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É frevo!

Ele tem cerca de 100 anos de idade, é natural do Recife e faz qualquer um se mexer. Agora, no Carnaval, queima montes de calorias. Tem gente dizendo que pode até virar a primeira dança clássica brasileira

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h16 - Publicado em 31 jan 1997, 22h00

Felipe Oliveira, de Recife

Música ou dança, o que veio primeiro?

Quando alguém fala em dança, música ou Carnaval brasileiro, todo mundo pensa logo no samba. Mas o frevo, nascido em Pernambuco, mais precisamente no Recife, não só é igualmente brasileiro como também explode no Carnaval. A grande diferença é que, ao contrário do samba, não se espalhou pelo país.

Claro que brasileiros de todos os cantos reconhecem o ritmo quando o ouvem. Afinal, cantores conhecidos, como Caetano Veloso ou Moraes Moreira, já gravaram frevos que ficaram famosos nacionalmente. Muitos também são capazes de identificar – ainda que para alguns seja impossível botar em prática – os passos que acompanham esse tipo de música. Mas tocar, cantar e dançar frevo é coisa de pernambucano. Uma pena, na opinião do músico e bailarino também de Pernambuco Antônio Nóbrega, que defende a possibilidade de se usar o frevo como base para o desenvolvimento de uma dança clássica genuinamente brasileira. Algo para ser ensinado nas academias, ao lado do conhecido clássico europeu e do jazz. De certo modo, Nóbrega já vem fazendo algo para isso. Seu espetáculo de música e dança Figural que abriu com sucesso a 7ª Bienal da Dança de Lion, na França, em setembro do ano passado, é completamente influenciado pelo frevo.

Saltos e piruetas

Mas por que o papel de gerar esse produto artístico nacional não poderia ser do samba? “Porque o samba não é uma dança”, justifica Nóbrega. “É basicamente um passo, ao qual podem ser acrescidos adornos.” Opiniões à parte, o certo é que a coreografia do frevo não padece dessa carência. São cerca de 120 passos diferentes. Muitos tão acrobáticos quanto aquelas piruetas nas quais o russo Mikhail Baryshnikov é craque. Segundo o compositor erudito brasileiro César Guerra Peixe (1914-1994), trata-se de um gênero único, pois o dançarino dança a orquestração. Por isso mesmo, para compor um frevo é preciso conhecer os papéis dos vários instrumentos numa orquestra, principalmente os dos metais.

As primeiras composições, não por acaso, foram de mestres de bandas, como José Lourenço da Silva, o Zuzinha. É que o frevo nasceu da competição entre bandas marciais (veja o quadro ao lado). Cada uma com seu grupo de capoeiras, leões-de-chácara cheios de ginga, à frente, elas foram moldando as marchas militares à cadência da luta-dança, dando origem à nova música. “O nascimento do frevo não tem data específica”, avisa o historiador Leonardo Dantas Silva, da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife. “Ele foi nascendo aos poucos, resultado de uma sincronização entre música e dança.”

Levado para o Rio, não empolgou

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Por volta de 1880 começaram a surgir as primeiras sociedades carnavalescas do Recife. Eram os chamados “clubes pedestres”. Compostos por populares, eles se apresentavam assim mesmo: a pé. A aristocracia ficava nos clubes fechados. Quando os capoeiras eram reprimidos à frente das bandas marciais (veja no quadro acima), se refugiavam nos desfiles dessas agremiações e passavam a defender seus estandartes.

As orquestras desses clubes tocavam polca, maxixe, tango, marchas. E também foram influenciadas pelos passos da capoeira. Quando nasceu, em 1889, é provável que o Clube Vassourinhas já tocasse o frevo. Depois o gênero evoluiu, adquirindo uma personalidade ainda mais marcante. Quem ouvia essa música nova tentava encontrar paralelos. Em visita a Recife, em 1942, o cineasta americano Orson Welles teria chegado a achá-la parecida com a italiana tarantela. Especialistas negam a semelhança.

Difícil de identificar, o frevo era também duro de imitar. Bem que se tentou, várias vezes, levá-lo para o Rio, mas não deu certo. “Frevo não é espetáculo, que nem as escolas de samba, mas participação do povo”, explicou o estudioso Valdemar de Oliveira no livro Frevo, Capoeira e Passo. “Se não há povo participante em quantidade e, sobretudo, em qualidade, que lhe dê corpo e alma, desfilará um ajuntamento de virtuosi, ou pseudo-virtuosi, não frevo.”

