E se Hitler tivesse morrido um ano antes?
O mundo seria outro se, em vez de se matar em 1945, o líder nazista fosse morto em 1944 - ele escapou de uma bomba por um triz. Mas há um universo em que Hitler explodiu e a história mudou. Tudo graças a um herói misterioso.
Emiliano Urbim e Amarílis Lage
O dia amanheceu elétrico no asilo Glückhaus, em Berlim. Diante do casarão, um enxame de jornalistas de todo o mundo ansiava por uma declaração de um dos maiores nomes da Segunda Guerra: Hans Schmidt. Há exatos 70 anos, em 20 de julho de 1944, Hans tinha matado Adolf Hitler. Desde então, fugira dos holofotes. Finalmente romperia o silêncio?
Nada mais improvável. Hans ignorou todos. Ao anoitecer, sua vizinha de quarto não conseguia entender. “Hans, você é um herói!”, disse Anne, abrindo as cortinas com uma agilidade rara para alguém de 84 anos. O último repórter estava indo embora. “Não entendo por que passou o dia escondido. Nem comigo, sua amiga há anos, você se abre. Isso me magoa, viu?”
“Isso é chantagem emocional.”
“Esse segredo é um fardo, Hans. Não precisa dar entrevista, mas confie em mim. Me conte sua história.”
Com um suspiro, apontou para uma cadeira a seu lado. Ela puxou a cadeira para perto dele, disposta a não perder nenhuma palavra.
“Já aviso que é uma história difícil de acreditar.”
“Eu também vivi a guerra, Hans. Pode contar.”
“Anne: eu sou um viajante do tempo.”
Ela quis rir, mas viu que ele estava sério.
“No meu mundo, Hitler não morreu em julho de 1944. Ele cometeu suicídio em abril de 1945. Nove meses de diferença, tempo suficiente para que a Alemanha fosse invadida por americanos e soviéticos, e dividida em Ocidental e Oriental. Berlim foi separada por um muro. Meus pais, que viviam do lado comunista, foram mortos logo depois de eu nascer, em 1984.” Hans parou. “Parece loucura?”
Parecia, mas Anne apertou sua mão e ele seguiu.
“Em 1989, a Alemanha voltou a ser uma só. Mas o trauma permaneceu. Eu cresci atormentado com a ideia de mudar o passado. Graças a essa obsessão, quando estava no exército fui escolhido para um projeto ultrassecreto: viajar no tempo para matar Hitler. Em 20 de abril de 2014, cruzei um corredor luminoso e saí em 20 de abril de 1944.”
“Vinte de abril de 2014. Três meses atrás.”
“Mas em outro universo. Pode rir, Anne.”
“Calma, Hans. Mas por que não matar Hitler antes?”
“Mudar o passado traz consequências imprevisíveis. Impedir o nascimento de Hitler evitaria a ascensão do nazismo? Não sei. Em 1944, tínhamos algum controle da situação. De onde eu venho, em 20 de julho daquele ano, o Führer foi alvo de um atentado malsucedido. Bastava fazer o atentado dar certo.”
Atenta, Anne ouviu Hans descrever a missão. O mais difícil foi entrar no grupo que tramava o golpe e convencer a todos de que não era um espião. Ninguém entendia como ele podia saber tanto sobre a Operação Valquíria, mas Hans transmitia uma segurança absurda. Firme, assumiu o risco de carregar a mala-bomba que mataria Hitler durante uma reunião.
“Engraçado que eu me preparei para encarar o diabo. Mas ele parecia um louco, berrando para ninguém. A sala estava cheia, mas era para ninguém.” Num gesto calculado, ele largou a maleta bem ao lado de Hitler, evitando o erro dos conspiradores originais. Quando a bomba explodiu, ele já estava longe. Os golpistas assumiram o comando e Hans preferiu viver a margem da história. Afinal, quem ia acreditar na sua história?
“A partir daí, as coisas seguiram o rumo que você conhece. O novo governo se rendeu aos Estados Unidos, e a União Soviética nunca ocupou o leste da Alemanha. O país nunca se dividiu. O muro de Berlim nunca existiu. Ex-nazistas no poder encobriram muitos crimes, claro, mas o saldo foi positivo. Com um ano a menos de guerra, salvamos milhões do Holocausto. Além disso, impedimos a explosão da bomba nuclear – no meu mundo, ela foi a arma final contra o Japão.” Hans ergueu-se, nervoso. “Pronto. Pode me chamar de louco.”
Anne foi atrás dele.
“E seus pais, Hans? O que aconteceu com eles?”
“Como eu disse, mudar o passado tem efeitos imprevisíveis. Por algum motivo, afetei a vida deles. Meu pai morreu na adolescência, de pneumonia. Minha mãe sofreu um acidente aos 20 anos. E eu nunca nasci. Vamos, Anne, diga logo que sou louco.”
Estava prestes a chorar. Anne o abraçou com força.
“Hans, não me importa se você é louco. Pense nas vidas que você diz que salvou. Quem sabe não acabou salvando minha vida, meu caro Hans Schmidt?”
Hans não pôde evitar um sorriso.
“´Tem razão, minha cara Anne Frank. Tem razão.”
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