar carcereiros e permitir a entrada de três armas no Piranhão, onde cumpria pena.

Disposto a levar a cabo o artigo 14 do estatuto do PCC – que prometia a destruição do Piranhão –, o “presidente” comandou uma rebelião que quase acabou com a penitenciária e resultou na morte de nove rivais – executados a golpes de facão e estilete. Entre eles estavam Bicho Feio e Dafé, fundadores da facção descontentes com as extorsões impostas pela cúpula. Foi por isso que eles haviam criado o CRBC, que fazia oposição aberta ao PCC. No meio do tumulto, a juíza-corregedora Sueli Zeraik Armani foi chamada para negociar o fim do motim. Ao se aproximar, foi recebida com a cabeça de Bicho Feio arremessada como bola de futebol aos seus pés.

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A insurreição acabou depois que o poder público garantiu a transferência de líderes do PCC a outros presídios. Agora no Carandiru, Sombra passaria dois meses como rei, aterrorizando desafetos e deixando claro quem mandava ali. Portando armas, ele e seus homens consumiam drogas livremente. A prostituição rolava solta, inclusive com garotas de programa menores de idade. Houve até uma festança para celebrar o aniversário de Sombra, com direito a banda de pagode, churrasco e bolo com as inscrições “PCC”.

Mas a farra durou pouco. O Piranhão foi reconstruído e Sombra voltou para o castigo. Cesinha e Geleião permaneciam no Paraná, enquanto Marcola transitava por presídios de outros estados. O jeito era atuar à distância, aproveitando a estrutura das centrais telefônicas para bolar uma vingança – aos olhos do PCC, o retorno de Sombra ao Piranhão era uma quebra na promessa feita pelo poder público.

Foi assim que, em fevereiro de 2001, São Paulo viveu sua primeira megarrebelião. Nada menos que 29 unidades prisionais entraram em ebulição. Em 24 horas, 14 detentos foram mortos e 19 agentes penitenciários ficaram feridos. O PCC virou notícia no mundo inteiro, ganhando o respeito e a simpatia de milhares de bandidos país afora. Era tanta gente querendo fazer parte da facção que foi preciso promover batizados coletivos e por telefone.

Cinco meses depois, Sombra morreria assassinado no pátio do Piranhão. Seu algoz foi outro preso, que justificou a execução de maneira prosaica: “não gostava do jeito dele”. A notícia abalou o sistema prisional. Marcola enviou coroas de flores devidamente assinadas pelo PCC. Cesinha e Geleião decretaram luto e bandeiras pretas penderam das janelas de diversos presídios. Tempos depois, no entanto, as suspeitas da morte recairiam – ainda que jamais tivessem sido confirmadas – sobre Cesinha e Geleião, àquela altura incomodados com o crescente poder de Sombra. No final de 2001, a dupla assumiu o comando e deu início a uma nova e sangrenta fase na história do Partido do Crime.

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Juntos, Cesinha e Geleião passaram a ditar as ordens de cima para baixo, ao mesmo tempo em que forravam os próprios bolsos com os lucros do PCC. Inebriados com o poder, mandaram executar também Mizael, outro parceiro de longa data. Era mais um fundador do PCC que tombava por causa das desavenças internas.

Em rebeliões no Paraná, Cesinha e Geleião pressionaram o governo para serem transferidos de volta a São Paulo, onde estariam mais próximos das respectivas famílias e dos negócios. Tornaram-se nômades do sistema prisional e foram parar em um tradicional reduto do Comando Vermelho – o complexo de Bangu 1, no Rio de Janeiro. Em parceria com a facção comandada por Fernandinho Beira Mar, o PCC chegou a planejar um megaevento nacional, com ataques a prédios públicos e políticos – “do PFL e do PSDB”. O plano nunca saiu do papel, mas serviu de inspiração para o PCC adotar um novo procedimento: oferecer prêmios em dinheiro pela cabeça de determinados policiais.

Com seus dois generais, a facção tentou entrar na política. O plano mirava as eleições de 2002 e pretendia conquistar o voto de pelo menos um familiar de cada preso de São Paulo para eleger a deputado federal o advogado Anselmo Neves. Mas a polícia desbaratou o projeto e prendeu Neves, acusado de levar celulares aos presos – que ironia – e de repassar ordens para fora da cadeia.

Esta reportagem é parte do Dossiê SUPER: Facções Criminosas, publicado em maio de 2017

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