Malabarismo na rua não é pra qualquer um

Se é importante conhecer bem música para compor o frevo, parece ser necessário ainda algo mais para tocá-lo bem. Valdemar de Oliveira reclama que só quando a Federação Carnavalesca Pernambucana resolveu mandar o maestro Zuzinha ao Rio, para ensaiar as bandas cariocas encarregadas de gravar as composições premiadas no Carnaval, os resultados ficaram melhores. Antes, as notas vinham corretas, ele conta, mas o andamento era errado e o ritmo, frouxo.

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Talvez haja um pouco de bairrismo na avaliação. Mais aberto, Francisco Nascimento da Silva, 60 anos, o Nascimento do Passo, resolveu até abrir uma escola em Recife para ensinar a dança a turistas ou mesmo a moradores mais duros de cintura. “Em um mês qualquer um pode se tornar um bom dançarino”, exagera. Talvez a generosidade venha do fato de que ele não é pernambucano. Veio, menino, do Amazonas. Cá para nós, um mês de aulas deve dar apenas para passar o Carnaval sem vexame, arriscando uns vinte dos 120 passos conhecidos.

A maioria dos 150 000 turistas que já devem estar arrumando as malas para o Recife, no entanto, só vai contar mesmo é com a cara, a coragem e a animação. Mas esta última, o frevo garante. Para se ter uma idéia do frisson que causa, vale lembrar uma história antiga, de 1950. Nesse ano, a caminho do Rio, o Vassourinhas, com uma orquestra incrementada de 65 músicos, fez uma escala em Salvador, onde foi convidado a mostrar o frevo. O que aconteceu então foi uma loucura. Desacostumada da regra – implícita em Pernambuco – de respeitar a orquestra, a multidão atropelou tudo o que havia pela frente. O resultado foram narizes quebrados. Além de uma grande idéia. Naquele mesmo ano, dois baianos, os famosos Dodô e Osmar, mais o engenheiro Demís-tocles, montaram um sistema de amplificação de som num carro velho (fubica) e saíram pelas ruas tocando o repertório do Vassourinhas. No ano seguinte, num caminhão iluminado, com dois geradores e oito alto-falantes, nascia o trio elétrico. Um resultado feliz, que inventou um frevo diferente, até hoje tocado na folia baiana. E que foi repassado para o resto do país em 1979, na música Vassourinha elétrica, de Moraes Moreira. Aí vai um trecho da letra para você:

“Varre, varre, varre Vassourinhas / Varreu um dia as ruas da Bahia / (…) / Abriu alas e caminho pra depois passar / O trio de Armandinho, Dodô e Osmar / E o frevo que é pernambucano / Sofreu ao chegar na Bahia / Um toque, um sotaque baiano / Pintou uma nova energia / Desde o tempo da velha fubica / Parado é que ninguém mais fica / É o frevo, é o trio, é o povo / (…) / Sempre juntos, fazendo o mais novo Carnaval do Brasil”.

Para saber mais

Festas, Máscaras do Tempo, Rita de Cássia Araújo, Prefeitura do Recife, 1996.

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História do Carnaval de Pernambuco, Claudia Rocha Lima, Prefeitura do Recife, 1996.

Escola Municipal de Frevo, Rua Castro Alves, s/n, Torreão, Recife.

Alegria e exercício

O agacha, levanta, pula e estica da dança consome muita caloria.
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Ginástica

Em testes realizados na Faculdade de Educação Física de Pernambuco foi comprovado que um passista consome dezenove vezes mais energia em ação do que em repouso. A cada três minutos, ele perde 36 calorias, o equivalente a passar o mesmo tempo correndo à velocidade de 18 quilômetros por hora.

Novo papel

Embora já possa ter tido uma função agressiva (veja o quadro ao lado), a sombrinha hoje só serve mesmo é para ajudar no equilíbrio do passista, além de expressar, em suas múltiplas cores, a alegria do Carnaval.

Conquista feminina

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Na origem, mulher não dançava o passo, como é chamada a coreografia do frevo. Era um bailado masculino e, segundo historiadores, demonstrativo de virilidade. Com o surgimento dos blocos, a partir de 1915, moças começaram a ser admitidas, ainda timidamente. Hoje, se houver uma contagem, é possível que elas sejam maioria.

Qualquer roupa

Não há traje especial para a dança. Em geral, usa-se apenas algo que permita movimentos largos. As cores vibrantes também são bem-vindas.

Passado, presente e futuro

Nascido na boca e nos pés do povo, o frevo também está conquistando os palcos.

Batismo

Publicada pela primeira vez no Jornal Pequeno, de Recife, em 1908, a palavra frevo pegou logo (a ilustração abaixo é de 1909). Trocando o r de lugar, o povo dizia que as ruas “freviam” durante o Carnaval. Só mais tarde o termo passou a designar a música.

