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Crianças de Llullaillaco: a história das múmias incas encontradas intactas em vulcão

Sacrificadas em um ritual há cerca de 500 anos, as crianças conservam pele, cabelos, vestimentas e até traços faciais.

Por Luiza Lopes
22 ago 2025, 08h00

Em março de 1999, a quase sete mil metros de altitude, uma equipe de arqueólogos fez uma das descobertas mais impressionantes sobre o Império Inca, que governou grande parte da Cordilheira dos Andes entre os anos 1438 e 1533.

Dentro de câmaras de pedra próximas ao cume do vulcão Llullaillaco, na fronteira entre Argentina e Chile, estavam três corpos infantis em perfeito estado de conservação. Apesar de terem sido enterrados há cerca de 500 anos, ainda tinham pele, cabelos, roupas e até expressões faciais intactas.

Os pesquisadores batizaram o grupo de “Crianças de Llullaillaco”. A mais velha, de 13 anos, ficou conhecida como “A Donzela”. Ela estava sentada com as pernas cruzadas, cabeça levemente inclinada e o rosto sereno, como se dormisse. Ao seu lado havia duas crianças mais novas: “O Menino”, de aproximadamente 4 a 5 anos, e a “Menina do Raio”, de 6 anos.

Além do estado impressionante dos corpos, os objetos depositados junto a eles eram de grande qualidade: tecidos finos, sandálias, estatuetas e recipientes cerimoniais. Os itens eram enterrados juntamente com as crianças para ajudá-las em uma possível vida após a morte e a demonstrar aos deuses sua importância.

Os corpos ficaram preservados pelo frio extremo, pelo ar rarefeito e pela baixa umidade do cume andino, condições que funcionaram como um “congelador natural”.

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As crianças fizeram parte de um dos rituais mais enigmáticos do Império Inca: a capacocha. O termo vem do quéchua, combinando capac, que significa “real”, e cocha, que significa “lago” ou “corpo d’água”. Nesse contexto, cocha pode estar relacionado à água como símbolo de fertilidade. Dessa forma, capacocha seria uma forma de os incas expressarem o sacrifício humano como uma oferenda sagrada, ligada à fertilidade e à prosperidade.

De acordo com crônicas coloniais, o sacrifício de crianças era realizado em momentos de crise, como secas ou erupções, e também em celebrações importantes, como a morte de um imperador ou a conquista de novos territórios.

Os escolhidos vinham de diferentes regiões do império e geralmente eram filhos de famílias respeitadas. Segundo o antropólogo Johan Reinhard, que participou da descoberta, a prática reforçava a autoridade política do Estado e criava um vínculo simbólico entre as comunidades locais e os deuses do império. 

O psicólogo e cronista espanhol Juan de Betanzos, no século 16, por exemplo, registrou que os incas acreditavam que a morte nessas condições não era um fim, mas uma forma de continuar servindo aos deuses. Para as famílias, entregar um filho era considerado uma honra, embora também significasse perda irreparável.

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Fotografia do
Fotografia do “Menino”, uma das crianças de Llullaillaco. (Wikimedia Commons/Reprodução)

Um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences em 2013 ajuda a reconstruir o caminho até o sacrifício. 

Análises químicas do cabelo da Donzela revelaram uma mudança radical na dieta cerca de um ano antes da morte. Ela passou de uma alimentação simples, baseada em tubérculos, para outra composta por carne de lhama e milho, alimentos reservados às elites. Esse período coincide com a provável seleção da menina para o ritual.

Os fios de cabelo também mostraram consumo crescente de folhas de coca e álcool. A arqueóloga Emma Brown, da Universidade de Bradford, explicou à BBC em 2013 que esses elementos eram usados para sedar as crianças antes do sacrifício. “Não há sinais de violência. Ela está incrivelmente bem cuidada: tem uma boa camada de gordura, cabelo impecavelmente cuidado e roupas bonitas”, disse.

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Pesquisadores acreditam que as crianças foram levadas até Cusco, a capital do império, onde participaram de cerimônias públicas. Depois iniciaram a longa jornada até o vulcão, acompanhadas por sacerdotes. O trajeto podia durar meses e incluía paradas em templos e santuários.

No topo do Llullaillaco, os sacerdotes cavaram pequenas câmaras de pedra. Ali, colocaram as crianças com roupas finas e objetos cerimoniais. A Donzela foi acomodada sentada, envolta em tecidos. O menino foi enterrado com um adorno de penas na cabeça, e a menina, enrolada em um manto.

A análise sugere que as crianças ingeriram grandes quantidades de chicha, uma bebida alcoólica à base de milho, pouco antes de morrer. O frio extremo completou o processo. 

Além disso, o corpo da Menina do Raio apresenta marcas de queimaduras no rosto e no ombro, provavelmente causadas por descargas elétricas ocorridas séculos após o enterro. 

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Em alguns sítios incas no Peru, pesquisadores identificaram plataformas de sacrifício infantil projetadas para atrair raios. Para os incas, ser atingido era considerado um sinal de aprovação divina.

Desde a descoberta, os corpos estão sob os cuidados do Museu de Arqueologia de Alta Montanha (MAAM), em Salta, na Argentina. Para evitar a degradação, são mantidos em cápsulas que reproduzem as condições de temperatura, pressão e umidade do cume andino. Apenas uma múmia é exibida por vez, em sistema de revezamento.

O acesso ao público gera debates éticos. Para alguns, exibir os corpos é uma forma de respeitar e dar visibilidade à história andina. Para outros, trata-se de uma violação. O museu, por sua vez, defende que a preservação e a pesquisa são fundamentais para compreender a complexidade do império inca.

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