Bandas marciais

Frevo é a música. A dança se chama passo. O ritmo surgiu no final do século passado, quando bandas marciais que tocavam marchas nas festas de rua do Recife começaram a assimilar nuances de choro, de polca, de maxixe. A personalidade do estilo, no entanto, se firmou junto com a dança.

Forcinha da capoeira

Na metade do século XIX era comum ver capoeiras à frente das bandas, exibindo-se para intimidar grupos inimigos. Os músicos acabaram reformulando o ritmo, para acompanhar a coreografia. O resultado desse casamento foi o frevo.

Arma disfarçada

No Recife, os capoeiras haviam adquirido o hábito de carregar, como arma, um pedaço de pau. Com a repressão, trocaram-no por um guarda-chuva. Ele era carregado fechado e quase nunca estava em bom estado.

Frevo no pé

Em 1950, Nascimento do Passo, 60 anos, venceu o primeiro grande concurso de passo em Recife. Virou um mito e abriu a primeira escola da dança, em 1973. Hoje, o músico e bailarino Antônio Nóbrega já leva para o exterior espetáculos impregnados de frevo.

Recordista

As escolas de samba devem estranhar, mas o maior clube carnavalesco do mundo, de acordo com a edição nacional do Guiness Book 1996, é um clube de frevo. Criado em 1977, o Galo da Madrugada leva mais de 1 milhão de foliões às ruas do Recife no sábado de carnaval.

Pai do trio

Em 1950, a banda do Clube Vassourinhas enlouqueceu a multidão no Carnaval de Salvador com seu frevo. No mesmo ano, os baianos Dodô e Osmar inventaram o trio elétrico, que amplificava o som do frevo e tirava os músicos da rua, protegendo-os em cima de um caminhão.

Vários em um

O frevo de rua é instrumental e sustentado pelos metais. Mas a partir de 1915 surgiram os blocos de frevo, mais bem-comportados. As orquestras tinham violões, banjos, cavaquinhos. E havia letra. Logo surgiria o frevo-canção, mais para cantar.

Os metais animam a dança

As orquestras de frevo atuais costumam ter dezoito músicos. Conheça sua composição.

Tuba (1)

Cuida do ritmo e da harmonia do compasso.

Trombones (4)

Dão a resposta grave aos trompetes.

Taróis (2)

Trabalham com o surdo na manutenção do ritmo.

Surdo (1)

Ajuda a manter o ritmo.

Saxofones (5)

São a base da música e dão a linha melódica.

Requinta (1)

Este pequeno clarinete conduz as variações da melodia.

Trompetes (4)

Responsáveis pelos agudos no diálogo dos metais.

Nomes engraçados e muita acrobacia

Tramela lateral

A passista se abaixa (no detalhe). Ao se levantar, abre primeiro a perna direita e depois a esquerda, sempre apoiando-se no calcanhar.

Saci-pererê

Com um pé apoiado na dobra da outra perna, pula-se, flexionando (no detalhe), para a frente, para trás e para os lados. A troca do pé exige um salto maior.

Passa-passa

A sombrinha deve ser passada de uma mão para a outra, primeiro por baixo de uma perna e depois sob a outra (no detalhe).

Coice de burro

Tem origem na capoeira. No topo de um bom salto (no detalhe), as pernas devem ser flexionadas juntas.

Passo de bêbado

Cambaleando, joga-se o corpo para a frente, apoiado sobre os calcanhares e depois retorna-se, na ponta dos pés (no detalhe).

Filho de peixe, só podia ser um peixão

Ninguém no Recife conhece Lourenço da Fonseca Barbosa. Mas pergunte pelo Capiba, seu apelido, e não haverá quem não saiba de quem se trata. Aos 92 anos, Capiba é o maior compositor de frevos vivo do Brasil. Fez mais de 500 músicas. Só frevos, foram 262 desde o primeiro grande sucesso É de amargar, de 1934, até hoje.

Mas isso aconteceu muito depois de sua iniciação. Filho (um dos treze) de um professor de música, respirou notas musicais desde que nasceu, em Campina Grande, Paraíba. Lá mesmo chegou a trabalhar como pianista num cinema mudo e montou a Jazz Band Campinense. Só em 1930 foi para o Recife, trabalhar no Banco do Brasil, mas a burocracia não o fez esquecer a música. Sorte do frevo.

Miniglossário carnavalesco

Onda: a massa de passistas em evolução.

Farofado: a confusão formada pelos passistas.

Peso: a potência, capacidade de atração de um bloco.

Mergulho: cair no frevo, entrar na dança.

Frevança: concurso de frevo ou ato de “frever”.

Abafo: fortalecimento da música de uma orquestra, tentando abafar o som de outra.

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